Acórdão nº 08P208 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução02 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 458/03, do Tribunal Judicial da comarca da Lousã, AA, com os sinais dos autos, foi condenado como autor material, em concurso real, de um crime de homicídio qualificado e de um crime de detenção de arma proibida nas penas de 16 anos e 6 meses e 10 meses de prisão, respectivamente, sendo em cúmulo jurídico condenado na pena conjunta de 17 anos de prisão.

O arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, visando o reexame da matéria de facto e de direito, tendo sido aquela decisão confirmada.

Na sequência de recurso do arguido para este Supremo Tribunal de Justiça foi o acórdão do Tribunal da Relação anulado por omissão de pronúncia.

Proferido pelo Tribunal da Relação novo acórdão confirmatório, após novo recurso do arguido para este Supremo Tribunal, uma vez mais foi anulada a decisão de 2ª instância por omissão de pronúncia.

Confirmada novamente pelo Tribunal da Relação a decisão de 1ª instância e impugnado mais uma vez pelo arguido o acórdão confirmatório, este Supremo Tribunal anulou-o novamente por omissão de pronúncia.

O Tribunal da Relação reeditou as suas anteriores decisões, confirmando o acórdão de 1ª instância.

O arguido impugnou mais uma vez a decisão do Tribunal da Relação.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação de recurso: 1. A decisão recorrida viola o princípio do juiz natural, na medida em que nos três últimos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Coimbra, mantiveram-se sempre, os mesmos dois dos três Senhores Juízes Desembargadores que proferiram os acórdão recorridos, sendo um deles o Senhor Juiz Relator.

  1. Com a particularidade de, quer recusando-se a conhecer da matéria de facto quer conhecendo dela parcialmente, as decisões foram sempre as mesmas.

  2. Pelo que os princípios e garantias do processo penal, impunham que os Senhores Doutores Juízes Desembargadores que deviam conhecer do presente recurso deveriam ser diferentes de quem já anteriormente julgou por duas vezes, o presente processo e viu os seus acórdãos Revogados.

  3. O Tribunal da Relação de Coimbra estava obrigado a conhecer de facto e de direito, nos termos do art. 428º do C.P.P., tendo violado tal normativo, no acórdão ora recorrido.

  4. Tendo ainda violado o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça! 6. Pois, este, ordenou que o Tribunal da Relação, se pronunciasse "concretamente sobre as questões formuladas, no âmbito da matéria de facto e da matéria de direito, no recurso para ele interposto pelo aqui recorrente", nos termos dos arts. 379° n.º 1, alínea c) e 425° n.º 4 ambos do C.P.P..

  5. Sucede que, ao contrário do imposto pela lei e do acórdão do STJ, o Tribunal da Relação, e como resulta do acórdão ora recorrido, só se limitou a analisar se o tribunal de 1ª instância, fez uma correcta integração dos factos ao direito, bem como se o acórdão padecia de algum dos vícios constantes do art. 410° n.º 2 do C.P.P. Bem como, a transcrever partes de depoimentos completamente descontextualizados e por vezes contraditórios com as opiniões proferidas.

  6. Pelo que, o Tribunal da Relação, ao dar a matéria de facto, dada como provada, na primeira instância, como assente, limitou-se a ler o acórdão recorrido, não analisando, criticamente a prova indicada, que impunha uma decisão diversa da recorrida.

  7. Limitando-se em alguns casos, a transcrever depoimentos parciais e descontextualizados, para suportar a decisão proferida em primeira instância.

  8. Não analisando criticamente, tal como se lhe impunha, os elementos de prova que o arguido invocou, para que certos factos dados como provados fossem dados como não provados e vice-versa.

  9. Enfermando, em consequência, o acórdão da Relação, de nulidade, nos termos do art. 379º n.º 1, c), do C.P.P., ao fazer tábua rasa dos argumentos expendidos aquando da impugnação da matéria de facto, não os examinando criticamente.

  10. Implicando, tal omissão, a sua anulação e a devolução dos autos à 2ª instância para colmatar tal omissão.

  11. Sendo que, com tal omissão de pronúncia, foram violados os direitos de defesa do arguido, e como tal, foi violado o art. 32° n.º 1 da C.R.P.. Pelo que, o acórdão recorrido padece de nulidade e de inconstitucionalidade.

  12. Enfermando, ainda, e em consequência o acórdão da Relação de Coimbra, de nulidade, nos termos do art. 374° nº 2 do C.P.P., pois, tal Tribunal pelo retro exposto, não se pronunciou sobre questões relevantes para a decisão da causa.

  13. Ora, não tendo sido assegurado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, um efectivo grau de jurisdição em matéria de facto, não se encontra definitivamente encerrada a questão de facto.

  14. Pelo que, deverá ser anulado o acórdão recorrido e consequentemente ser ordenada a sua devolução à 2ª instância para conhecer efectivamente de facto e colmatar tal omissão.

  15. Sendo que, o arguido atacou fundadamente a força probatória dos elementos de prova que fundamentaram a sua condenação em concreto.

  16. O acórdão recorrido, enferma ainda dos vícios constantes no art. 410º, n.º 2 e 3, do C.P.P..

  17. Pois, o acórdão do Tribunal Colectivo, padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e existe um erro notório na apreciação da prova.

  18. Sendo, assim, o conhecimento de tais vícios, referentes à matéria de facto, da competência do Supremo Tribunal de Justiça.

  19. Que, deve in casu, conhecer de tais vícios, e anular o acórdão recorrido, ou in minime, ordenar o reenvio do acórdão recorrido para o Tribunal de 2ª instância, para este conhecer de tais vícios.

  20. Pois, como resulta da sentença do Tribunal de 1ª instância, o arguido foi tão só condenado, com fundamento na convicção íntima do julgador e em meras conjecturas, sem qualquer suporte fáctico.

  21. Tendo-se, ignorado, provas periciais que impunham uma decisão contrária.

  22. Tendo-se, cometido erro grosseiro e julgamento, ao se condenar o arguido pelo crime de detenção de arma proibida, e pelo crime de homicídio qualificado.

  23. Pois, em súmula, como resulta da prova produzida, nunca ninguém viu o arguido com a arma em causa. O arguido é dextro e não tinha vestígios de pólvora na mão direita. A ofendida sofreu dois tiros desferidos junto ao mamilo esquerdo, com o sentido de cima para baixo e da esquerda para a direita. Pelo que, era impossível desferir tais tiros. Ninguém viu o arguido a disparar a arma em questão. Na mesma não foram detectadas impressões digitais do arguido.

    Ninguém sabe em que circunstâncias foram disparados os tiros em causa. Não se esclareceu a quem pertence o blusão preto dobrado na banheira!....

  24. Isto sem falar, nas contradições na motivação dos vários depoimentos, como exposto na motivação.

  25. Pelo que, no mínimo deveria ter operado o princípio in dubio pro reo e o arguido ter sido absolvido.

  26. Por outro lado, o acórdão recorrido enferma de nulidade, pois conhece de questão que estava impedido de conhecer - art. 379° n.º1, c). do C.P.P..

  27. Pois, o ponto 9.1 do acórdão do S.T.J., fixou que nem todo o acórdão do Tribunal da Relação foi anulado.

  28. Depois, consta insolitamente do douto acórdão "E lendo e relendo as longuíssimas páginas por onde o recorrente se espraia em considerações de erro manifesto, erro tremendo grosseiro, nada se encontra que não seja a conclusão de que apenas o arguido diz a verdade e toda a verdade".

  29. Ora, tais considerações são fundadas e suportadas pelas gravações dos depoimentos, da prova documental, da prova pericial.

  30. Devia pois, o Tribunal a quo, ouvir tais gravações e comprovar se assiste ou não ao arguido razão ao alegar tais erros manifestos. Aliás, como ordenado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

  31. Diga-se, ainda, que o arguido a ser condenado, a pena aplicada é ilegal, excessiva e desproporcionada.

  32. Mais, ignorou o Tribunal da Relação, por completo, os argumentos elencados pelo arguido, com os quais, este arguía a redução da medida de pena.

  33. É sabido, que dentro da moldura penal abstracta e para a determinação da pena concreta, funcionam as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo do crime deponham a favor ou contra o agente.

  34. Ora, ignorou o tribunal de 1ª instância e posteriormente, o tribunal de 2ª instância, todos os depoimentos das testemunhas, ouvidas que atestam que o mesmo é uma pessoa humilde, honesto, trabalhador e boa pessoa, bom filho e pacífico.

  35. Bem como, ignorou o comportamento anterior e sobretudo posterior dos factos que lhe são imputados.

  36. Nomeadamente, o facto do arguido depois de cerca de um ano detido, ter sido restituído à liberdade, tão só sujeito à obrigação de permanecer na habitação.

  37. Onde permaneceu cerca de seis meses sem pulseira electrónica, sequer! Não tendo fugido! E sempre comparecido, sozinho, à audiência de julgamento.

  38. Que comportamento mais exemplar, mais respeitador, mais revelador de uma grande interiorização de valores sociais podia o arguido ter? 41. Ora, o tribunal a quo, ignorou tal bom comportamento, antes e após os factos que lhe são imputados.

  39. Tendo-se baseado no que toca à personalidade do arguido, em relatório do IRS, completamente desactualizado e descontextualizado, como exposto.

  40. Entende-se que, caso se considere que o arguido cometeu os crimes por que vem condenado, que a pena deveria assim ter sido fixada no seu mínimo legal.

  41. Ao fixar-se numa pena superior, violou o Tribunal a quo o disposto no art. 71° n.º 1 e n.º 2, a), do Cód. Penal.

  42. Porém, o arguido, só argúi tal redução em desespero de causa! 46. Pois está inocente! Tendo sido condenado no âmbito de um grave erro judiciário que cumpre reparar.

    Na contra-motivação apresentada o Exm.º Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Coimbra pugna pela improcedência do recurso, sob o entendimento de que o julgamento do recurso pelos mesmos juízes desembargadores não viola as leis de processo penal, de que o Tribunal da Relação se pronunciou sobre todas as questões que lhe foram submetidas a apreciação pelo recorrente e de que as penas...

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