Acórdão nº 07P4553 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS MONTEIRO
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: No processo comum n.º 46/04.0 JELSB da 1ª Vara Mista de Sintra , com intervenção do tribunal colectivo , foram submetidos a julgamento ( o segundo derivado da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa) : AA e BB, vindo , a final , a ser : - absolvida a arguida BB - condenado o arguido AA em : - oito (8) anos de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21°, nº 1 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, e - nove (9) meses de prisão por um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelos artigos 1º, nº 1 al. d), e nº 2, e 6º, nº 1, da Lei 22/97, de 27 de Junho, na redacção da Lei 98/01, de 25 de Agosto , em cúmulo jurídico na pena unitária de 8 anos e 3 meses de prisão .

I . O arguido interpõs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que , por seu acórdão de 2.10.2007 , manteve o acórdão proferido em último lugar .

II O arguido AA interpôs recurso dirigido ao STJ que motivou com as seguintes conclusões: O Tribunal da Relação apenas se limitou a desenvolver e defender o acerto da decisão recorrida , sem abordar detalhadamente todas questões antecedentemente colocadas .

A realidade contida nos autos que respeita ao " efeito à distância " , assente na decisão da 1.ª instância, revela-se acentuadamente de forma diferente .

Contrariamente ao determinado no acórdão recorrido não pode deixar de se dar como assente que no que tange às apreensões na residência de CC, a obtenção de prova não se relaciona , apenas , acidentalmente , mas directamente com a informação recolhida através de actos nulos praticados e dos deles decorrentes não podendo a mesma deixar de ser afectada pelo desvio sofrido .

É patente que , na especificidade do caso concreto submetido a julgamento , é evidente a conexão causal entre a prova obtida mediante o método proibido e a prova secundária , porquanto sem as diligências de busca e apreensão de droga anuladas , isto é sem a prova inquinada não se teriam alcançado as demais provas chegadas ao processo .

Não é , pois , caso de excluir o " efeito á distância " .

Aliás , sem margem para dúvidas , não é de excluir com fundamento na inexistência de um nexo de antijuridicidade entre a prova nula e a prova subsequente , não contendo os autos elementos bastantes para seguramente legitimarem tal entendimento preconizado .

Considerando que a busca e apreensão realizadas na residência de CC não são provenientes de uma actividade investigatória levada a cabo autonomamente pela PJ , que não foi possível apurar a origem do estupefaciente contido na mala verde ; que no que respeita ao tráfico mais abrangente , prolongado no tempo , levado a cabo pelo recorrente nada se provou no acórdão condenatório e que a conduta imputada ao arguido não integra a prática de dois crimes de tráfico de estupefacientes em concurso real , mas um crime desta natureza a punir segundo as regras do crime continuado , não se podendo até deixar de colocar questões relacionados com o princípio da " reformatio in pejus " .

Por virtude de o acórdão da Relação não ter apreciado o recurso com toda a extensão assiste-se a omissão de pronúncia , sendo nulo , nos termos dos art.ºs 428.º n.º 1 , 431.º a) , 425.º n.º 4 e 379.º n.º 1 c) , do CPP .

Cumulativamente se mostram comprovadas e reunidas todas as condições de que depende o reconhecimento entre nós do efeito á distância , pelo que a prova obtida através da apreensão e buscas realizadas pela autoridade de polícia em 11.5.2004 devia ter acabado por ser declarada nula pela Relação com o mesmo vício de prova resultante da busca e apreensão efectuadas na Alfândega do Aeroporto de Lisboa no dia 29 de Abril de 2004.

O Colectivo considerou como afastado esta asserção com o fundamento em que quer a encomenda tivesse sido aberta e o estupefaciente apreendido antes da entrega pela Alfândega , quer a encomenda tivesse sido entregue e seguido o transportador e depois dele o arguido AA , sem prévia abertura e apreensão , o resultado seria o mesmo e por outro lado quanto às apreensões na casa do Cacém verifica-se a excepção da mácula dissipada na medida em que a obtenção da prova não se relaciona directamente com a informação recolhida através da prática de actos nulos , mas antes está correlacionada com um conjunto investigatório anterior independente e com uma intervenção volitiva de terceiro , a de CC ao autorizar a busca , o que se não verifica .

Na verdade relativamente ao primeiro fundamento porque a 1.ª instância não dispunha de elementos de facto decorrentes da audiência que lhe permitissem dá-lo como comprovado e muito menos como seguramente certo , funcionando o princípio " in dubio pro reo " .

Relativamente ao segundo ponto , porque , tal como os factos derivam da acusação pública , torna-se evidente que toda a actividade foi desenvolvida pelo recorrente a coberto de um só dolo , único e inicial , ao abrigo de um único plano previamente traçado ao longo do tempo , objecto de uma única actividade investigatória por banda dos órgão policiais , como sucede neste tipo de crimes .

Ao contrário do defendido na decisão recorrida verifica-se a manutenção de um nexo de antijuridicidade entre a prova nula e a subsequente , permitindo concluir que em caso algum a cadeia de desvalor não foi em caso algum quebrada e que a busca e apreensão efectuada em 11.5.2004 na residência de CC , não é propriamente fruto de uma actividade investigatória autónoma , sendo portanto fruto do tronco principal, sadio que a investigação conduzida até à encomenda constitui .

A prova inquinada foi causa directa da efectivação da busca àquela residência , nada tendo sido apurado quanto à origem da droga que , então , aí acabou por ser apreendida no interior daquela mala de cor verde .

Só não seria de julgar assim se se demonstrasse que a busca e apreensão efectuadas , enquanto carreadoras de diferente prova , eram absoluta e processualmente independentes da apreensão que foi efectuada na Alfândega do Aeroporto de Lisboa em 29.4.2004 , por este meio ilegal não ter virtualidade para inquinar toda a restante prova produzida nos autos .

Cristalinamente se comprova que foi o conhecimento prévio e ilegítimo do conteúdo do volume que compunha a encomenda aérea na qual foi encontrado o estupefaciente que foi a única causa que desencadeou a posterior acção policial .

Não se verificando essa independência entre a apreensão pela Alfândega e todas restantes , não se pode concluir pela irrelevância dos " efeitos " jurídicos das demais , admitindo-se como válidas toda a prova obtida com posteriores apreensões .

A este respeito o Prof. Costa Andrade , in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal , pág. 65 , quando diz que tal efeito se não verificará quando o recurso aos processos hipotéticos de investigação permitiria seguramente alcançar o mesmo resultado probatório .

Não devia ser atendida a prova contida no processo quanto a qualquer um dos crimes por que foi condenado , devendo ser absolvido , sob pena de grosseira violação dos art.ºs 18.º , 32.º , n.º 8 , 34.º n.ºs 1 e4 , da CRP , 118.º , 122.º , 126.º e 359.º , do CPP .

É , por outro lado , excessiva a pena unitária de 8 anos e 3 meses imposta , quando comparativamente com casos análogos .

Nenhuma prova se fez de venda de heroína e de cocaína e nem nenhuma actividade delituosa se mostra relacionada com o uso do revólver , para além de não ser detido com ele e a sua prisão ocorreu sem violência , mostrando-se violado o princípio da proporcionalidade , considerando-se as pertinentes molduras penais quanto aos crimes de detenção ilegal de arma e tráfico de estupefacientes .

Não existe razão para condenação em pena de prisão antes de multa quanto à detenção ilegal de arma .

Pede , ainda , que seja valorada a ausência de antecedentes criminais , a sua inserção social e o seu débil estado de saúde.

Mostra-se violado o princípio " in dubio pro reo " e o disposto nos art.ºs citados da CRP e CPP , bem como os art.ºs 40.º , 70.º e 71.º , do CP .

III A Exm.ª Procuradora Geral-Adjunta na Relação entende que deve ser mantida a decisão recorrida .

IV. E neste STJ a Exm.ª Procuradora Geral Adjunta propende a defender o acerto da decisão recorrida e a aplicação de uma pena de , pelo menos , 7 anos e 3 meses de prisão .

V. Colhidos os legais e após o segundo julgamento realizado , por determinação anterior da Relação que declarou nulas a busca e apreensão efectuadas em 29.04.2004, pelas autoridades aduaneiras, considerando falso o auto de fls. 88 e como tal nulo, bem como nula a prova dele decorrente foram considerados provados os factos seguintes : A) O arguido AA é conhecido pela alcunha de "Tchum Tchum" e de nacionalidade caboverdiana;--- B) No dia 29 de Abril de 2004, chegou por via aérea ao aeroporto de Lisboa uma encomenda de roupas, proveniente do Brasil, encomendada pelos arguidos AA e BB;--- C) O anexo 1, do nº..., da Rua Ribeira das Jardas, no Cacém, encontrava-se arrendado à arguida CC, em 10 de Maio de 2004;--- D) Em 11 de Maio de...

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