Acórdão nº 07S2715 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Março de 2008
Magistrado Responsável | MÁRIO PEREIRA |
Data da Resolução | 26 de Março de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - O autor AA pede, com a presente acção com processo comum, contra o réu BB que se declare a ilicitude do seu despedimento e, consequentemente, que se condene o Réu a pagar-lhe todas as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, a indemnização pela antiguidade que actualmente ascende ao montante de 27.216,00 € e uma indemnização a título de danos não patrimoniais no montante de 25.000,00 €, tudo acrescido dos juros legais a contar da citação e até integral pagamento.
Alegou, para tal, em síntese: Foi despedido pelo R., por carta datada de 10/03/05, quando este lhe comunicou que deveria considerar cessado o seu contrato de trabalho com fundamento no abandono do trabalho.
Considerou-se assim despedido pelo R com efeitos no dia 15/3/05, pois por carta datada de 26/05/04 informou o R. que ia gozar licença especial para assistência a filho a partir de 26/6/04 pelo período de seis meses, situação que, em Junho de 2004, estava regulada pelo DL n.º 230/00, de 23/09.
Por isso e conforme previa tal diploma, findo o período inicial da licença, na falta de qualquer comunicação, a mesma prorrogar-se-ia por igual período.
Assim e ao abrigo de tal legislação, o A entendeu, em Dezembro de 2004, que, se nada comunicasse ao Réu, a sua licença se prorrogava automaticamente por igual período de seis meses, tendo procedido de harmonia com este entendimento.
No entanto, e apesar disso, por carta datada de 10/03/05, o R comunicou-lhe que deveria considerar cessado o seu contrato de trabalho com fundamento no abandono do trabalho.
Ora, como comunicou ao R por carta de 22/3/05, nunca quis rescindir o contrato, pois considerava que se mantinha em situação de licença, tendo assim intenção de retomar o trabalho no seu final.
Considera-se, assim, vítima dum despedimento que, sendo ilícito, lhe confere direito aos montantes por si reclamados.
O R. contestou, alegando, em síntese, que o termo da licença especial concedida ao A. terminou no dia 25 de Dezembro de 2004, pelo que, no dia 27 de Dezembro de 2004 e face ao silêncio demonstrado, o A. teria de se apresentar no seu local de trabalho para retomar as suas funções, já que nessa altura estava em vigor o Regulamento ao Código do Trabalho que revogou o DL n.º 230/00 de 23/09.
No novo regime legal desapareceu a presunção de que a falta de comunicação implicava a prorrogação da licença por igual período.
Por isso, se o autor pretendia prorrogar a sua licença deveria ter procedido com as formalidades inerentes à nova legislação.
Não o tendo feito, deveria ter-se apresentado no seu local de trabalho para desempenhar as suas funções no dia 27/12/04, o que não fez.
E assim, tendo estado ausente do serviço durante mais de 10 dias úteis seguidos e sem que tivesse efectuado qualquer tipo de justificação para a sua ausência ou contactado sequer a empresa, verificam-se os pressupostos do abandono, o que legitima a cessação do contrato do A O A respondeu à contestação, concluindo pela improcedência desta.
Saneada, instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, declarou a ilicitude do despedimento do A. e condenou o R. a pagar-lhe a quantia global de 33.156,63 €, respeitantes à indemnização devida pelo despedimento ilícito no valor de 18.427,50 €, às retribuições deixadas de auferir desde 30 dias antes da interposição da acção a até à decisão recorrida, no montante de 9.729,13 €, e à indemnização por dano não patrimonial no montante de 5.000,00 €, tudo acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação e até integral pagamento.
A Relação de Évora concedeu parcial provimento à apelação do R., mantendo a sentença, excepto na parte que o condenou no pagamento da indemnização de 5.000,00 €, por danos não patrimoniais, tendo-o absolvido do respectivo pedido.
II - Do acórdão da Relação, interpuseram revista ambas as partes, sendo a do A. subordinada.
Na sua revista, o réu apresentou as seguintes conclusões: A. Não tendo o Recorrido comparecido ao seu local de trabalho no dia 27 de Dezembro de 2004 e não tendo comunicado ao Recorrente a razão da ausência, verificou-se o abandono do trabalho, decorridos que foram os 10 dias úteis seguidos.
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A Recorrente comunicou ao Recorrido, por carta registada com A/R expedida em 15 de Março de 2005, que mercê do abandono sem que houvesse entregue ou facultado qualquer justificação para a ausência, considerava o contrato denunciado, atento o regime legal em vigor.
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O n.º 1 do artigo 350.° do Código Civil, estabelece que quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.
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Havendo presunção legal invertem-se as regras do ónus da prova estabelecidas nos artigos 342.° e 344.° do Código Civil, ficando a entidade patronal dispensada de provar o abandono do trabalho, competindo ao trabalhador ilidi-la "mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência", tal como prescreve o n.º 3 do artigo 450.° C.T.
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Não basta que o trabalhador prove os factos determinantes da sua ausência para que se possa considerar ilidida a presunção legal, mas sim que alegue e prove que, no caso normal, ocorreu um motivo de força maior impeditivo da comunicação da sua ausência por mais de 10 dias úteis seguidos.
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O argumento utilizado pelo Recorrido alegando desconhecimento da nova lei em vigor não elide a presunção legal, nem tão-pouco preenche o conceito de força maior do citado artigo.
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A ignorância ou desconhecimento da lei não justificam a falta do seu cumprimento e nem isenta das sanções ou consequências nela estabelecidas (artigo 6.° do Código Civil).
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A alteração legislativa verificada, porque pública, notória, transparente e com uma "vacatio legis" de 30 dias, foi do conhecimento da generalidade das pessoas, não podendo ser ignorada, de modo algum, a manifesta falta de cuidado, diligência e empenho por banda do Recorrido.
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Tornava-se necessário que o Recorrido alegasse e provasse que um homem medianamente prudente, avisado e cuidadoso, cometeria o mesmo tipo de incúria, o que manifestamente não se admite por razões de absoluta razoabilidade.
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O Recorrente não era obrigado a instaurar um processo disciplinar ao Recorrido, na medida em que "in casu" se encontram reunidos os pressupostos necessários para a invocação da figura do abandono do trabalho.
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Foram violados com a decisão recorrida os artigos 450.° do Código do Trabalho, 67.° do Regulamento do Código do Trabalho e 6.°, 342.° n.º 1, 350.°, todos do Código Civil.
Pede a revogação do acórdão recorrido na parte em que o condenou no pagamento global de € 28.156,63 (vinte e oito mil e cinquenta e seis euros e sessenta e três cêntimos), substituindo-a por decisão que o absolva do pedido.
Por seu turno, o autor apresentou as seguintes conclusões, na sua revista subordinada: 1 - Ao contrário do decidido pela primeira instância, no Acórdão da Relação julgou-se pela não concessão da indemnização ao A. pelos danos não patrimoniais sofridos, em consequência do despedimento ilícito de que foi vítima.
Sucede que 2 - Em caso de despedimento ilícito, o trabalhador tem direito a ser indemnizado de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos e, cumulativamente, à reintegração.
3 - Em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar pela indemnização a fixar pelo tribunal.
4 - Essa indemnização constitui um direito autónomo e distinto da indemnização por danos morais.
Consequentemente, 5 - A opção do trabalhador pela indemnização de antiguidade não pode afectar, restringir ou extinguir o direito a ser indemnizado pelos danos não patrimoniais sofridos.
6 - O tribunal recorrido julgou incorrectamente ao desprezar os danos , morais decorrentes da perda de um emprego estável (com mais de 14 anos) e da privação da realização profissional.
7 - Não se podem reduzir os sentimentos provados de angústia, tristeza e revolta a simples incómodos ou contrariedades.
8 - Os factos provados reflectem danos...
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