Acórdão nº 07S050 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução26 de Março de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça.

I - A autora AA pede, com a presente acção sob a forma comum, contra a ré BB - Química, Lda., que: - seja declarada a ilicitude do seu despedimento, condenando-se a Ré a reintegrá-la no seu posto de trabalho com a categoria, antiguidade e retribuições, excepto se, em alternativa à reintegração, vier a optar, oportunamente, pela indemnização de antiguidade; - seja a Ré condenada a pagar-lhe a quantia de € 35.000,00 a título de danos não patrimoniais decorrentes do despedimento; - seja a Ré condenada a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas desde o mês anterior ao da propositura da acção e até ao seu trânsito em julgado; - seja a Ré condenada a pagar-lhe os incentivos e bónus em vigor na empresa; -seja a Ré condenada no pagamento dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Alegou, para o efeito, e em síntese, que foi admitida ao serviço da Ré em Junho de 1996, desempenhando as funções de delegada de informação médica, e que em 08 de Junho de 2004 foi despedida; porém, tal despedimento é ilícito não só porque o processo disciplinar é nulo, como ainda porque inexiste justa causa para o despedimento.

Acrescenta que a situação que a Ré lhe criou com o despedimento ilícito, lhe causou perturbação e angústia, que justificam o ressarcimento por danos não patrimoniais.

A Ré contestou, alegando que o processo disciplinar é válido, porquanto a Autora nele teve oportunidade de se defender, e que tendo faltado 6 dias ao trabalho sem que justificasse as faltas, verificaram-se os requisitos para o despedimento com justa causa, como efectivamente veio a suceder.

Pugna, por isso, pela improcedência da acção.

Procedeu-se a julgamento, no decurso do qual a Autora veio a optar pela indemnização de antiguidade, em detrimento da reintegração, após o que foi proferida sentença que, depois de rectificada, é do seguinte teor: "a) Declaro ilícito o despedimento da A.; b) condeno a R. BB - Química, Lda a pagar à A. as quantias de € 39.390,50 de retribuições vencidas, bem como as que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão; c) € 25.000 de danos não patrimoniais; d) € 24.600 de indemnização em substituição da reintegração.

Sobre cada uma das quantias aludidas em b) e d) acrescem juros de mora à taxa legal de 4% desde que se forem vencendo, e desde a data da propositura da acção, no caso da aludida em c), até integral pagamento".

Inconformada com a decisão, a Ré dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de fls. 392 a 401, julgou parcialmente procedente o recurso e alterou "a decisão recorrida quanto ao montante da indemnização a título de danos não patrimoniais, que se fixa em € 10.000,00, confirmando-se quanto ao mais decidido".

II - Novamente inconformada, a Ré veio recorrer de revista, tendo na alegação apresentada - que, corresponde, grosso modo à que havia apresentado na apelação -, formulado as seguintes conclusões: 1.ª Na óptica da Recorrente, a aplicação da nova obrigação inserida no nº. 3 do art. 228° do Código do Trabalho ao caso sub judice é plenamente justificada.

  1. Considerando, designadamente, que o legislador não produz normas desnecessárias, o disposto no n°. 3 do artigo 228° do Código do Trabalho destina-se exactamente a este tipo de situações: as faltas justificadas reiteradas têm sempre que ser comunicadas, tenham uma duração inferior ou superior a 30 dias (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus): "A comunicação tem de ser reiterada para as faltas justificadas imediatamente subsequentes às previstas nas comunicações indicadas nos números anteriores." 3.ª As entidades empregadoras têm o direito de saber a todo o tempo o que é que se passa com os seus trabalhadores.

  2. Deste modo, a Recorrida tinha a obrigação de, mesmo após os primeiros 30 dias de baixa continuar a comunicar as suas faltas, o que não fez.

  3. A título subsidiário, entende a Recorrente que a obrigação de comunicar a ausência para além de trinta dias constitui uma obrigação acessória imposta ao trabalhador por força do principio da boa fé, na esteira do que se defendeu na declaração de voto constante do Acórdão recorrido e que também sustenta o Dr. Albino Mendes Baptista.

  4. A impossibilidade de subsistência da relação laboral está implícita na natureza da infracção cometida - seis dias consecutivos de faltas injustificadas - e o preenchimento da cláusula geral do n°. 1 do art. 396° do Código do Trabalho está assegurado à partida. O desinteresse e a despreocupação patenteados pelos trabalhadores nestes casos demonstram só por si e objectivamente a impossibilidade de subsistir a relação de trabalho.

  5. Para além disso, importa ter em atenção que, em concreto, a Recorrida nem sequer cuidava de entregar ou fazer entregar os boletins de baixa em mão ou por correio registado, fazendo-o sempre pelo método mais simples e falível de todos (o "correio normal"), que tinha obtido o boletim de baixa relativamente ao período em causa e que nunca cuidou de o enviar para a Recorrente (desta vez nem sequer por correio normal ... ), tudo o que bem revela a sua negligência.

  6. No que respeita à Recorrente, dúvidas não podem existir que, nos termos supra expostos e objectivamente (pois sucederia em qualquer organização produtiva com mais de um trabalhador), a necessidade de disciplina na empresa foi afectada pelas faltas da Recorrida. Faltas injustificadas essas, aliás, que, para além de tudo o que ficou dito, se traduziam em quebras de lealdade e desobediência à Recorrente.

  7. Em qualquer caso de indemnização em substituição de integração está sempre subjacente a prática de condutas menos correctas e de um despedimento ilícito por parte da entidade patronal. Assim, não pode aceitar-se que, por ter sido praticado um acto censurável (o que se alega sem conceder) seria de aplicar a "pena máxima", É que mesmo o factor "15 dias" é resultado da prática de actos ilícitos por parte do empregador ...

  8. Era a Recorrida e não a Recorrente quem "com um simples telefonema" podia resolver a situação (ou seja, competia à Recorrida comunicar e justificar as suas faltas e não à Recorrente implorar à Recorrida que o fizesse) e foi a Recorrida quem revelou pouca consideração pela sua entidade patronal e não o contrário.

  9. No caso concreto em apreço, o tribunal só considerou o grau de ilicitude do despedimento, não tendo em atenção o valor da retribuição da Recorrida nem o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial. Assim, desde logo e à partida, deverá concluir-se que a decisão recorrida neste particular não obedeceu aos ditames da lei.

  10. No contexto fáctico desta acção, é manifestamente exagerado aplicar à Recorrente a pena máxima - 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade.

  11. A proporcionalidade que se verifica em relação à aplicação das sanções aos trabalhadores também deverá existir em relação às sanções aplicadas às entidades patronais.

  12. Foi instaurado um processo disciplinar, o mesmo foi conduzido, com toda a honestidade, da forma prevista na lei e existe vasta Jurisprudência e Doutrina que reconhece como lícito o comportamento da Recorrente ou, dito de outra forma, que se o Prof. Menezes Cordeiro fosse juiz, certamente absolveria a Recorrente.

  13. A "penalização" mais grave deve ser aplicada aos casos mais graves e o comportamento da Recorrente está longe de poder ser qualificado como sendo grave. A Recorrente estava (e está) plena e honestamente convencida da legalidade da sua conduta e sempre agiu com toda a lisura perante a Recorrida.

  14. Considerando que a Recorrida auferia uma retribuição de € 2.050, o que não pode ser considerada uma "retribuição base diminuta", e que o grau de ilicitude do despedimento é extremamente reduzido (na óptica da Recorrente, sustentada numa corrente jurisprudencial e doutrinária, é até inexistente), entende esta que a indemnização a arbitrar não pode ser superior a 15 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade.

  15. Ficou por apurar se e em que medida o despedimento da Recorrida contribuiu para o agravamento do estado de saúde daquela, pois há muito que estava doente e com graves problemas familiares. Nenhum dos factos provados a este último respeito parece ter sido tomado em conta no Acórdão objecto deste recurso.

  16. Todo o quadro clínico que resultou provado já existia antes do despedimento, razão pela qual à Recorrente não deve ser imposto que pague uma compensação para ressarcimento dos pretensos danos morais que a Recorrida alegou ter sofrido.

  17. Deste modo, considera a Recorrida que, dadas as particularidades do presente caso, não se justifica a condenação no pagamento de qualquer indemnização por danos não patrimoniais, ou, ainda que assim se não entenda, a mesma deverá ser de valor substancialmente inferior a € 10.000.

  18. Salvo o muito devido respeito e a melhor opinião de Vossas Excelências, considera a Recorrente que no Acórdão recorrido o Juiz interpretou e aplicou de forma menos correcta o disposto nos arts. 228°, n°. 3, 396°, 429°, 436°, n.º. 2, 438° e 439° do Código do Trabalho e nos art.s 483.º e segts., 496.º, e 562.º e segts, em especial 566.º, n.º 3, do Código Civil, que deveriam ter sido interpretados e aplicados da forma defendida nestas alegações.

Entretanto, a recorrente veio juntar aos autos um parecer jurídico, que se encontra a fls. 450 a 465, no sentido de que, num contrato de trabalho suspenso, por impossibilidade temporária não imputável ao trabalhador (doença), para que a suspensão subsista o trabalhador deve comunicar e demonstrar que o facto impeditivo da prestação que conduziu à suspensão se mantém.

A recorrida apresentou contra-alegações nas quais pugna pela improcedência do recurso.

No seu parecer, não objecto de resposta das partes, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de a revista ser parcialmente concedida, quanto à...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
5 temas prácticos
5 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT