Acórdão nº 07A3014 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução29 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, intentou, em 25.10.2002, no Tribunal Judicial da Comarca de V. N. Famalicão, acção declarativa de condenação, emergente de acidente de viação, sob a forma de processo comum ordinário, contra: Companhia de Seguros A... Portugal, S.A.

Pede a condenação da Ré: -

  1. No pagamento do conserto do motociclo ...-...-NP, no montante de € 4.419,20; - b) Indemnização por danos patrimoniais, no montante de € 110.000,00; - c) Indemnização pelo dano moral da perda do direito à vida, no montante de € 49.500,00; - d) E indemnização pelo dano moral da perda do marido, no montante de € 10.000,00.

Pretende ser indemnizada pelos danos decorrentes de um acidente de viação ocorrido em 28.8.2001, na EN nº310, no lugar de Lagoços-Bairro-V.N. de Famalicão, no qual foram intervenientes o motociclo com a matrícula ...-...-NP, conduzido por BB, marido da Autora, que faleceu em consequência do acidente, e o veículo automóvel ligeiro de mercadorias com a matrícula ...-...-FU, propriedade de J...da S...A... e conduzido por CC.

A Ré contestou, concluindo pela improcedência da acção.

Entretanto, o Instituto de Solidariedade e Segurança Social deduziu pedido de reembolso de prestações da segurança social, reclamando o pagamento da quantia de € 2.195,21, acrescida dos respectivos juros de mora, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento, pedido do qual a Ré foi absolvida da instância.

Mais tarde foi determinada a apensação a estes autos da acção 376/03.8TJVNF.

Nesta acção DD e EE, pais do falecido EE, pedem a condenação da Ré no pagamento, a título de danos não patrimoniais, da quantia de € 99.750,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

A Ré também contestou, concluindo pela improcedência da acção.

*** Elaborou-se o despacho saneador e, realizado o julgamento, foi a Ré condenada a pagar à Autora AA a quantia de € 6.500,00, por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, sendo absolvida do demais pedido.

[A decisão considerou ter havido culpas concorrentes dos protagonistas do acidente, atribuindo 10% ao condutor do FU, segurado na Ré, e 90% à vítima condutor do NP.] A acção intentada por DD e mulher foi julgada totalmente improcedente.

*** Inconformada, a Autora AA recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 26.2.2007 - fls. 263 a 300 - julgou a apelação parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar-lhe a quantia de € 32.500,00, [tendo considerado haver culpas concorrentes dos condutores na proporção de 50%], mantendo-a no mais.

*** Inconformados recorreram para este Supremo Tribunal a Autora e Ré A... Portugal.

*** A Autora, alegando, formulou as seguintes conclusões: A) - O Acórdão recorrido não se fundamentou correctamente nos factos alegados e dados como provados, violando vários dispositivos legais, estando pois arredado do melhor direito aplicável.

  1. - Do Acórdão ora posto em crise, resulta claro, a fls. 287 do mesmo, que o condutor do veículo FU avistou o condutor do veículo NP em sentido contrário e, por isso, deveria ter aguardado pela sua passagem e, só após iniciar manobra de mudança de direcção.

    Caso assim tivesse procedido teria evitado o acidente.

  2. - Diz também o Acórdão o que realmente causou o acidente não foi aquele excesso de velocidade mas a manobra de mudança de direcção para a esquerda do condutor do veículo FU. Se não fosse esta manobra o acidente não teria ocorrido.

  3. - E diz ainda mais à frente "o que verdadeiramente interfere na circulação e provoca o acidente é a manobra do condutor do veículo FU e não o excesso de velocidade do condutor do veículo NP. Se tivesse efectuado a manobra com os cuidados devidos, o acidente não teria ocorrido, apesar do excesso de velocidade do veículo NP".

  4. - Ora estando dito e provado o plasmado no acórdão não aceitável a repartição de culpas, sendo certo que o mesmo refere que o condutor do veículo FU teve um contributo superior ao do condutor do veículo NP, logo nunca as culpas poderiam ser repartidas na proporção fixada neste acórdão.

  5. - Não é de atribuir qualquer culpa ao condutor do NP, pois este confiou que o condutor do FU deixaria passar e só após iniciaria a manobra de mudança de direcção, como qualquer condutor confia que os outros irão cumprir as regras estradais, e o condutor do FU viu perfeitamente o veículo NP circular em sentido contrário, logo se o avistou teria de parar, pelo que violou culposamente o art. 35º do CE.

  6. - A sentença recorrida aponta como determinante para a ocorrência do embate e do resultado morte, a falta de capacete de protecção do condutor do NP, ora é jurisprudência maioritária de que a falta de capacete de protecção e para os efeitos do n°1 do art. 570° do Código Civil só releva quando o acidente fosse imputável ao veículo de duas rodas, o que não foi o caso, e logo não impende ao lesado o ónus de alegar e provar, que não obstante a falta de capacete, as lesões por si sofridas e com a gravidade atingida, teriam, na mesma ocorrido, caso levasse o capacete protector.

  7. - No caso dos autos a verificação do evento danoso coube a um estranho ao veículo de duas rodas, não há razões para reduzir o montante indemnizatório em atenção á falta de capacete! pois não faria sentido que o responsável-terceiro beneficiasse da estatuição normativa destinada à protecção da vítima esta não estaria nessas circunstâncias, em situação diferente da de um condutor de velocípede simples ao qual a lei não impõe o uso de capacete protector! I) - Não era ónus da Autora fazer a prova de que o capacete mesmo se usado não teria utilidade protectora, pois obrigado o lesado a provar o facto de não usar o capacete de protecção que em nada contribuiu para as lesões ou seu agravamento será as mais das vezes coonestar uma prova diabólica, como tal muito difícil de produzir.

  8. - Quanto ao uso ou não de capacete de protecção encontra-se em causa o cumprimento de disposições legais regulamentares tendentes a proteger interesses próprios do tripulante onerado, e sendo a responsabilidade de um terceiro como é a dos autos, encontra-se em causa a violação de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios, pressuposto essencial da responsabilidade civil - art. 483º, nº1, do Código Civil.

  9. - O simples não uso de capacete, porque mais nada resulta dos autos, não deve, mormente como no caso dos autos em que o acidente foi provocado por terceiro ser considerado concausal para as lesões sofridas, e para os efeitos do nº1 do art.570º do Código Civil, pois que em termos de previsibilidade normal e típica, se encontrara a margem do processo causador/desencadeador das lesões.

  10. - No caso em apreço não se toma mesmo possível concluir que o não uso do capacete, haja sido causal ou não causal das lesões sofridas, nada nos autos se encontra provado acerca do real contributo da aludida contra-ordenação estradal para a produção do dano.

  11. - As mesmas considerações anteriores são válidas para a contra-ordenação estradal pelo excesso de velocidade, até porque não se sabe se no momento do embate a velocidade era excessiva, se houve travagem, é que por vezes o obstáculo atrapalha e o condutor até acelera.

  12. - Discorda a recorrente também da sentença em que declara improcedente o pedido do dano patrimonial pela destruição do veículo, ora este atento o regime de bens assente nos autos em que se encontravam casados, aquela e o EE, aquele veículo era bem comum do casal, pelo que lhe pertencia a meação.

  13. - Estando provado nos autos que a recorrente AA era esposa do falecido EE, dúvidas não restam que aquela, conforme resulta da lei era a cabeça-de-casal no termos do art. 2060° do Código Civil sendo notório como no caso aos autos que a cobrança da indemnização pecuniária sempre perigava pela demora, atento que o prazo de prescrição do direito à indemnização é de três anos.

  14. - Outra discordância quanto à sentença recorrida reporta-se a nosso ver com a improcedência do pedido por danos futuros, que foi peticionado, embora fosse uma alegação simples, em que se faz referência ao vencimento da vítima, mas resulta do pedido conclusivo em que tal pedido se encontra discriminado no pedido conclusivo, concretamente na alínea b) sendo esse mesmo dano futuro que se peticiona, e esse dano futuro é peticionado ao abrigo do art. 564° do Código Civil, que é bem diferente do pedido formulado, como erradamente refere a sentença, ao abrigo do disposto no art. 495º, n°3, do Código Civil, que só abrange os danos causados pela perda dos alimentos que a Autora poderia receber da vítima.

  15. - O produto do trabalho - salário mensal - é bem comum do casal, nos termos do art. 1724° do Código Civil, e com a morte do EE frustraram-se os ganhos, sofrendo assim prejuízo a Autora que lhe advieram por não ter aumentado o seu património...

  16. - Para a indemnização pelos danos futuros não se exige que os mesmos sejam certos, bastando mera previsibilidade, que deverá aferir-se à luz da experiência comum devendo o Tribunal recorrer ao montante do salário auferido pela vítima e ao tempo de vida activa, e fazer apelo a um juízo de equidade, sempre se dirá atento a idade da vítima, cuja vida activa perduraria por longos anos, segundo o curso normal das coisas, é aceitável o peticionado valor de € 110.000.00.

  17. - Violou assim a sentença recorrida entre outros o disposto nos arts. 570°, 564º 483°, 2080º e 2089° do Código Civil.

    Pelo exposto e sem necessidade de quaisquer outras considerações, entendemos que revogando o douto acórdão recorrido, dando provimento ao recurso, condenando a Ré no pedido inicial.

    *** A Ré/recorrente formulou as seguintes conclusões: 1) Parado junto ao eixo da via, o automobi1ista tinha o sinal "pisca-pisca" de mudança de direcção à esquerda ligado; 2) À sua frente tinha um espaço livre e visível de cerca de 110 metros, até à curva seguinte, atento o seu sentido de trânsito; 3) Iniciou a manobra que, nessa posição, indicava com segurança aos demais utentes...

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