Acórdão nº 07P3177 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução09 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA veio interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão da Vara Criminal de Lisboa que a condenou na pena de quatro anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de burla qualificada previsto e punido nos termos dos artigos 217 e 218 nº2 alínea b) do Código Penal; quatro anos de prisão pela prática de cada um de dez crimes de crime de burla qualificada previsto e punido nos termos dos artigos 217 e 218 nº2 alínea b) do Código Penal; um ano e seis meses de prisão pela prática de cada um de dois crimes de burla qualificada na forma tentada previstos e punidos nos termos dos artigos 217 e 218 nº2 alínea b), 22 3 e 23 do Código Penal.

Em cúmulo jurídico foi condenada na pena de dez anos de prisão As razões de discordância da recorrente encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: 1° De acordo com o disposto no art. 71° do Código Penal a determinação da medida da pena, deverá ser feita atendendo à culpa do agente e ainda às exigências sociais de prevenção.

  1. Sendo certo que, a pena não pode em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, conforme art. 40° do mesmo Código.

  2. Assim, a medida da pena deverá atender à culpa e prevenção, adequando-se de forma proporcionada, de forma a atingir os objectivos definidos no já referido art. 40°.

  3. A prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena, nomeadamente a preocupação de evitar a quebra da inserção social do agente do crime.

  4. O art. 40 enuncia no nº1 o objectivo da aplicação de penas e medidas de segurança como sendo a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

  5. Ora, atendendo ao caso sub judice, afigura-se clara a violação deste preceito, pois, atendendo à idade, situação sócio - económica e condições de saúde da recorrente, é evidente que a pena determinada, após efectuado o cúmulo jurídico de 10 anos de prisão efectiva, inviabiliza qualquer possibilidade de reinserção social da recorrente na sociedade.

  6. Sendo certo que estando a recorrente sujeita à medida de permanência na habitação mediante vigilância electrónica desde 1 de Setembro de 2005, tendo 57 anos e apenas a frequência da 2 classe, pelo que lê e escreve com dificuldade, não será necessária nem adequada uma pena de prisão de 10 anos para cumprir as exigências sociais de prevenção.

  7. Considera ainda a recorrente que o mínimo de pena considerado imprescindível para a satisfação das expectativas comunitárias é inferior à pena que foi determinada.

  8. Sendo compreensível que a pena possa e deva corresponder a uma expectativa geral da sociedade, cujo anseio colectivo é o castigo do infractor, é preciso não esquecer que a necessidade de ressocializar o referido infractor é ainda mais importante.

  9. Considera ainda a recorrente que foi violado o art. 77 do Código Penal pois não se atendeu no cômputo da pena à personalidade da recorrente mas tão só aos factos.

  10. Tendo o Tribunal considerado a culpa e actuação da ora recorrente, não atendeu às suas limitações culturais e sociais, nem a todo o seu contexto familiar, pobre e problemático, nomeadamente devido à existência de membros próximos da recorrente (filhos), com problemas de toxicodependência com alguma gravidade e que a ora recorrente tentou resolver, recorrendo à prática dos crimes por que foi condenada para obter as quantias necessárias para a referida resolução.

  11. Assim, crê a recorrente que todos os objectivos da aplicação da pena seriam igualmente cumpridos com uma pena de prisão inferior aquela que foi determinada, possibilitando a sua futura reinserção social.

Respondeu o Ministério Público propondo a confirmação da decisão recorrida.

Nesta instância a ExªMª Srª Procuradora Geral Adjunta pronunciou-se no sentido constante de fls.

Os autos tiveram os vistos legais.

Cumpre decidir.

Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade: 1. A arguida AA, após ter cumprido pena de 7 anos e 9 meses de prisão pela prática de vários crimes de burlas no Estabelecimento Prisional de Tires, foi libertada no dia 19.04.2002, ficando sujeita a liberdade condicional até 19.06.2005.

  1. Em data não concretamente apurada, compreendida entre 19 de Abril de 2002 e 28 de Abril de 2003, a arguida decidiu retomar a prática dos factos pelos quais já sofrera condenação em pena de prisão efectiva, como forma de auferir proveitos económicos para prover ao seu sustento. Nesta sequência, a arguida elaborou um plano que consistia em abordar mulheres de idade avançada, vivendo sozinhas, com a simulação da ocorrência de um acidente ou de uma doença de parentes ou amigos próximos daquelas, invocando a necessidade de lhe serem entregues quantias em dinheiro para tratar de assuntos médicos ou outros relacionados com tais situações, com a intenção de as determinar à entrega de tais quantias, com as quais se locupletaria.

    Para melhor executar este plano, antes de abordar as pessoas com do estratagema referido, a arguida, de forma que não se logrou apurar, obtinha informações sobre a situação familiar e os hábitos daquelas, de molde a dar uma aparência de credibilidade/veracidade aos relatos que lhes iria fazer e melhor convencê-las a entregarem lhe as quantias monetárias para se locupletar.

    Assim: 3. Em data não concretamente apurada, compreendida entre 19 de Abril de 2002 e 28 de Abril de 2003, em Lisboa, a arguida aproximou se de BB, a quem informou que um seu neto estava internado no Porto e necessitava de quantia monetária de valor não determinado para tratar de assuntos relacionados com o acidente que concretamente não foi possível apurar.

    BB, acompanhada pela arguida, deslocou se de imediato à sua residência, sita na Av. .........., nº.....,°Drt Lisboa, onde lhe entregou quantia monetária de valor não determinado.

    Na supracitada morada residia também CC, em Novembro de 2006, com 77 anos, a qual ao escutar as afirmações da arguida, na disposição de ajudar a sua amiga DD, de imediato fez a entrega de quantia monetária de valor não determinado.

    Na posse da quantia que lhe foi entregue, a arguida ausentou se da residência para lugar incerto.

    Com a sua conduta a arguida logrou receber das ofendidas quantia monetária de valor indeterminado que gastou em proveito próprio.

    O que a arguida bem sabia não corresponder à verdade. Agiu a arguida deliberada, livre e conscientemente.

    Com a intenção de alcançar para si, como alcançou, benefícios económicos que sabia indevidos e prejudicar as ofendidas, como prejudicou.

    Bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

  2. No dia 3 de Outubro de 2003, no Centro Comercial das Amoreiras, em Lisboa, a arguida abordou EE, em Novembro de 2006, com 81 anos.

    No âmbito da conversa estabelecida com EE, a arguida afirmou a FF que o seu sobrinho sofrera um acidente e necessitava urgentemente de €500 euros.

    Perturbada com esta notícia e na aflição de acorrer ao sobrinho, a ofendida deslocou se a sua casa, sita na Rua ............, n.º ...°, ... esq. 0, em Lisboa, acompanhada pela arguida a quem fez a entrega dos € 500 euros pedidos pela mesma. Nessa altura a ofendida facultou à arguida o número de telefone de sua casa, pedindo lhe para ser informada do estado de saúde do sobrinho.

    Na posse da quantia referida e do número de telefone da ofendida, a arguida abandonou o local.

    Alguns dias depois, em data não concretamente apurada, a arguida telefonou para casa da EE, solicitando € 800 euros para resolver os problemas de saúde do sobrinho.

    A ofendida acedeu.

    A hora, data e local não concretamente determinadas a arguida compareceu e recebeu da ofendida os €800 euros, tendo de imediato abandonado o local para parte incerta.

    Alguns dias depois, em data e hora não determinadas, a arguida voltou a telefonar para a habitação de EE, pedindo lhe a quantia de € 2000 para resolver a situação do seu sobrinho.

    A arguida encontrou se com a ofendida, altura em que a mesma a informou que não tinha consigo a quantia de €2000, tendo de se deslocar à agência da Caixa Geral de Depósitos de Campo de Ourique, onde possuía conta, a fim de realizar o levantamento da quantia pedida.

    Perante o que a ofendida lhe comunicou a arguida alegou estar com muita pressa e sugeriu que se deslocassem antes à agência da CGD da Rua ......., na Lapa, Lisboa, o que foi aceite por aquela.

    Assim, a arguida acompanhou a ofendida até junto do balcão da CGD da Rua Buenos Aires, onde a mesma procedeu ao levantamento da quantia de € 2000 que entregou à arguida.

    Na posse desta quantia a arguida abandonou de imediato o local.

    Com as suas condutas a arguida logrou receber da ofendida a quantia total de € 3 300 que gastou em proveito próprio.

    Sendo certo que a ofendida apenas lhe entregou tal quantia, uma vez que com toda a sua actuação e encenação, a arguida a tal a determinou, impressionando a e convencendo a da veracidade das suas palavras.

    O que a arguida bem sabia não corresponder à verdade.

    Agiu a arguida deliberada, livre e conscientemente.

    Com a intenção de alcançar para si, como alcançou, benefícios económicos que sabia indevidos e prejudicar a ofendida, como prejudicou.

    Bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. A arguida foi reconhecida pela ofendida pessoalmente.

    Após o sucedido EE ficou amedrontada e angustiada. Dirigiu-se á PSP onde apresentou queixa.

    Em data e hora não concretamente apuradas compreendida entre 19 de Abril de 2002 e 18 de Novembro de 2003, junto da junta de Freguesia de Nossa Senhora de Fátima, na Av. ......... n.º ......., em Lisboa, a arguida aproximou se de GG, em Novembro de 2006, com 87 anos, a quem tratou pelo nome "D. GG, dizendo lhe que o seu filho tinha sofrido um acidente de carro, sendo necessário 80 contos, mas a D. GG só precisava de lhe entregar 50 contos porque o restante a arguida assegurava.

    A arguida então insistiu para que a GG lhe entregasse os € 250, mas esta informou a que não tinha aquela quantia, tendo combinado um encontro...

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