Acórdão nº 08P293 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelHENRIQUES GASPAR
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, identificado no processo, foi acusado pelo Ministério Público da prática de um crime p. e p. no artigo 115º do Decreto-Lei nº 422/98, de 2 de Dezembro, em concurso real com um crime de jogo fraudulento, p. e p. pelo artigo 113º, nº 1 do mesmo diploma, conjugado com a artigo 218º, nº 1 do Código Penal.

Efectuado o julgamento, a acusação foi julgada parcialmente procedente, com a condenação do arguido pela prática, como autor material, de um crime p. e p. no artigo 115º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº10/95, de 19 de Janeiro, na pena de três meses de prisão, substituída, nos termos do artigo 44º, nº 1, parte do Código Penal, por igual tempo de multa à taxa de 4 € (trezentos e sessenta €), e em sessenta dias de multa à taxa diária de 4 € (duzentos e quarenta €).

Nos termos do artigo 6º, nº 1 do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, o arguido foi condenado na pena única de cento e cinquenta dias de multa à taxa diária de 4 €, o que perfaz a quantia de seiscentos euros.

Foi também condenado pelo crime p. no referido artigo 115º do Decreto-Lei nº 42/89, de 2 de Dezembro o arguido BB.

  1. Não se conformando com a decisão, o arguido AA recorre para o Supremo Tribunal, com os fundamentos constantes da motivação que apresenta e que termina com a formulação das seguintes conclusões: A. O enquadramento jurídico efectuado pelo Digníssimo Tribunal "a quo", no que ao material apreendido nos presentes autos se refere, não foi, no modesto entendimento do recorrente, o correcto, pois que, resulta do douto acórdão ora recorrido que esse mesmo Tribunal entende os jogos desenvolvidos pelo material apreendido nos autos como jogos de fortuna ou azar «já que dependem fundamentalmente da sorte do jogador» aliado ao facto de tal material se destinar à prática de jogos que atribuiriam como prémio quantias monetárias, sem que, no entanto, nada mais diga, ou refira, quanto à distinção entre uns e outros jogos, donde resulta, não haver fundamentado devidamente a sua opção.

    B. Assim, e atendendo a toda uma série de Jurisprudência que vem entendendo material como o dos autos, como desenvolvendo jogos que assumem a natureza de modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, e já não dos próprios jogos de fortuna ou azar em si mesmos, é de referir que essencial para a boa decisão da causa, através de uma correcta qualificação jurídica de tal material, seria o Digníssimo Tribunal "a quo" ter aferido dos resultados visados com o exercício de tais jogos, e bem assim, ter apurado da hermenêutica dos artigos 1°, 4°, 159°, n.º 1, 2 e 3, e 161°, n.º 3, todos do D.L. n.º 422/89, de onde decorre, por um lado, que a lei distingue o jogo de fortuna ou azar das modalidades afins e, por outro lado, que prevê a existência de outros jogos não enquadráveis em qualquer daqueles dois tipos de jogos.

    C. A distinção entre jogos de fortuna ou azar e modalidades afins desses jogos não poderá colher no factor ou critério da aleatoriedade do resultado, porquanto, tanto uns como as outras perfilham dessa mesma aleatoriedade, devendo, ao invés, atender-se aos critérios presentes na nossa Jurisprudencia, como seja, o entendimento expresso no acórdão [da] Relação [do Porto], de 26.04.2000, segundo o qual a linha de fronteira entre estas figuras jurídicas estaria demarcada pelo simples facto de, nas modalidades afins, as promotoras oferecerem os jogos ao público, enquanto que nos jogos de fortuna ou azar elas se limitam a colocá-los em estabelecimentos, aos quais o público se dirige para os praticar.

    D. Ora, consagrou o Ac. da R.L. de 14.03.2000 que «fundamentalmente, o que caracteriza as operações oferecidas ao público são duas coisas incompatíveis com o jogo de fortuna ou azar: os prémios fixados previamente, como assim, a participação, à partida, de um número de pessoas indeterminado. Realmente, nos jogos de fortuna ou azar, os prémios não são fixados previamente, além de que só pode jogar um número determinado de pessoas, de cada vez».

    E. De modo que o elemento balizador corporiza-se no facto de nas modalidades afins existirem um ou vários prémios previamente definidos, determinados ou "oferecidos", enquanto nos jogos de fortuna ou azar, em antinomia, não tem de haver, e em regra não há, um prémio fixado. (Cfr. Acórdão da Relação de Évora de 06/11/90, in CI., XV, T. V, pg. 277), pelo que, é de afirmar que, no caso sub judice não estamos perante um qualquer jogo de fortuna ou azar, mas sim perante uma modalidade afim desses jogos de fortuna ou azar, pois os prémios atribuídos estavam previamente fixados e o número de jogadores podia ser indeterminado, F. Não relevando, de forma alguma, e ao contrário do vertido no acórdão recorrido, o facto de poderem ou não ser atribuídos prémios em dinheiro, desde logo porque a lei, em caso algum, se refere a tal critério para distinguir os jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins, a que sempre acrescerá o facto de existirem alguns jogos especificadamente previstos na lei como sendo de fortuna ou azar (art. 4° do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro) em que os «prémios podem consistir, pelo menos imediatamente, em fichas e o resultado pode ser apresentado como pontuações», bem como sempre «constitui contra-ordenação, nos termos do n.º 3 do artigo 161º e do n.º 1 do artigo 163°, a substituição por dinheiro ou fichas dos prémios atribuídos pelas modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar» (Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 26.10.2005).

    G. Sendo certo que, a oferta ao público dos jogos dos autos sempre resultará explícita da colocação dos mesmos nos estabelecimentos comerciais, o que sempre exigirá uma qualquer actuação por parte do explorador de tal jogo, que não é passível de utilização sem o auxílio imediato do seu explorador, até porque todo e qualquer prémio a que se tivesse direito só seria pago/entregue pelo explorador de tal jogo.

    H. Além do que os jogos dos autos sempre deverão ser considerados como "operação" no sentido que a essa expressão é atribuída na nossa Jurisprudência, pois que, teriam sempre uma vida útil limitada, uma vez que se encontraria limitada pelo número de apostas possíveis, limitada ao número de senhas existentes, bem como se encontra limitada pelo número de prémios a atribuir, que, como referido, se encontram previamente definidos, sendo certo que, estando os jogos associados a um cartaz específico sempre a sua vida útil se circunscreveria à vida útil de tal cartaz.

    I. A que acresce o facto de os jogos serviriam para serem colocados em diversos estabelecimentos comerciais, ou seja, não seriam colocados num local onde o público se dirigia para a sua prática, mas sim num local onde o público se dirigia no intuito de consumir os produtos aí disponibilizados, sendo depois confrontado com a "oferta" dos ditos jogos.

    J. Haverá, por isso, que se atender a toda uma série de Jurisprudência, onde se inserem os arestos [da] Relação do Porto, de 14.07.1999 e 28.03.2001, e da Relação de Lisboa de 08.10.1996, sendo de concluir que, "in casu", estaremos perante jogos com todas as características referidas no n.º 1 e n.º 2 do art. 159º do D.L. 422/89, com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. 10/95, de 19 de Janeiro, sendo que tais jogos sempre deveriam ser classificados como jogo de rifas.

    K. Não sendo, naturalmente, de descurar a Jurisprudência mais recente, onde se inserem os arestos da Relação de Lisboa de 26-10-2005, e da Relação de Évora de 23.05.2006 e 11.07.2006, o que sempre permitirá afirmar estarmos claramente perante...

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