Acórdão nº 07A4317 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA, propõe contra a sua mulher BB, a presente acção de divórcio litigioso, pedindo que se decrete o divórcio entre ele, A. e R., com culpa exclusiva desta.

Fundamenta este seu pedido, em síntese, imputando factos à R. que, no seu entender, violam culposamente os deveres conjugais de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação assistência, factos que constituem fundamento de divórcio.

1-2- A R. contestou, tendo formulado idêntico pedido reconvencional, invocando a violação, por parte do A., dos deveres conjugais de respeito, coabitação, cooperação e assistência.

1-3- O processo seguiu os seus regulares tendo-se proferido sentença na 1ª instância, em que foram julgadas improcedentes a acção e a reconvenção.

1-4- Não se conformando com esta sentença, dela recorreram ambas as partes, tendo logrado o A., na Relação, êxito na sua pretensão de ver decretado o divórcio, com culpa exclusiva da R..

1-5- Não se conformando com a decisão, dela recorreu a R. como revista para este Supremo Tribunal que, por acórdão de 19-12-2006, deu parcial provimento ao recurso, revogando o acórdão impugnado ordenando a remessa dos autos à Relação para que se apreciasse o mérito da pretensão dos apelantes, quanto à modificação da matéria de facto.

1-6- Regressado o processo à Relação, aí foi proferido novo acórdão em que se julgou procedentes ambas as apelações, revogou-se a sentença recorrida, julgando-se a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, decretando-se a dissolução do casamento celebrado entre A. e R., por divórcio, declarando-se a R. como principal culpada e condenando-se esta como litigante de má fé na multa de 6 Ucs.

1-7- Novamente irresignados com esta decisão, dela recorreram a R. e, subordinadamente, o A. para este Supremo Tribunal, recursos que foram admitidos como revistas e com efeito suspensivo.

1-8- A R. alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- A decisão recorrida não fundamentou de facto a sua opção pela não verificação da invocada falta de análise crítica da fundamentação de facto (fls. 1103), como não tomou qualquer posição sobre a invocada falta de especificação das razões da falta de prova quanto aos factos não provados 2ª- Está, pois, inquinada pelos vícios previstos nas alíneas b) e d) do n° 1 do artigo 668° do CPC.

  1. - O facto de ter ratificado o vício da anterior decisão levou a que cometesse o mesmo erro. Efectivamente permitiu-se aceitar prova de ouvir dizer para não dar como adquirida factualidade objecto de prova directa e opor à prova directa inferências de possibilidades, como se a realidade tivesse de ceder perante hipóteses e transformar matéria de facto em conclusões.

  2. - Ao ter procedido de tal forma violou a decisão recorrida os artigos 653° nº 2 e 655° ambos do CPC.

  3. - Por mera cautela, desde já vem arguir a inconstitucionalidade da interpretação efectuada na decisão recorrida do artigo 655° do CPC, interpretado no sentido de que o mesmo permite que uma decisão cível seja fundamentada de forma a que testemunho de ouvir dizer possa rebater prova directa, inferências possam rebater prova directa e factos sejam confundidos com conclusões, por violação dos artigos 20° nº 1 e 205°, ambos da CRP.

  4. - A factualidade contra si apurada não é subsumível à previsão do artigo 1779° do CC, com fundamento na violação do dever de respeito.

  5. - É que a mesma tem como subjacente, única e simplesmente, o relacionamento da recorrente com um primo que, todas as testemunhas que os conhecem, catalogam de "como irmãos" e que o recorrido conhecia como sendo assim, antes do casamento.

  6. - O que se passou foi um comportamento doentio do recorrido, orientado por suspeitas e determinante da perturbação emocional e laboral e da adopção de comportamentos relativamente à recorrente, esses sim violadores do dever de respeito por acobertarem suspeitas sem jamais as comunicar ou esclarecer com a recorrente ou as confirmar na sequência das vigílias feitas a esta.

  7. - Ao ter entendido o comportamento da recorrente como violador do dever de respeito, violou a decisão recorrida o artigo 1779º 10ª - Não tem qualquer sentido que a recorrente tenha sido considerada a principal responsável pela ruptura da vida conjugal, iniciada em meados de 1999, face ao dado como apurado nos quesitos 103 a 105, 11ª- Ao ter entendido de outra forma, violou a decisão recorrida os artigos 1779° e 1787º, ambos do CC.

  8. - A recorrente foi condenada como litigante de má fé, essencialmente, porquanto (fls. 1436 na contestação, cfr. art. 1º) negou determinados factos, tais como, as chamadas telefónicas para o seu primo, a entrega do cartão telefónico, as saídas nocturnas com o primo quando ia ter com a amiga SS, e as noites passadas no prédio sito na Rua ..., nº 000, sem dar explicações no autor.

  9. - Ora, só urna deficiente interpretação da contestação e da sua ligação à matéria apurada nos quesitos 103, 104 e 105 pode levar a tal interpretação.

  10. - A recorrente nunca negou tais factos, opõe-se é sua interpretação como tendo a ver com o que quer que seja para além de uma sólida amizade vigente desde os tempos de infância.

  11. - Ao ter entendido de outra forma, violou a decisão recorrida o artigo 456° nº 1 do CPC.

    1-8- O A., recorrente subordinado, também alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- O presente recurso subordinado de apelação visa impugnar o douto acórdão de fls. 1329 e segs., no que respeita à parte em que foi julgado parcialmente procedente a apelação interposta pela R., embora esta tenha sido declarada "a principal culpada pela dissolução do casamento" e condenada "como litigante de má fé".

  12. - O acórdão considerou que, a partir de Abril/Maio de 2000, após o autor ter proposto a respectiva acção de divórcio, ocorreu violação do dever de coabitação pelo facto de, a partir dessa data, o autor não pernoitar no lar conjugal "ali se deslocando apenas durante o dia" (quesito 121.º, a fls. 1424).

  13. - Após a instauração da acção de divórcio, o autor deslocava-se ao lar conjugal durante o dia mas, por razões que decorrem e se podem inferir da matéria provada, nomeadamente dos quesitos 45.º,46.º e 47.º, passou a dormir na casa de seus pais, como, aliás, é feita alusão no douto acórdão a respeito dos depoimentos das testemunhas do autor (fls. 1415, último parágrafo).

  14. - O autor assumiu aquela atitude já depois de ter instaurado a acção do divórcio, ou seja, numa fase em que a vivência conjugal já se encontrava comprometida pelo anterior comportamento da ré" (douto Acórdão, fls. 1433, 6.º parágrafo).

  15. - O processo que conduziu à ruptura da sociedade conjugal foi iniciado pela ré com a violação reiterada do dever de respeito e foi essa violação que foi determinante da mesma ruptura" (fls. 1433, último parágrafo - sublinhado nosso).

  16. - A atitude assumida pelo autor já depois de instaurada a acção de divórcio não deve constituir violação culposa, pois deve ser considerada justificada face à matéria provada, designadamente à seguinte: "Em consequência do comportamento da ré descrito nos quesitos anteriores, o autor começou a alimentar-se mal e a não conseguir dormir." (quesito 45.º, fls. 1422 ).

    "Devido ao facto referido no quesito anterior, em Junho do ano 2000, o autor consultou um médico psiquiatra que lhe diagnosticou ansiedade e depressão decorrente do mau ambiente causado por familiares." (quesito 46.º, fls. 1422).

    "O comportamento da ré impedia o autor de se concentrar no trabalho, tendo sofrido severas críticas por parte de alguns sócios da empresa ao ponto de pensarem em destituir o autor do cargo que desempenhava." (quesito 47.º, fls. 1423).

  17. - Quer dizer, em Abril/Maio de 2000, única e exclusivamente devido ao comportamento culposo da ré, o autor estava ansioso e depressivo, necessitava de dormir tranquilo, precisava de se alimentar convenientemente e ter paz e sossego de espírito para conseguir concentrar-se no trabalho e desempenhar o seu cargo sem ser alvo de críticas por parte de alguns sócios da empresa.

  18. - Deve entender-se que o autor tinha o direito de procurar sanar e atenuar todas essas perturbações e males provocados na sua saúde pelas atitudes desrespeitosas da ré.

  19. - Por isso, deve aceitar-se como razoável e não culposo que o autor pudesse dormir em casa de seus pais (fls. 1415), visto se encontrar num estado depressivo e ansioso e carecer de paz e tranquilidade à sua volta, a fim de poder descansar e sossegar.

  20. - O autor podia ter optado por pernoitar numa casa de repouso ou numa casa de saúde, o que não constituiria certamente, nestes casos, qualquer violação culposa do dever de coabitação.

  21. - Seria excessivamente doloroso para o autor que, após a ruptura e completa destruição da vida conjugal provocada pela ré, tivesse de continuar a dormir paredes meias com ela, sentindo-a a todo o instante, continuando a viver permanente e mentalmente todos os factos culposos por ela praticados e todo o mal que isso lhe causara.

  22. - Além disso, os deveres conjugais após o autor ter instaurado a presente acção de divórcio encontravam-se já "como que esbatidos" (douto acórdão, a fls. 1434, 2.º parágrafo).

  23. - A protecção da integridade física, psicológica e moral do autor, deve ser...

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