Acórdão nº 07S3523 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

"AA" demandou, mediante acção proposta em 30 de Maio de 2005, no Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira, "Empresa-A, Lda.", pedindo que se declare ilícito o despedimento de que foi alvo e a condenação da Ré: i) a reintegrá-lo, sem prejuízo de vir, em substituição, a optar pela indemnização de antiguidade; ii) a pagar-lhe € 2.000,00, a título de danos não patrimoniais; iii) a pagar-lhe as retribuições vencidas desde o despedimento e até à decisão final, à razão de € 665,43 por mês; iiii) e a pagar-lhe € 2.755,85 por trabalho suplementar e acréscimo do mesmo sobre as férias, subsídio de férias e subsídio de Natal pagos.

Em síntese alegou que: - Trabalhava para a Ré desde 1 de Abril de 2004, como motorista de pesados, embora estivesse classificado de manobrador de viaturas; - Em 11 de Março de 2005, a Ré enviou-lhe uma nota de culpa, a que respondeu, vindo a ser despedido por comunicação de 15 de Abril de 2005, com invocação de justa causa, fundada em comportamento negligente de que resultou um acidente de viação de graves consequências, que teve lugar no dia 21 de Fevereiro de 2005.

- Porém, ao contrário do invocado pela Ré, aquele acidente não derivou de negligência sua, mas, como afirmara na resposta à nota de culpa, só poderia ter resultado de falha mecânica, à qual era alheio; - O despedimento foi, assim, ilícito, assistindo-lhe o direito à reintegração ou indemnização e às retribuições que peticiona; - O Autor sentiu-se muito chocado e bastante triste por ter sido despedido pelos motivos invocados, passou por um período de depressão, que o obrigou a receber medicação adequada durante mais de mês e meio; - Prestou várias horas de trabalho suplementar, pelo menos, e em média, 4 horas e 30 minutos, de segunda a sexta, e 2 horas ao sábado, tendo direito aos acréscimos retributivos computados no artigo 43.º da petição, num total de € 1.797,01, trabalho esse de carácter regular, cuja remuneração deve ser considerada para efeitos de cálculo da retribuição das férias, e dos subsídios de férias e de Natal, tendo, assim, direito a haver os acréscimos computados nos artigos 48.º e 49.º da petição, num total de € 985,84.

Na contestação, a Ré: - Sustentou a existência de justa causa para o despedimento, alegando, em súmula, que, no dia 21 de Fevereiro de 2005, o Autor deu causa a um acidente de viação, de que resultaram danos de valor superior a € 20.000,00, acidente esse que ocorreu quando conduzia uma viatura pesada com reboque, tendo-se este soltado da viatura, porque o Autor não cuidou de o engatar devidamente, não se certificando, nomeadamente, de que a cavilha de segurança se encontrava trancada.

- Impugnou o invocado direito ao pagamento das quantias reclamadas a título de trabalho suplementar, cujo crédito, a ser devido, terá de ser compensado com o valor de € 7. 932,67, que o Autor recebeu como "ajudas de custo" para permitir que ele pernoitasse nas localidades onde tinha de se deslocar em trabalho; - Aduziu que o Autor aufere rendimentos do trabalho que terão de ser deduzidos nas retribuições peticionadas.

- Em reconvenção, pediu a condenação do Autor na indemnização global de € 10.381,55, correspondente aos prejuízos decorrentes do mencionado acidente e de outro, também por ele causado, que teve lugar no dia 22 de Julho de 2004.

Na resposta, o Autor requereu a ampliação do seu pedido, quanto ao valor das retribuições e diferenças salariais, defendeu a inadmissibilidade da reconvenção ou a improcedência do pedido reconvencional, reafirmando tudo o que alegara na petição, quanto às circunstâncias do acidente ocorrido em 21 de Fevereiro de 2005.

No despacho saneador foram admitidas a reconvenção e a ampliação do pedido.

O Autor agravou da decisão que admitiu a reconvenção, recurso que foi admitido com subida diferida.

Realizado o julgamento e decidida a matéria de facto, foi proferida sentença que, considerando ter ocorrido justa causa para o despedimento e não ter sido feita prova da prestação de trabalho suplementar, julgou a acção improcedente e absolveu a Ré dos pedidos formulados pelo Autor; e, dando por verificada a culpa do Autor na produção de dois acidentes de viação, um em 22 de Julho de 2004 e outro em 21 de Fevereiro de 2005, de que resultaram os prejuízos invocados pela Ré, julgou procedente a reconvenção e decretou a condenação do Autor no pagamento à Ré a importância de € 10.381,55.

Tendo o Autor apelado para a Relação do Porto, veio aquele tribunal superior a proferir douto acórdão em que, após conhecer do recurso de agravo, ao qual negou provimento, e ter desatendido a pretensão relativa à alteração da decisão da matéria de facto, julgou parcialmente procedente a apelação, alterou a decisão recorrida, em consequência do que: - Condenou a Ré a reconhecer a ilicitude do despedimento do Autor, a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à efectiva reintegração, deduzidas daquelas que respeitam ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção; e - Absolveu o Autor do pedido reconvencional.

Para assim decidir, o acórdão considerou, em síntese e no essencial, que a Ré não descreveu na nota de culpa (nem provou em julgamento) todos os elementos de facto necessários para avaliar do comportamento culposo do Autor na ocorrência do acidente de 21 de Fevereiro de 2005, nomeadamente, o modo como devia ter utilizado o material no processo de acoplamento do reboque à viatura tractora e não o utilizou, daí não se encontrarem preenchidos os requisitos constitutivos da justa causa do despedimento. Relativamente ao pedido reconvencional, observou que a matéria apurada, quanto às condutas imputadas ao Autor, apenas contém juízos valorativos, sem qualquer suporte factual, sendo insuficiente para concluir pela sua culpa na ocorrência dos acidentes em causa.

  1. Inconformada, a Ré vem pedir revista, para ver repristinada a decisão da 1.ª instância, terminando a sua alegação com as conclusões assim redigidas: 1. A Ré procedeu à descrição na nota de culpa, de forma circunstanciada, bem como fez a respectiva prova em julgamento, de todos os elementos de facto necessários para avaliar do comportamento culposo do Autor e da gravidade do mesmo.

  2. Da análise da nota de culpa resulta que a Ré acusou o Autor, quanto à situação concreta aludida no douto acórdão recorrido, de, após proceder à substituição dos contentores, não ter engatado devidamente o reboque, levando a que o mesmo se desengatasse e começasse a descair a toda a velocidade, indo embater em quatro viaturas e galgando um muro de betão, ocorrência essa motivada pelo facto do trabalhador não se ter certificado que a cavilha de segurança se encontrava trancada, o que se deveu à enorme falta de cuidado do mesmo.

  3. O Autor entendeu em toda a sua plenitude a acusação que lhe foi dirigida e de tal acusação se defendeu, na resposta à nota de culpa, negando que tivesse ocorrido qualquer falta de cuidado da sua parte, já que executara a operação de engate do reboque como habitualmente, verificando nomeadamente que a cavilha do engate estava descida.

  4. No processo disciplinar a Ré acusou o Autor de não ter executado a operação devidamente, não se tendo certificado de que a cavilha de segurança estava trancada, o que não foi feito (pontos 2 e 5 da nota de culpa), e o Autor defendeu-se dizendo que isso não era verdade, uma vez que executara a operação de engate como habitualmente, verificando que a cavilha do engate estava descida (pontos 2 e 3 da resposta à nota de culpa).

  5. Decorre do exposto que a entidade empregadora formulou uma acusação que foi bem entendida pelo trabalhador que sobre a mesma tomou posição, defendendo-se em reposta escrita que endereçou à Ré.

  6. Ficou igualmente provado que, ao descrever tal trajecto desgovernado, o reboque embateu em viaturas e galgou um muro de betão, acabando por ficar imobilizado junto à grade de ferro que circunda as instalações da "Empresa-B", e que da referida ocorrência resultaram danos nas viaturas, reboque e muro.

  7. Ficou também provado que o Autor não engatou devidamente o reboque, não se certificando nomeadamente de que a cavilha de segurança se encontrava trancada.

  8. Ficou ainda provado que o Autor havia recebido formação anterior e se encontrava perfeitamente ciente do modo como deveria efectuar tais operações de modo a evitar acidentes do tipo daquele que ocorreu, sendo certo que não se suscitou a presença de qualquer falha mecânica, tendo o engate do reboque sido inspeccionado logo após o acidente, sem que se constatasse a existência de alguma deficiência.

  9. Nenhum destes factos acima expostos resultou alterado no douto acórdão recorrido, ao contrário do que pretendia o Autor.

  10. Da globalidade dos factos que foram dados por provados nos autos e da ponderação dos mesmos, no seu todo, decorre a gravidade e culpa atinentes à actuação do Autor.

  11. Pelo que se torna forçoso concluir, em face de tudo quanto foi exposto, que não só a Ré descreveu na nota de culpa, como também provou em julgamento, todos os elementos de facto necessários para avaliar do comportamento culposo do Autor na ocorrência do acidente de viação em causa.

  12. Encontrando-se o Autor perfeitamente ciente do modo como devia ser utilizado o material no processo de acoplamento do reboque à viatura tractora, o que resultou demonstrado nos autos e nem sequer é negado pelo Autor, não seria exigível à Ré que plasmasse na nota de culpa o enunciado exaustivo de todas as considerações técnicas relativas ao modo de funcionamento do reboque, para além das que aí efectivamente se encontraram expressas e que respeitam ao engate do reboque e ao facto da cavilha de segurança não ter sido trancada, como deveria.

  13. Tais factos que foram mencionados na nota de culpa eram os necessários à descrição dos factos imputados e...

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