Acórdão nº 08B158 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra P.... - M..... P.... E P.... Q...., LDA e BB, pedindo a sua condenação a: a) repararem os danos causados na nave 2, repondo-a no estado em que estava antes de 19/6/2003 ou, em alternativa, a custearem a sua reparação pelo autor, pelo montante que se vier a apurar nos autos; b) indemnizarem o autor pelas rendas relativas às 3 naves, perdidas até ao presente e, quanto à nave 2, ainda as que se vencerem até terem procedido à reparação ou à entrega do capital necessário à mesma; c) pagarem ao autor o montante de € 48.281,01 já gastos pelo mesmo, bem como juros até efectivo pagamento; d) indemnizarem o autor pelos demais danos que se vierem a apurar e cuja liquidação se relega para liquidação de sentença.

Alegando, para tanto, e em suma: O autor adquiriu ao réu BB um armazém, composto por três naves contíguas, que era usado pela Ré P......, para armazenagem de produtos químicos inflamáveis, aí coexistindo produtos químicos sólidos com bidões de químicos em estado líquido. Por acordo também celebrado, a ré continuou a usar a nave central, a partir de 1/11/2002, mediante a contrapartida mensal de € 2.494, tendo, nesse acordo, o réu BB, seu sócio-gerente, assumido a condição de fiador e principal pagador em caso de incumprimento.

No dia 19/6/2003, em consequência de uma explosão ocorrida na nave 2, deflagrou um incêndio, que produziu danos melhor discriminados na p. i..

Em consequência de tais estragos, deixou o A. de receber rendas referentes às três naves, no montante de € 54.934, até à propositura da acção, tendo suportado despesas no montante de € 48.281,01 com a reparação das naves 1 e 3, tendo ainda que suportar mais despesas com a reparação da nave 2.

A ré não procedeu à reparação dos estragos e denunciou o contrato, deixando de pagar as rendas que se venceram após o aludido dia 19/6/2003.

Citados os réus, negam que o incêndio tenha tido origem em qualquer explosão relacionada com os produtos químicos que no locado armazenavam, não tendo o sinistro sido imputável a qualquer deles, a qualquer título.

Deduzem pedido reconvencional, no qual, pela perda da coisa locada, pedem que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre A. e Ré.

Replicou o A., contestando o pedido reconvencional e respondendo às excepções deduzidas pelos réus, agindo estes, diz ainda, com manifesto abuso de direito.

Elaborado o despacho saneador, fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória, realizou-se o julgamento, tendo a senhora Juíza decidido a matéria de facto controvertida pela forma que do seu despacho junto aos autos consta.

Foi proferida a sentença, tendo a acção sido julgada improcedente e a reconvenção procedente, com a condenação do autor a reconhecer a caducidade do contrato de arrendamento que com a ré havia celebrado.

Inconformado, veio o autor interpor recurso de apelação, no qual foi revogada a sentença de 1ª instância, condenando-se os réus a: a) repararem os danos causados na nave 2, repondo-a no estado em que estava antes de 19/6/2003 ou, em alternativa, a custearem a sua reparação pelo autor, pela quantia que se vier a liquidar em incidente próprio; b) pagarem ao autor uma indemnização, a título de danos patrimoniais já quantificados, no montante de € 58.344,24, acrescido de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; c) pagarem ao autor uma indemnização, a título de danos patrimoniais, correspondentes ao valor locativo da nave 2 (€ 2.494 mensais), desde Agosto de 2003 e até á reparação dos danos causados na nave 2 ou do pagamento do preço dessa reparação, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Mantendo, quanto ao mais, o decidido na 1ª instância.

Agora irresignados, vêm os réus pedir revista, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - O acórdão do Tribunal da Relação de que se recorre errou na apreciação das provas e nos factos materiais da causa que advieram do Tribunal de 1ª Instância, ofendendo disposições expressas da lei quanto a direito probatório, assim como fez uma errada interpretação e aplicação do direito no caso sub judice, contrariando assim a Lei, o Direito e a Justiça.

  1. - Como resulta claramente da factualidade assente, não ficou demonstrado que o incêndio causador dos danos tivesse sido originado, em termos de causalidade adequada, pela (perigosa) actividade de armazenagem da 1ª Ré.

  2. - Também não ficou demonstrado que a Ré, no exercício da sua actividade perigosa tenha causado qualquer dano ao autor, pois não se provou que o incêndio tivesse sido causado pelos materiais utilizados pela 1ª Ré na sua actividade.

  3. - Os RR. apresentaram diversas testemunhas que afastaram a presunção de culpa, demonstrando que a primeira Ré tomava todas as providências especialmente adequadas a prevenir os danos, determinadas pelas particulares normas técnicas ou legislativas inerentes às especiais actividades ou pelas regras da experiência comum.

  4. - Por outro lado, o Tribunal da Relação errou gravemente ao considerar que a fiança pelas obrigações da locatária, consignada na cláusula 12ª do contrato de arrendamento, além de abranger a responsabilidade civil contratual da inquilina, estende-se à responsabilidade civil extracontratual da arrendatária.

  5. - A responsabilidade extracontratual que possa advir da existência de culpa presumida da 1ª Ré inquilina transcende a responsabilidade do 2. ° Réu fiador desse contrato de arrendamento, porquanto, se assim não fosse a fiança perdia o seu carácter acessório e tornar-se-ia indeterminada.

  6. - O Venerando Tribunal da Relação do Porto usou o poder de fixação equitativa da indemnização de forma absoluta e sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, fazendo uma incorrecta aplicação do art. 566. °, nº 3 do CC.

  7. - Não ficou apurado na sentença de 1ª Instância um mínimo de elementos sobre a natureza dos danos e a sua extensão, que permita ao julgador computá-los em valores próximos daqueles que realmente lhes correspondem.

  8. - Termos em que se apela a V. Exas. para que sentenciem que os fundamentos de facto e de direito invocados pelos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão, pelo que o acórdão recorrido violou entre outros, os artigos 493°, 627° e 566° do CC.

  9. -Verificando-se um vício estrutural do acórdão, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso (cf. ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 686, ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol.V, pág.141).

Contra-alegou o A., pugnando pela manutenção do decidido.

Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

* Vem dado como PROVADO das instâncias: O autor adquiriu ao réu BB um armazém sito na Travessa ....., ..../...., no Freixieiro, Perafita, composto por três naves e um edifício destinado a uma unidade industrial, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. 3531 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º 1621, a fls. 75, do livro 8-6 - alínea A) dos factos assentes; Este prédio era usado, há 24 anos, pela ré P......, que tinha por objecto a importação e exportação de drogas, produtos químicos, máquinas de qualquer espécie e respectivos acessórios e ainda a representação de produtos nacionais e estrangeiros, para armazenagem de produtos químicos inflamáveis, ai coexistindo produtos químicos sólidos com bidões de químicos em estado líquido - al. B); A ré continuou a ocupar a nave 2, por acordo celebrado com o autor, reduzido a escrito, cuja cópia se encontra junta aos autos como documento n.º 1 com a petição inicial, com início em 1 de Novembro de 2002, pelo período de um ano, renovável por igual período, mediante a contrapartida mensal de 2.494 € - al. C); Nesse acordo a ré foi representada pelo réu, seu sócio gerente, o qual assumiu a condição de fiador e principal pagador da ré, pelo incumprimento de todas as obrigações decorrentes desse acordo - al. D); A nave 2 é constituída por um armazém com 900 m2, amplo, com escritório e situa-se entre as naves 1 e 3, sendo as três naves contíguas - al. E); No dia 19 de Junho de 2003, por volta das 20.00 horas, ocorreu um incêndio na referida nave 2 - al. F); Em consequência do referido incêndio, a nave central ficou destruída ao nível da cobertura, ficou com o pavimento estragado, com a instalação eléctrica destruída e os portões destruídos - al. G); A ré remeteu ao autor, em 10 de Julho de 2003, carta registada com aviso de recepção, cuja cópia se encontra junta aos autos com a contestação, como documento n.º 16, a fls. 119, na qual, além do mais, invoca a caducidade do contrato de arrendamento e informa que entregará o locado em 31/08/2003 - al. H); A ré, em 31-08-2003, abandonou a nave 2 - al. J); A ré tinha na nave 2 três reservatórios, em aço inox, com válvulas de abertura automática, que abriam quando a pressão aumentava, pousados no solo sobre uns cavaletes, dois deles com 2,5 m de diâmetro e 5 m de profundidade, com capacidade para 30 m3 cada tanque e outro com capacidade para metade, os quais continham uma espécie de álcool, produto denominado Mostanol, altamente inflamável - al. L); Nesse armazém, onde eram estacionados carros à noite, existiam estantes e prateleiras nas paredes, que armazenavam os produtos em altura, 2 empilhadores e uma máquina de limpar frisos - respostas aos quesitos 2º e 7º; Inexistiam quaisquer divisórias internas, que separassem os produtos -...

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