Acórdão nº 07S741 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA propôs, no Tribunal do Trabalho de Matosinhos, a presente acção emergente de contrato individual de trabalho contra M... - Comércio de Vestuário, S. A.

, pedindo que o despedimento de que foi alvo por parte da ré fosse declarado ilícito e a ré condenada a pagar-lhe, em consequência dessa ilicitude, as seguintes quantias: i) € 3.690,00 de retribuições que deixou de auferir desde o despedimento; ii) € 307,50 de retribuição referente aos dias em que trabalhou no mês de Janeiro de 2004; iii) € 1.230,00 referentes a férias e subsídio das férias vencidas em 1.1.2004; iv) € 648,00 referentes a trabalho suplementar prestado no ano de 2003; v) € 10.455,00 a título de indemnização por despedimento, se ela, autora, até à data da sentença, não exercer o direito que a lei lhe confere.

Na 1.ª instância, decidiu-se que os factos imputados à autora não revestiam gravidade suficiente para justificar o despedimento que, assim, foi declarado ilícito e a ré foi condenada a pagar à autora € 10.455,00 a título de indemnização de antiguidade, € 3.690,00 a título das retribuições que deixou de auferir por via do despedimento, € 1.230,00 de retribuição e subsídio das férias vencidas em 1.1.2004.

No que toca ao trabalho suplementar, a ré foi absolvida do respectivo pedido.

A ré apelou da sentença, por entender que os factos praticados pela autora constituem justa causa de despedimento e, sem prescindir, por entender que a indemnização de antiguidade deve ser calculada de harmonia com o disposto no art.º 439.º do Código do Trabalho, uma vez que este Código já estava em vigor, à data do despedimento, e fixada em 15 dias de retribuição por cada ano de antiguidade ou fracção, ou seja, em € 5.535,00, e por entender que o valor das retribuições vencidas desde a data do despedimento até à data da propositura da acção deve ser deduzido das retribuições correspondentes ao período decorrido entre o despedimento e o 30.º dia que antecedeu a data da propositura da acção, uma vez que esta não foi proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, devendo tal valor fixar-se em € 615,00, uma vez que a autora não reclamou quaisquer retribuições vincendas.

A autora também recorreu, mas de forma subordinada, por entender que o M.mo Juiz devia ter condenado a ré a pagar-lhe, ao abrigo do disposto no art.º 74.º do CPT, as retribuições que a autora deixou de auferir até ao trânsito em julgado da decisão.

O Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente o recurso da autora e também julgou improcedente o recurso da ré, excepto no que diz respeito ao valor das retribuições que a autora teria auferido desde a data do despedimento até à data da propositura da acção, que fixou em € 605,00, em vez dos € 3.690,00 que haviam sido fixados na sentença.

Inconformadas com a decisão da Relação, ambas as partes recorreram a título principal, formulando as seguintes conclusões: Conclusões da ré: I - Ao discutir, em voz alta, com outra colega, no local e durante o horário de trabalho, num espaço físico que propiciava a constatação disso por parte da sua administração e até de terceiros, ignorando, sucessivamente, as várias instruções dos seus superiores hierárquicos para se calar e acabando por abandonar as suas funções, saindo da empresa, apesar de admoestada a não o fazer, tendo regressado cerca de 4 horas depois, a recorrida cometeu ilícito disciplinar grave, por violação culposa dos deveres de respeito, urbanidade, lealdade e obediência previstos nas alíneas a), c), e g) do n.º 1 e n.º 2, do art. 20.°, do D.L. 49 408, de 24-11-1969, a que se encontrava adstrita pelo contrato de trabalho.

II - A prática de tais factos, por parte da recorrida, quebrou a confiança inerente à respectiva relação laboral, tornando-a imediata e praticamente impossível, até por não restar já o mínimo suporte psicológico para o respectivo desenvolvimento, assumindo-se como integrante de justa causa para o seu despedimento, nos termos do art. 9.°, n.ºs 1 e 2, a), b), c), e) e i), do R.J. aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/2.

III - Ainda que houvesse lugar a indemnização por hipotética ilicitude do despedimento, a concreta e escorreita aplicação dos critérios a que alude o art. 439.° do Cód. Trabalho impunham a respectiva fixação em valor nunca superior ao de 15 dias de retribuição base por cada ano ou fracção de antiguidade, ou seja, 5,535,00 €.

IV - A douta decisão recorrida violou o disposto nos arts. 20.°, n.º 1, alíneas a), c), e g) e n.º 2, do Dec.-Lei n.º 49 408, de 24-11-1969; 9.°, n.os 1 e 2, a), b), c), e) e i), do R. J. aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27-02 e 439.°, n.º 1, do Código do Trabalho.

Conclusões da autora: 1) Pelo facto de o processo de despedimento se ter iniciado antes da entrada em vigor do actual Código do Trabalho, ou seja, em 14 de Novembro de 2003, ainda sob a vigência do Dec. Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, do Dec. Lei 49408 de 24/11 e do CCT entre a Associação dos Comerciais do Porto e outras e o CESNORTE - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços e outros, entende a recorrente que terá de ser aplicada, para efeitos de cálculo de retribuições que deixou de auferir, a referida legislação e não o actual Código do Trabalho.

2) Deve a ré/recorrida ser condenada a pagar as retribuições vencidas à data da propositura da acção no montante de 3.690.00 euros (três mil seiscentos e noventa euros), não devendo ser deduzido o montante de retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção, já que, a ser assim, estariam goradas, não só as legítimas expectativas da aqui recorrente, como estariam a ser claramente violadas disposições legais em vigor à data em que foi remetida à recorrente - 9/12/2003- a nota de culpa com intenção do despedimento - doc. já junto aos autos - sendo que, nos termos do art.º 15.º da Lei 99/2003 nomeadamente o seu n.º 3, os trabalhadores continuam a ser abrangidos pelos instrumentos de regulamentação colectiva existentes à data da entrada em vigor do Código de Trabalho e apesar deste.

3) Deve aplicar-se à sentença agora recorrida o princípio "extra vel ultra petitum" nos termos e para os efeitos do art.º 74.º do C. P. do Trabalho.

4) Na medida em que, tendo sido o despedimento considerado ilícito na douta sentença do Tribunal "a quo", deveria o Meritíssimo Juiz ter condenado a Ré, além do pedido da autora, também no pagamento retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, entendendo assim que se trata de um direito irrenunciável e que lhe assiste nos termos do n.º 1 do art.º 437.º do Cód. do Trabalho.

5) Deve prevalecer a justiça material sobre a justiça formal, sendo que é um direito da trabalhadora aqui recorrente receber todos os montantes ocasionados pela ilicitude do despedimento e que a lei contempla nas já citadas disposições legais.

6) A douta sentença do Tribunal "a quo" e o Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto devem ser reformulados, condenando em quantidade superior ao pedido nos termos do art.º 74.° do C. P. Trabalho e art.os 249.° e seguintes e 437.° do C. do Trabalho, sendo que, até à presente data, essa quantia já ascende o montante de € 22.140,00 (vinte e dois mil cento e quarenta euros).

Não houve contra-alegações e, neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se a favor da não concessão das revistas, em "parecer" a que as partes não reagiram.

Corridos os vistos dos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

  1. Os factos Os factos que, sem...

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