Acórdão nº 08P128 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução05 de Março de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO Na 3ª Vara Criminal de Lisboa foi proferida decisão condenando o arguido AA, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, d) do Código Penal (CP), na pena de 18 anos de prisão, e, pela prática de um crime de condução ilegal, p. e p. pelo art. 3º, nº 2 do DL nº 2/98, de 3-1, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 3,00 €, e ainda na pena acessória de expulsão do território nacional por 10 anos, nos termos do art. 101º, nº 1 do DL nº 244/98, com as alterações constantes do DL nº 4/2001, de 10-1; foi igualmente condenado o arguido Felipe dos Santos Silveira, pela prática de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231º, nº 1 do CP, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 3,00 €.

Desta decisão recorreu o arguido AA para a Relação de Lisboa, que concedeu provimento parcial ao recurso, modificando a matéria de facto provada e não provada, nos termos adiante indicados, e também a qualificação dos factos, que integrou no crime de homicídio simples do art. 131º do CP, e ainda a medida da pena relativa a esse crime, que fixou em 14 anos de prisão, mantendo no mais a decisão recorrida.

Novamente inconformado, recorre o mesmo arguido para este Supremo Tribunal de Justiça (STJ), concluindo assim a sua motivação: 1. O recorrente foi condenado pela prática de um crime de homicídio simples, na pena de 14 anos de prisão e pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de 120 dias de multa à taxa diária de três euros o que perfaz o montante de € 360,00 com correspondentes 80 dias de prisão subsidiária, bem como na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 anos.

  1. Ocorre que o douto acórdão recorrido manteve e incidiu no mesmo vício consubstanciado pelo artigo 410.°, n° 2, al. a), do CPP perpetrado pela anterior instância, ou seja, a insuficiência da matéria facto dada como provada.

  2. Isto porque, diante do ponto 57° dado como facto provado deveria o Tribunal da condenação originária, oficiosamente, nos termos do artigo 340°, n° l, do CPP, ordenar a realização de perícia sobre personalidade do arguido, a fim de verificar a eventual ocorrência de uma imputabilidade diminuída.

  3. Uma vez que, quando da prática dos factos, o relatório social constante dos autos, afirmou que o arguido-recorrente possui falhas na personalidade que levariam a prática de actos impulsivos e irreflectidos, actos estes incompatíveis com a personalidade do chamado "homem médio".

  4. Não o tendo feito, o colectivo absteve-se de realizar diligência essencial à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, omissão que deverá ser, salvo o devido respeito, catalogada de insuficiente para a decisão da matéria de facto dada como provada no ponto 30º, ou seja, hipótese do vício do artigo 410.°, n° 2, al. a), do CPP, na vertente do vício relativo à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

  5. Por sua vez, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, ao decidir esta questão prévia aflorada pelo recurso, não acolheu o mesmo, neste parte, julgando-o improcedente ao decidir que: "Ou seja, a avaliação de uma diminuição da capacidade de discernimento para efeito da correcta determinação do grau de imputabilidade resultaria ou não necessária em função das dúvidas que ao tribunal se tivessem colocado sobre aquela personalidade, sendo certo que do contexto da decisão e pela forma como se desenvolve e assenta na prova alcançada elas não existiriam. E, consequentemente, a determinação de avaliação pericial ao abrigo do art.° 340 do CPP não seria necessária." 7. Ocorre que a valoração de uma eventual diminuição da capacidade de discernimento para o efeito da correcta determinação do grau de imputabilidade não poderá e não deverá ocorrer, somente, na hipótese do tribunal ter dúvidas sobre aquela mesma personalidade.

  6. Uma vez que o rigor científico em tão delicada matéria deverá sempre ser atingido e verificado, como produção de prova mesmo em carácter oficioso, sempre objectivando a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.

  7. Salvo o devido respeito, sendo defeso ao Venerando Tribunal ad quo deixar de ordenar o reenvio do processo para a realização de perícia sobre a personalidade do arguido baseando-se numa "ausência de dúvidas" que seria fruto de mesma matéria de facto incompleta.

  8. Pelo que, não tendo sido ordenada a realização de perícia sobre a personalidade do arguido-recorrente, para o efectivo apuramento de eventual imputabilidade diminuída, o douto acórdão ora recorrido absteve-se de realizar diligência essencial, o que, salvo o devido respeito, implica em insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, restando violados os artigos 410.°, n° 2, al. a), 426.° e 426.°-A, todos do CPP.

  9. Pelo que deverá ser dado provimento ao presente recurso para que, uma vez reconhecido e declarado o vício consubstanciado pelo artigo 410.°, n° 2, al. a), do CPP, ou seja, na vertente da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, seja ordenado, ao abrigo do disposto pelos artigos 426.° e 426.°-A, ambos do CPP, o reenvio do processo para novo julgamento, parcial, restrito à realização de perícia sobre a personalidade do arguido-recorrente, a fim de se apurar a eventual ocorrência de imputabilidade diminuída.

  10. Caso assim não se entenda, o douto acórdão recorrido violou o disposto pelo artigo 71.°, n° l, do CP, ao fixar a pena de 14 anos de prisão pelo crime de homicídio simples a qual resulta, salvo o devido respeito, desproporcional 13. A culpa do arguido não poderá ser apontada para um limite elevado dentro da moldura penal, ou seja, quase no seu máximo.

  11. Com efeito, se o Douto acórdão recorrido decidiu não ordenar o reenvio do processo para a realização de perícia sobre a personalidade do arguido, mutatis mutandis deveria então ter considerado a sua falha de personalidade, comparada com o homem médio, seria suficiente para lhe qualificar como uma atenuante de carácter geral.

  12. Assim, em carácter subsidiário, deverá ser dado provimento ao presente recurso para que, revogado o douto acórdão recorrido, em parte, seja o recorrente condenado pelo crime de homicídio simples numa pena de prisão mais próxima do seu ponto médio ou inferior a 14 anos.

  13. Por derradeiro, o douto acórdão ora recorrido manteve a pena acessória de expulsão do território nacional, pelo período de 10 anos, fundamentando em síntese que: «...as referências de integração em Portugal encontram-se seriamente abaladas por esse facto, sendo previsível um forte abalo da aceitação social e integração comunitária do arguido perante o crime cometido, sendo certo também a que a sua ligação profissional e familiar ao país é bastante débil e precária em todos os aspectos fundamentais».

  14. Restando provado pelos factos dos pontos 51°. 52° e 56° que o recorrente estava empregado à época dos factos, possui companheira e mãe que lhe dão apoio em território nacional, o douto acórdão recorrido violou o disposto pelo artigo 40.°, nº 1, do CP, ao lhe aplicar a pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 anos, bem como o artigo 101.°, n° l, do DL 244/98, de 8/8, na sua actual redacção.

  15. Isto porque a convivência com a família, após a execução de sua pena de prisão, é de vital importância para sua futura reintegração social, proporcionando um novo início e percurso de vida uma vez que se trata de pessoa jovem.

  16. Assim, deverá, igualmente, ser dado provimento ao presente recurso, em carácter cumulativo, para não seja ordenada a expulsão do arguido do território nacional.

    O Ministério Público (MP) respondeu, sustentando a manutenção do acórdão recorrido, embora admitindo a redução da pena do homicídio para 12-13 anos de prisão.

    Neste STJ, a sra. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se sobre o mérito do recurso, nos seguintes termos: II.- Posto isto, e passando a emitir o correspondente parecer, dir-se-á que, tal como entendido pelo representante do Ministério Público na 2ª instância, afigura-se falecer manifestamente razão ao recorrente no que concerne às questões atinentes ao invocado vício da decisão sob matéria de facto [o mencionado na alínea a) do n.º 2 do art.º 410º do C.P.P.] e à pena acessória da expulsão do território nacional, sendo que relativamente à medida judicial da pena privativa da liberdade poderá já assim não suceder, concede-se. Assim, II.1- Quanto à primeira questão que, suscitada pelo recorrente, diz respeito ao invocado vício da decisão sobre matéria de facto: 1.1- Retomando esta questão, que já havia submetido à apreciação do Tribunal da Relação aquando do recurso para o mesmo interposto, insiste o recorrente na mesma temática sem cuidar de atentar que sobre ela já se pronunciou crítica, pondera e suficiente o tribunal recorrido (cfr. 754 a 757), esclarecendo os motivos pelos quais assim não sucede.

    Efectivamente, e como bem concluiu a Relação, a pretendida realização de perícia sobre a personalidade do arguido para avaliação de uma diminuição da capacidade de...

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