Acórdão nº 07P3312 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Março de 2008
Magistrado Responsável | ARMÉNIO SOTTOMAYOR |
Data da Resolução | 27 de Março de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
No Tribunal Judicial da comarca de Mirandela foram acusados AA e BB, a quem o Ministério Público imputa a prática, ao primeiro de um crime de violação das regras de construção agravado pela morte, p. e p, ao tempo dos factos, pelos artigos 263.°, nºs 1 e 2, e 267.°, do Código Penal, na sua redacção inicial e, actualmente, na redacção introduzida pela reforma de 1995, pelos artigos 277.°, n° 1, alínea a), e nº 2, e 285.° do Código Penal, e, à segunda, de um crime de homicídio negligente p. e p. pelo art. 137º nº 1 do Código Penal.
CC, DD, EE e FF constituíram-se assistentes nos autos e deduziram, cada um por si, pedidos de indemnização.
Procedeu-se a julgamento pelo tribunal colectivo do 1º Juízo da referido Tribunal Judicial, sendo o arguido AA condenado, como autor material de um crime de violação das regras de construção agravada pela morte, previsto pelos arts. 263° nº1 e 2 e 267º do Código Penal de 1982, por concretamente mais favorável nos termos do art. 2° nº4 do Código Penal, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão e de 120 dias de multa, à taxa diária de € 20,00 pena de prisão que foi declarada suspensa na sua execução por 3 anos, enquanto que a pena de multa foi perdoada nos termos do disposto no art. 8°/1-b) da Lei 15/94 de 11/5.
Por seu turno, a arguida BB foi condenada por homicídio negligente por omissão, p. e p. pelos arts. 137° nº1 e 10° nºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 14 meses de prisão, suspensa por 18 meses.
Foram julgados parcialmente procedentes os pedidos de indemnização formulados contra os arguidos AA e BB s e, em consequência, foram solidariamente condenados a pagarem a CC a quantia global de € 87.750,00, a FF a quantia global de € 28.750,00, a DD a quantia global de € 25.750,00 e a EE a quantia global de € 28.750,00, todas acrescidas de juros de mora à taxa de 4% desde a notificação do pedido e até integral e efectivo pagamento.
Decidiu ainda o tribunal colectivo, ao abrigo do art. 82° nº3 do Código de Processo Penal, remeter as partes para os tribunais civis e administrativos no que concerne aos pedidos de indemnização na parte em que foram deduzidos contra GG e HH e Câmara Municipal de Mirandela, respectivamente, e, em consequência, não conheceu dos pedidos nessa parte.
Inconformado, o arguido AA recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça, tendo extraído da usa motivação as conclusões que se transcrevem: I - Conforme foi decidido pelo próprio Tribunal a quo, o ilícito efectiva e concretamente cometido pelo ora recorrente foi, afinal, um crime doloso quanto à conduta infraccional de regras de construção, mas meramente negligente quanto à criação do perigo, sendo como tal subsumível, apenas e só, ao tipo legal de crime p. e p. no nº 2 do cit. art. 263.° do CPen.l82 e, agora, no nº 2 do art. 277.° do CPen.l95, mas agravado pela morte, nos termos estabelecidos nos arts. 267.° e 285.° de uma versão e outra do Cód. Penal, respectivamente; II - Como bem se refere no acórdão recorrido, no cotejo dos dois regimes, dúvidas não restam de que o concretamente mais favorável ao aqui recorrente é o da versão originária do Cód. Penal (CPen.l82), devendo ser esse, portanto, o aplicável, conforme resulta do disposto nos arts. 29º, nº 4, da CRP e 2.°, nº 4 do CPen.; III - À luz do regime vigente à data da respectiva prática, ao crime em apreço correspondia uma pena abstracta cujo limite máximo era de 4 anos e meio de prisão e de 180 dias de multa, resultante da agravação em metade, quer do limite máximo de 3 anos de prisão, quer do de 120 dias de multa estabelecidos no nº 2 do art. 263.° do CPen.l82 (cfr., também, art. 267.° dessa versão do Cód. Penal); IV - É, pois, indubitável que se encontra há muito extinto, por virtude da prescrição, o procedimento criminal instaurado contra o aqui recorrente! V - Com efeito, e como se demonstrou ao longo da presente motivação, entre a data da morte do desditoso II (10/DEZ/1998) e a data em que o ora recorrente foi notificado do despacho de pronúncia contra ele proferido (31/MAI/2004), foi ultrapassado em cinco meses e meio o prazo prescricional de 5 anos legalmente estabelecido no cit. art. 117.°, nº 1 - aI. c) do CPen./82, sem que entretanto tenha ocorrido qualquer evento susceptível de suspender e/ou interromper a contagem desse prazo; VI - In casu, só a notificação do despacho de pronúncia ao recorrente e, depois, também do despacho que designou dia para julgamento é que teriam essa eficácia suspensiva e/ou interruptiva da prescrição, caso tivessem ocorrido no prazo de 5 anos subsequente à morte do infeliz II - coisa que não sucedeu; VII - Outro tanto já não sucede com a "notificação [do recorrente] para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução preparatória", prevista na aI. a) do nº 1 art. 120.° do CPen./82, porquanto não é possível fazer-se uma interpretação actualistica, no fito de equiparar a fase da instrução preparatória do antigo CPPen.l1929 à fase do inquérito estabelecida no novo CPPen.l1987, já que não existe qualquer correspondência entre uma e outra; VIII - De resto, ainda que se entendesse ser possível a dita interpretação actualístíca, a verdade é que, mesmo nessa hipótese, sempre seria inconstitucional o art. 120.°, nº1 - aI. a), do CPen/82, interpretado no sentido de que a interrupção do prazo prescricional se verifica a partir da notificação para as primeiras declarações do arguido na fase do inquérito - inconstitucionalidade essa que aqui expressamente se invoca para todos os legais efeitos; IX - Assim, deveria ter-se declarado extinto, por prescrição, o procedimento criminal instaurado contra o aqui recorrente e, mercê disso, uma vez que a pretensão indemnizatória dos demandantes civis deixou de ter qualquer suporte de natureza criminal, mais deveria o Tribunal a quo ter rejeitado ou, pelo menos, ter-se abstido de conhecer os pedidos cíveis deduzidos contra o recorrente, remetendo aqueles para os meios civis, em conformidade com o disposto no art. 82º, n.º 3 do CPPen.; X - Decidindo de modo diverso, o Tribunal a quo infringiu, entre outros, os arts. 29.°, nº 4 da CRP e 2.°, nº 4 do CPen. (quer na versão originária, quer na posterior à Reforma de 1995), bem como os arts. 117.°, nºs 1 - al. c) e 3, 118.°, nºs 1 e 4, 263.°, nº 2, e 267.°, todos do CPen'/82, e ainda o art. 82º, nº 3 do CPPen.
Os assistentes apresentaram a adequada resposta, que sintetizaram nas seguintes conclusões: 1 - O procedimento criminal contra o arguido AA não prescreveu, conforme pretende o arguido.
2- E isto porque o início da contagem do prazo de prescrição se iniciou em 10/12/1998, e se interrompeu em 14/01/2000, data em que o Recorrente foi ouvido para as primeiras declarações perante o Sr. Procurador Adjunto do Ministério Público, nesta comarca de Mirandela e constituído arguido neste processo.
3 - Uma vez que a prestação de declarações, na qualidade de arguido, perante órgão de polícia criminal, ordenada pelo Ministério Público, ou perante o próprio Ministério Público, equivale, nos termos do artigo 120°, nº 1, alínea a), do Código Penal (versão de 1982), à prestação de declarações "em audiência preparatória", perante órgão jurisdicional de acordo com o regime do Código de Processo Penal de 1929, revogado pelo Código Penal de 1987, que veio substituir a audiência preparatória pela fase de inquérito preliminar, conduzida pelo Ministério Público para efeitos de interrupção da prescrição do procedimento criminal, conforme jurisprudência deste Supremo Tribunal, nomeadamente, nos acórdãos de 18/11/1992 (publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XVII, 1992, Tomo V) e de 6/04/1994 (publicado na Colectânea de Jurisprudência Acórdãos do STJ, ano II, 1994, tomo II, páginas 185 a 187).
4 - Sendo que tal interpretação está conforme e não contraria o artigo 29°, nºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
5 - Por outro lado, também nos parece que bem andou o douto Tribunal a quo, quando conheceu dos pedidos de indemnização civil formulados.
6 - Porque mesmo que fosse declarado extinto o procedimento criminal por prescrição na sentença final (e por maioria de razão, se for declarada no presente recurso, naturalmente, após a sentença proferida no douto tribunal a quo, ou seja depois de realizado o julgamento, está o tribunal obrigado a conhecer do pedido de indemnização civil que foi tempestivamente deduzido contra o arguido. (Processo 8863/2006.3 do TRL) 7 - Sendo que no caso em apreço foram tempestivamente deduzidos os pedidos de indemnização civil apresentados contra os arguidos.
8 - Nenhuma razão subsistindo para a sua não apreciação, no âmbito deste processo.
9 - Pelo que, nenhuma das razões aduzidas pelo Recorrente, merecem, a nosso ver vencimento.
10 - No caso de assim não vir a ser considerado e declarar-se procedente a invocação da prescrição do procedimento criminal invocada, sempre deverá ser considerado que o douto Tribunal a quo deveria pronunciar-se sobre o mérito dos pedidos de indemnização deduzidos contra os arguidos pelos assistentes, uma vez que foram tempestivamente apresentados e manter-se a decisão proferida.
Por seu turno, o Ministério Público, na sua resposta, considerou assistir razão ao arguido/recorrente quando entende estar extinto, por prescrição, o procedimento criminal contra si instaurado, mas já não lhe assistir razão quando defende que, em consequência da verificação da prescrição do procedimento criminal, o tribunal não devia ter conhecido dos pedidos de indemnização civil contra si formulados, invocando em apoio da sua posição o decidido no Acórdão para Fixação de Jurisprudência n° 3/2002, (D.R. I-série A, de 05/03/2002), segundo o qual "Extinto o procedimento criminal, por prescrição, depois de proferido o despacho a que se refere o artigo 311 ° do Código de Processo Penal mas antes de realizado o julgamento, o processo em que tiver sido deduzido pedido de indemnização civil prossegue para...
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