Acórdão nº 07S3906 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I.

  1. Contra a AA, S.A., intentou BB, no Tribunal do Trabalho de Aveiro, acção de processo comum solicitando a condenação da ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, com a categoria e antiguidade que lhe pertenciam ou, em alternativa, a pagar-lhe a indemnização substitutiva da reintegração, caso por esta viesse a optar, a pagar-lhe € 34,17 a título de subsídio de estudo relativo ao primeiro trimestre de 2004, a pagar-lhe € 53,87 a título de juros sobre o pagamento antecipado das acções subscritas pelo autor em Janeiro de 2002, a pagar-lhe € 147,07 a título de juros sobre o pagamento antecipado das acções subscritas pelo autor em Janeiro de 2003, a pagar-lhe as prestações pecuniárias que se vencessem até à data da sentença - ascendendo as já vencidas a € 6.306,75 - e juros.

    Sustentou, em súmula, que foi admitido pela ré em 10 de Janeiro de 1983, prestando aí trabalho no estabelecimento sito em Junqueira, Cacia, onde desempenhava funções de técnico no serviço de informática, vindo a ser-lhe instaurado processo disciplinar que culminou com o seu despedimento, ocorrido em 30 de Junho de 2004, sendo tal processo nulo, além de que a justa causa invocada inexistia, não lhe tendo a ré pago qualquer compensação e o subsídio de estudo do primeiro trimestre de 2004; aduziu ainda que comprou, em Janeiro de 2002 e Janeiro de 2003, respectivamente, 150 e 82 acções da Renault, a pagar em trinta prestações, vindo a ré, em 30 de Junho de 2004, aquando do pagamento do salário do autor pela cessação do contrato de trabalho, a retirar-lhe € 2,486,40 e mais € 2.776,36, destinados ao pagamento do preço dessas acções, razão pela qual lhe deve os montantes de juros referentes a esse pagamento.

    Após contestação da ré, e prosseguindo os autos seus termos, veio, em 31 de Julho de 2006, a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a reintegrar o autor no seu posto de trabalho sem qualquer prejuízo para a sua antiguidade e categoria, e a pagar-lhe todas as retribuições vencidas desde 8 de Maio de 2005 e as vincendas, incluindo férias e subsídios de férias e de Natal, tudo acrescido de juros.

    Inconformada, apelou a ré para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, por acórdão de 17 de Maio de 2007, julgou improcedente a apelação.

  2. É a seguinte a fundamentação carreada ao aresto recorrido: - "(...) E decidindo, dir-se-á que, como é consabido é pelo acervo conclusivo que se delimita o objecto da impugnação.

    E assim sendo, no caso concreto temos que a apelante coloca em síntese duas questões - a da nulidade da sentença por ter condenado para além do pedido - a que se prende com a legalidade ou ilegalidade do despedimento que determinou.

    Ora e relativamente é evidente que, por via de regra (e versando a acção sobre direitos disponíveis), é nula a sentença que condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido - artº 668º nº 1 e) do CPC-.

    Todavia e no domínio do adjectivo laboral a arguição das nulidades da sentença tem que ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso - artº 77º nº 1 do CPT - A Ré como se alcança pela simples leitura do seu requerimento de fls. 244, não obedeceu a tal comando.

    Pelo que, não pode esta Relação conhecer do eventual vício.

    No que concerne à legalidade ou ilegalidade do despedimento, a decisão da 1ª instância concluiu pela sua ilicitude, por manifesta desproporção e inadequação da medida disciplinar aplicada relativamente à conduta do A E fê-lo de modo a merecer a nossa inteira concordância e fundamentando de forma diríamos exaustiva e perfeitamente clara, apoiando-se nos textos legais atinente a tal problemática de tal forma que seria, em nosso modesto entender pura estultícia acrescentar o que quer que seja ao que foi escrito no Tribunal recorrido.

    Termos em que e concluindo, usando da faculdade prevista no artº 713º nº 5 do CPC, remetendo-se para a respectiva fundamentação, confirma-se a sentença em crise e consequentemente julga-se improcedente a apelação.

    (...)" 3.

    Dada a remissão feita do aresto de que se encontra extractada a totalidade da fundamentação, convém ser aqui transcrito o que foi exarado na sentença lavrada na 1ª instância.

    Assim, naquela peça processual, após se concluir pela não nulidade ou invalidade do processo disciplinar que conduziu ao despedimento do autor, escreveu-se: - "(...) Superada a questão da invalidade do processo disciplinar a questão fundamental a discutir nos presentes autos é a de saber se existiu justa causa para o despedimento dos Autores levada a cabo pela Ré.

    Estabelece o art.º 396º, n.º 1 do Código do Trabalho que o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constitui justa causa de despedimento.

    Decompondo o conceito de justa causa, constante do n.º 1, logo se vê que ele se analisa em três elementos, a saber: a) comportamento do trabalhador, culposo - elemento subjectivo; b) uma situação de impossibilidade prática de a relação de trabalho subsistir - elemento objectivo; c) uma relação causal - nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

    Tal significa que o comportamento do trabalhador tem de lhe poder ser imputado, atribuída a sua autoria [Imputar... é colocar na conta de alguém uma acção censurável, uma falta, logo, uma acção previamente confrontada com uma obrigação ou com uma interdição que essa acção infringe... ou... Imputar uma acção a alguém é atribuir-lha como sendo o seu verdadeiro autor, colocá-la, por assim dizer, na sua conta, e tornar esse alguém responsável por ela. Cfr. Paul Ricoeur, in O Justo ou a Essência da Justiça, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, pág. 38] - a título de culpa ou, no limite, a título de negligência, o que pressupõe que o trabalhador esteja no completo domínio das suas faculdades mentais, com capacidade de entender e de querer, nomeadamente, de entender que integra uma organização produtiva, dinâmica, de que ele constitui um elemento vivo.

    Por outro lado, a justa causa tem de ser apreciada em concreto, isto é, o comportamento do trabalhador tem de ser analisado integrado dentro da organização produtiva que é a empresa da entidade empregadora e face aos interesses desta; isto é, como o trabalhador é um elemento da empresa, integrado na respectiva organização dinâmica, o seu comportamento também tem de ser visto em acção, para se poder aferir da sua gravidade e consequências dentro e para a empresa. Para isso, interessa, nomeadamente, averiguar das relações entre o trabalhador e os seus colegas de trabalho, da relação entre o trabalhador e a empresa, saber da prática disciplinar em geral e em relação ao trabalhador em causa e todas as outras circunstâncias do caso.

    É fazendo o caldeamento crítico de todos estes elementos e circunstâncias que, caso a caso, se há-de concluir pela existência ou não de justa causa, face ao grau de gravidade da conduta, em si mesma e nas suas consequências, que determine a impossibilidade da manutenção do vínculo laboral. Pois, se atendendo ao princípio da proporcionalidade e fazendo apelo a juízos de equidade, for possível a conservação do contrato pela aplicação de sanção mais leve, é isso o que deve ser feito: o despedimento é a sanção mais grave a que se deverá recorrer apenas quando outra sanção não possa eficazmente ser aplicada - cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, in Curso do Direito do Trabalho, 2.ª edição com aditamento de actualização, 1996, a págs. 511 ss.; Jorge Leite, in Direito do Trabalho, da Cessação do Contrato de Trabalho, Coimbra, 1978, págs. 114 e segs.;António de Lemos Monteiro Fernandes, in Noções Fundamentais de Direito do Trabalho 1, 3.ª edição, 1979, págs. 307 e segs., José Maria Rodrigues da Silva, in Modificação Suspensão e Extinção do Contrato de Trabalho, Direito do Trabalho, Suplemento do Boletim do Ministério da Justiça, 1979, págs. 179 e segs.; Abílio Neto, in Despedimentos e Contratação a Termo, 1989, págs. 43 e segs.; Carlos Alberto Lourenço Morais Antunes e Amadeu Francisco Ribeiro Guerra, in Despedimentos e Outras Formas de Cessação do Contrato de Trabalho, págs. 82 e segs.; Pedro de Sousa Macedo, in Poder Disciplinar Patronal, págs. 70 e segs.; Costa Martins, Sobre o Poder Disciplinar da Entidade Patronal, in I Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, Coordenação de António Moreira, págs. 223 e segs.

    Por outro lado e como corolário do princípio da boa fé na execução dos contratos, é habitual apontar-se o dever de lealdade do trabalhador para com a sua entidade empregadora, pedra de toque do contrato de trabalho. Tal dever tem como correspectivo a confiança, aquele elemento fiduciário, infungível e intuitu personae, que é pressuposto fundamental do referido contrato, seja nos preliminares ou na sua celebração, mas sobretudo na sua execução.

    Nos presentes autos a Ré, na sequência do processo disciplinar, decidiu despedir o Autor com base nos seguintes factos: - o Autor consultou, sem autorização da Ré, elementos relativos à secção de compras e em especial os que dizem respeito à empresa EE; - o Autor possuía no interior da sua pasta pessoal dois cadernos A4 novos e uma navetta da Ré com 300 folhas A4 brancas próprias para imprimir, escrever ou fotocopiar, pertencentes à empresa; - no dia 3 de Abril de 2004 CC encontrou dentro de uma gaveta da secretária do Autor 2 guias destinadas à saída de material assinadas pelo director do departamento e ainda não preenchidas e 4 folhas fotocopiadas de uns apontamentos feitos por DD sobre uma formação que frequentou em finais de 2003, assim como dois sacos de plástico contendo réguas plásticas que servem para identificar a cablagem de rede nos bastidores dos locais técnicos.

    Quanto aos materiais que o Autor possuía dentro da sua pasta pessoal (cadernos e folhas brancas) nenhuma da factualidade apurada nos permite concluir que o Autor pretendia fazer seu aquele material, sendo certo...

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