Acórdão nº 07A4338 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução22 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

AA intentou contra a BB, S.A.

acção declarativa de condenação com processo comum, sob a forma ordinária, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 213.169,07 € de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

Para tanto alega, em síntese: No dia 14 de Março de 2001, pelas 0 h e 30 m, no Largo ... em Coimbra, o condutor do veículo de passageiros segurado da Ré não respeitou um sinal que indicava que deveria dar passagem aos peões que atravessavam e avançou, vindo a colher o autor que atravessava a via, projectando-o a uma distância superior a 27 metros, causando-lhe lesões graves.

Regularmente citada, contestou a R., alegando a prescrição da acção, por terem decorrido mais de 3 anos, desde a data do acidente até à propositura da acção. Alega, também, que o autor atravessou a via de forma imprevista, estando o sinal de semáforo existente no local com a luz verde para o condutor segurado, o qual avistou a menos de 10 m o autor, não lhe sendo possível parar antes da colisão; que o autor atravessou fora das passadeiras existentes no local, a menos de 50 m, e usava roupas escuras que dificultavam a sua visualização pelos condutores.

Proferido despacho saneador, no qual foi conhecida a invocada excepção da prescrição, que foi considerada improcedente e se organizou a matéria assente e a base instrutória, não tendo havido reclamações.

Agendado e realizado julgamento, com observância do formalismo legal, respondeu-se à matéria de facto, sem que tivesse havido reclamações.

A final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, absolvendo-a do demais peticionado, condenou a seguradora Companhia de Seguros BB, S.A no pagamento ao autor AA, das seguintes quantias monetárias: a) de 150.000 €, a título de danos patrimoniais apurados e futuros; b) de 35.000,00 €, a título de danos de natureza não patrimonial; c) os juros de mora, vencidos desde a data da citação para contestação, à taxa legal vigente.

Recorreram, de apelação, o A. e a Ré, tendo a Relação de Coimbra julgado parcialmente procedente os recursos apresentados e, em consequência: a) Condenou a R., Real Companhia de Seguros, SA., a satisfazer ao A., AA, a título de indemnização por danos materiais (que acrescerá aos €3.169,07 de despesas indicadas na Sentença a fls. 337 v.º) a quantia de €125.000,00 (cento e vinte cinco mil euros); B) Condenou a mesma R. a satisfazer ao mesmo A., por referência às despesas (futuras) indicadas no item 2.4.1. deste Acórdão, nos termos do artigo 661.º, n.º 2, do CPC, o que vier a ser liquidado; C) E, no mais, confirmou a Sentença apelada.

Desta decisão recorre, de novo, o A., de revista, para este STJ e também a R., recursos que foram admitidos.

A Ré conclui as suas alegações do seguinte modo: 1ª. - Salvo o devido respeito, o Tribunal recorrido fez uma deficiente determinação dos factos provados, inadequada ponderação da prova produzida e consequente aplicação do direito, uma vez que a prova produzida nos autos impunha a improcedência da acção.

  1. - Não há duvidas que, ao não proceder à travessia da via pelas passadeiras existentes a menos de 50 metros do local onde o autor iniciou o atravessamento - uma a cerca de 10 metros e outra a cerca de 28 metros - o autor violou o n.º 3 da citada disposição legal, colocando em risco a sua segurança, uma vez que as passadeiras implantadas na via para a travessia de peões visam permitir uma travessia mais segura, já que, concomitantemente à sua existência, a lei estabelece regras de limitação à circulação das viaturas automóveis em aproximação às mesmas - vide art.º 103.º do Código da Estrada ao tempo em vigor.

  2. - E também teremos que relevar ainda o facto de ser de noite, o que diminui a visibilidade para quem circula na via... 4.ª - Pensamos que destes factos se terá que concluir que o acidente não teria ocorrido se a travessia tivesse sido concretizada numa das passadeiras aí existentes e a tanto destinadas, ou seja, entendemos que desta violação "tout court" resulta estabelecido o nexo de causalidade adequado entre o facto e o dano - cfr. art.º 483.º do Código Civil.

  3. - Parece, pois, que só à própria vítima se pode atribuir a culpa na eclosão do sinistro, porquanto este se verificou tão só como resultado ou consequência adequada da sua conduta negligente, inconsiderada e violadora do disposto no art. 101º, nº 1, do Código da Estrada.

  4. - Se o demandante tivesse tomado estas cautelas, não iniciaria a travessia da via. E competia-lhe provar que poderia ter atravessado a via sem perigo de colisão.

  5. - Se se entender que esta conduta do condutor seguro contribuiu também para a ocorrência do presente sinistro, o que só por mera cautela se concede, então poderá haver lugar a uma repartição de culpas, sendo que se deve estabelecer uma maior percentagem para o peão, sempre na ordem de 80% para o peão e 20% para o condutor do veículo seguro.

  6. - Ao não decidir assim, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 3.º; 101.º e 103 todos do Código da Estrada; artigos 659.º, n.º 3, e 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

  7. - Quanto à determinação do montante indemnizatório relativo aos danos patrimoniais entendemos que a indemnização apenas pode ser fixada segundo critérios de equidade e normalidade, sendo impossível pretender alcançar um valor que espelhe exactamente o dano sofrido.

  8. - No caso, há que atender à incapacidade temporária total, no que respeita às tarefas da vida corrente e à incapacidade especial para o exercício da actividade, a graduação do "quantum doloris", o prejuízo estético e o desgosto de se ver na situação em que se encontra; é certo que o autor viu a sua saúde afectada de forma grave, teve dores, sofrimento que ainda se mantém e irá permanecer no futuro, das sequelas, que se poderão traduzir num aumento da incapacidade permanente geral, acarretando desde já alguma apreensão com as naturais repercussões a nível psicológico.

  9. - Todos estes danos merecem a tutela do direito e num critério equitativo é ajustada a importância de € 20.000,00 a atribuir ao autor, revogando-se desse modo a sentença recorrida. Isto sem ter de considerar o supra alegado quanto à responsabilidade pelo presente sinistro.

  10. - Ao não os interpretar da forma acima assinalada, o tribunal a quo violou, entre outros, os art.ºs 496.º e 562.º do Código Civil.

  11. - Quanto aos danos patrimoniais futuros, dispõe o artigo 564.º, n.º 2 do C.C. que "na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior".

  12. - No presente caso, haverá que ter em conta o grau de incapacidade que o autor ficou a padecer - 25% mais 5% a título de dano futuro; o salário que auferia à data, a progressão da carreira profissional comprometida pela progressão de incapacidade, com ganhos de produtividade e evoluções salariais, como era expectado pelo autor, o seu rebate profissional em consequências das lesões; tempo provável de vida activa até atingir os 65 anos de idade; a inflação anual.

  13. - Este ponto ganha acuidade quando é certo que estamos perante um dano patrimonial e que pode divisar-se a possibilidade de o lesado auferir rendimentos em profissões alternativas e, destarte, em concreto, não ocorrer qualquer perda de aquisição de rendimento.

  14. - Sucede que o lesado continuou a exercer a sua actividade profissional embora, como se refere no Relatório do Gabinete Médico Legal, "as sequelas exigem esforços acrescidos no exercício profissional específico do examinado".

  15. - Ora, o lesado não está impedido de continuar a exercer a sua profissão, antes pelo contrário, continua a exercer a sua actividade, embora, também é justo dizer, com algumas limitações. Mas essas limitações são de carácter físico, o que não impede a progressão na carreira.

  16. - Ora, o tribunal não pode ignorar que o nível de rendimento do lesado não foi afectado.

  17. - De qualquer forma, o Tribunal não pode atender de imediato à consideração do dano futuro correspondente ao provável agravamento das lesões - 5%.

  18. - De facto, e como diz no referido Relatório Médico, este tipo de valoração corresponde ao agravamento das sequelas que com elevada probabilidade se irá registar e que pode traduzir-se num aumento da IPP. Quer isto dizer que este agravamento não é actual, podendo ou não relevar-se no futuro.

  19. - Como bem se refere no acórdão recorrido: ... Todavia, tenha-se presente que a circunstância da incapacidade laboral acarretar, ou não, como efeito directo, uma diminuição mensurável da remuneração, não deixa de constituir um elemento relevante, que, como tal, deve ser pesquisado e atendido na determinação do quantum indemnizatório. Sublinha-se, porém, e trata-se de um aspecto relevante na presente situação, que a não existência desse efeito concreto não exclui a consideração indemnizatória de uma incapacidade parcial permanente percentualmente expressa. E não exclui, sublinha-se também, que a indemnização neste caso possa ter como ponto de referência um cálculo assente nas três variáveis mencionadas no início deste item.

  20. - E em outro passo, continua: A constatação de que o A. mantém (retomou), não obstante uma significativa modificação pejorativa, a prestação do mesmo trabalho anterior ao acidente (era e é professor) com o nível remuneratório que lhe corresponderia independentemente desse evento, constitui um factor fundamental na ponderação do montante indemnizatório a conceder, abrindo um campo particularmente adequado a uma ponderação equitativa do montante a conceder.

  21. - No presente caso, e considerando todas as vertentes alegadas, temos para nós que, em termos de equidade, é ajustada a importância de € 50.000,00 a atribuir ao autor/recorrido, sem prejuízo do que se alegou quanto à matéria da responsabilidade civil.

  22. - A não se considerar assim, estaríamos a provocar um enriquecimento...

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