Acórdão nº 07P4730 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelRAÚL BORGES
Data da Resolução02 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum colectivo nº 27/06.9GBPRD do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Paredes foi submetido a julgamento o arguido AA, melhor identificado nos autos.

Por acórdão do Colectivo do Círculo Judicial de Paredes, de 23 de Março de 2007, foi o arguido condenado pela prática de: Um crime de homicídio qualificado, p. p. pelos artigos 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, alínea i) do Código Penal, na pena de 20 anos de prisão; Um crime de detenção de arma, p. p. pelo artigo 6º, n.º 1, da Lei nº 22/97, de 27-06, na pena de 6 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, na pena única de 20 anos e 3 meses.

Foi ainda condenado a pagar aos seus filhos e da vítima, a título de indemnização por danos: a BB, a quantia de € 73.133, 33 e a CC, a quantia de € 54. 133.33, acrescidas de juros de mora.

Inconformado, o arguido interpôs recurso circunscrito à parte criminal do acórdão para o Tribunal da Relação do Porto.

Por acórdão de 26 de Setembro de 2007, o Tribunal da Relação do Porto deliberou: - Eliminar do ponto 18 da matéria de facto a expressão "frieza de ânimo"; - Reduzir para 18 anos de prisão, a pena que foi cominada pelo crime de homicídio qualificado; - Fixar em 18 anos e 3 meses de prisão a pena única resultante do cúmulo jurídico a efectuar com a pena que foi aplicada pelo crime de detenção ilegal de arma; - Confirmar o mais decidido.

De novo irresignado, o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, apresentando a motivação de fls. 1165 a 1175, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição): 1) 0 crime dos autos só aconteceu devido ao estado de exaltação e de embriaguez do arguido, no contexto de uma intensa discussão que teve com a vítima e na sequência do insulto que esta lhe dirigiu.

2) Não se pode considerar que tivesse existido perversidade e censurabilidade na conduta de alguém que se encontrava embriagado e exaltado no momento do acto, privado das suas faculdades psicológicas, sem capacidade para reflectir ou discernir.

3) Foi o estado de espírito do recorrente que influiu decisivamente o seu comportamento, não se vislumbrando qualquer aparência calculista, reflexiva e insensível da conduta assumida.

4) Nos factos dados como provados não se descortina especial perversidade na conduta do arguido, e também nada foi provado que permita concluir que o arguido tenha agido de modo frio, calculista, reflexivo, deliberado e perverso.

5) Todos os factos apurados são manifestamente insuficientes para se deduzir e muito menos para se concluir que o recorrente actuou de forma perversa.

6) O arguido não deveria, pois, ter sido condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado p.p. pela alínea i) do no nº2 do artigo 132º, do C. P. por manifesta ausência dos pressupostos de facto, mas apenas e tão só pelo crime de homicídio simples previsto no artigo 131º do mesmo código.

7) A pena aplicada ao arguido é manifestamente excessiva e incompatível com o crime que cometeu, já que não deve ser qualificado por não se verificar o elemento agravante previsto na alínea i) do nº 2 do artigo 132° do C. P. devendo o recorrente responder apenas por crime de homicídio simples, tal como se prevê no artigo 131° do C. P., aplicando-se-lhe uma pena de 14 anos.

8) Caso se mantenha a qualificação, - o que só por mera hipótese de raciocínio se admite - sempre a pena deve ser reduzida para os referidos 14 anos, assegurando-se assim também os fins de prevenção geral e especial, tendo em conta que o arguido não tem quaisquer antecedentes criminais, manifestou sentimentos sinceros de arrependimento, de culpa e de desespero, exteriorizados no próprio acto que atentou contra a sua vida logo após o crime que praticou, o que demonstra que se tratou de um acto irreflectido e imponderado.

9) O arguido tem tido um comportamento adequado ao meio prisional e está laboralmente activo, trabalhando na lavandaria e frequentando um curso de máquinas e ferramentas tendo em vista a sua reintegração na sociedade, quando cumprir a respectiva pena, facto que deveria ter sido levado em conta na sentença recorrida para determinar a medida da pena e não o foi.

10) Na determinação da medida da pena devia ainda ter-se ponderado as circunstâncias em que o crime foi cometido: o arguido revelou uma perturbação mental e psicológica, por força do seu estado exaltado na sequência da vítima lhe ter dirigido a expressão injuriosa de "paneleiro" e se encontrar embriagado com uma taxa de álcool de 1,98 g/l, facto que não foi levado em conta na sentença recorrida 11) A pena não superior a 14 anos é compatível com os fins de prevenção geral e especial, sendo certo que esta serve essencialmente o escopo da reintegração, tentando evitar a quebra de reinserção do arguido na sociedade.

12) A pena não superior a 14 anos de prisão será suficiente para se atingir os fins insertos nas normas incriminadoras e contribui para a plena socialização do recorrente.

13) A decisão recorrida violou, para além de outros, os artigos 71°, 72°, 131°, 132°, do Código Penal.

Pede a procedência do recurso, traduzida na convolação do crime de homicídio qualificado para homicídio simples e redução da pena para 14 anos de prisão.

Os assistentes CC (filho do arguido e da vítima) e DD, na qualidade de representante da menor BB (igualmente filha do arguido e da vítima) responderam, conforme fls. 1197 a 1207.

O Exmo. Procurador Geral - Adjunto no Tribunal da Relação do Porto apresentou a resposta de fls. 1210 a 1213, no essencial dizendo que os factos provados integram a prática de um crime de homicídio qualificado e não simples, por a conduta do arguido ser reveladora de especial censurabilidade e perversidade e especificando: "Parece inquestionável que o arguido demonstrou uma exacerbada intolerância, um egoísmo prepotente e mesquinho, uma insensibilidade moral e uma brutal malvadez, uma acção perfeitamente gratuita, no quadro dos parâmetros éticos e morais dominantes na comunidade em que vivemos, tendo sido uma conduta extremamente violenta e desconforme face a um "motivo" já gasto.

A sua conduta repugna ao pensamento e ao agir do homem-médio-padrão, revelando uma profunda insensibilidade e desprezo pela vida humana e pelos valores e princípios estabelecidos e defendidos".

No que respeita à pena aplicada considera-a justa, não se justificando a sua redução para 14 anos.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça, a fls. 1220, colocou visto.

No exame preliminar, afigurando-se-nos poder eventualmente vir a afastar-se a qualificativa da alínea i) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, integrando-se a conduta do recorrente em crime de homicídio qualificado atípico, p. p. pelo artigo 132º, nº 1, do mesmo Código, foi ordenada a notificação do recorrente para no prazo de 10 dias se pronunciar sobre a questão, nos termos do artigo 424º, nº 3, do CPP.

O recorrente pronunciou-se, a fls. 1227, no sentido de corroborar a posição constante da minuta de recurso, onde sustentara que a circunstância do acórdão recorrido ter mandado eliminar dos factos provados a expressão "frieza de ânimo" implicaria a desqualificação do homicídio, considerando que a eliminação da referida expressão exclui a possibilidade de se descortinar, pelo menos, com rigor o grau de perversidade e censurabilidade da sua conduta.

A não se entender assim e pressupondo o afastamento da qualificativa prevista na alínea i) do n.º 2 do artigo 132.º do C. Penal, deverá considerar-se a integração da conduta do arguido no crime de homicídio qualificado atípico, p. e p. pelo artigo 132.º, nº 1, do Código Penal e ter-se em conta a diminuição do grau de perversidade e de censurabilidade, para efeitos de mitigação da pena aplicada.

A decisão recorrida foi proferida em 26 de Setembro de 2007 tendo o recurso sido interposto em 22 de Outubro de 2007, já, pois, no domínio da nova redacção dada ao Código de Processo Penal pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, entrada em vigor em 15-09-2007, sendo que não foi requerida audiência.

Passou a dispor o n.º 5 do artigo 411º, do CPP: "No requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação que pretende ver debatidos".

Não tendo sido requerida audiência, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos do artigo 419º, n.º 3, alínea c), do CPP.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Como é jurisprudência pacífica e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que resume as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se define e delimita o objecto do recurso.

O recurso vem circunscrito à parte criminal do acórdão recorrido, limitação possível, face ao disposto no artigo 403.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do CPP, como de resto ocorrera com o interposto do Colectivo.

Questões a decidir Face ao teor das conclusões são as seguintes as questões a resolver: 1 - Enquadramento jurídico-criminal dos factos provados: estar-se-á perante um homicídio qualificado, com integração da alínea i) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal, como firmado no acórdão recorrido, ou um homicídio simples, como pretende o recorrente, ou um homicídio qualificado atípico? 2 - Atenuação especial da pena.

3 - Medida da pena.

Factos Provados Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, harmonioso e devidamente fundamentado.

Apenas se excluirá, na natural decorrência do decidido pelo Tribunal da Relação do Porto do ponto 18, na 5ª linha, entre as expressões "resolveu com" e "e para se certificar" a expressão "frieza de ânimo", mandada retirar pelo...

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