Acórdão nº 07P4855 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução09 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Através de difusão no âmbito do sistema Schengen, o Gabinete Nacional Sirene comunicou ao Grupo Operativo da Polícia Judiciária a existência de um mandado de detenção europeu inserido naquele SIS, contra o cidadão holandês AA, com os sinais dos autos.

Na sequência dessa comunicação procedeu-se à detenção da pessoa procurada, a qual foi conduzida ao Tribunal da Relação Coimbra, onde se processou a sua audição e lhe foi aplicada a medida de coacção de apresentação diária, com obrigação de não se ausentar para o estrangeiro e retenção do passaporte.

No acto de audição foi requerida a fixação de prazo para oposição e apresentação de meios de prova, com declaração de não renúncia ao princípio da especialidade.

Apresentada a oposição no prazo concedido, à qual respondeu o Ministério Público, o tribunal, mediante acórdão, deferiu a execução do mandado de detenção europeu para cumprimento de uma pena de 300 dias de prisão, pena aplicada pela prática dos crimes de omissão da declaração mensal do pagamento de salários a funcionários, falsificação e falência fraudulenta (1), sob condição de ser assegurado pela autoridade judiciária competente que o executado terá, depois de notificado da sentença condenatória, o direito de recorrer da sentença que o condenou ou ser submetido a novo julgamento com a sua presença e com garantia dos direitos de defesa.

Inconformado, interpôs recurso o requerido.

São do seguinte teor as conclusões extraídas da motivação de recurso: I.O conteúdo e forma do mandado europeu impõe a transmissão de um elenco de informações cuja existência é "conditio sine qua non" de apreciação da sua regularidade formal e substancial e pedra angular do exercício dos direitos de defesa do arguido.

II.Do conteúdo do MDE emitido para entrega do recorrente, ressalta um conjunto de omissões que, para além de afectarem a sua validade formal, não permitem um controlo jurisdicional pertinente das causas de recusa de execução do mandado, nem, tão-pouco, o exercício de um justo e equitativo contraditório em relação às condições de válida execução do MDE.

III.Assim, não consta do MDE, nem dos autos, qualquer referência à força executiva da sentença proferida pelos tribunais holandeses, designadamente se a já transitou em julgado, nem foram precisadas pelas autoridades holandesas quais as concretas garantias jurídicas susceptíveis de serem mobilizadas pelo recorrente no seio do ordenamento jurídico holandês, sendo certo que o julgamento teve lugar sem que este tivesse sido inquirido não tendo sido sequer comunicada qualquer decisão nem tão pouco notificado de qualquer acusação.

IV.A ausência de indicação informativa do trânsito em julgado da decisão holandesa, nos termos do disposto no artigo 3. °, alínea c), implica o não cumprimento dos requisitos formais do mandado, razão pela qual, mesmo a considerar-se processualmente essa realidade como uma "irregularidade c sanável" nos termos do disposto no artigo 123.° do CPP, não se vislumbra que a mesma tenha sido sanada, designada mente através de algum pedido de esclarecimento remetido às autoridades holandesas.

V.A norma dos artigos 3.°, n.º 1, alínea c) da Lei n.º 65/03, e no artigo 123.° do CPP, interpretada no sentido de, não constando do MDE ou de documentação a ele relativa a indicação do trânsito em julgado da decisão condenatória, considerar-se sanada tal irregularidade, por violação do disposto nos artigos 2.°, 20.º e 32.º, n.º 1, da CRP.

VI.Também não se mostram cumpridos os requisitos consagrados no art. 3° alínea. e), da referida lei, pois que as menções efectuadas não concretizam as circunstâncias de tempo, lugar e modo de forma a permitirem um controlo de legalidade da entrega e, bem assim, a defesa do arguido a esse título.

VII.Tal norma tem aplicação mesmo nos casos em que o pedido se dirige a uma entrega para cumprimento de uma condenação, não se encontrando consumida pela alínea c) do n.º 1, do citado preceito, ou seja a indicação de uma sentença com força executiva.

VIII.Maxime quando, como no caso presente, o julgamento foi realizado na ausência do arguido e em que a decisão condenatória não lhe foi notificada nem acompanha o mandado de detenção.

IX.A norma do artigo 3.°, n.º 1, alíneas. c) e e), da Lei n.º 65/03, quando interpretada no sentido de que quando se estiver perante um pedido de entrega para cumprimento de uma condenação, é suficiente que o MDE contenha a indicação da existência de uma sentença com força executiva, não sendo necessário, mesmo quando a sentença indicada tiver sido proferida em julgamento sem a presença do arguido e inexistir notificação da decisão da sentença condenatória, que dele conste uma descrição circunstanciada das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que a infracção foi cometida, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos nºs 2.º, 20.º (na parte em que daí se extrai o direito a um processo justo e equitativo) e 32.° da CRP.

X.Sendo também inconstitucional, pelos mesmos fundamentos, interpretação conjugada dessa norma com o disposto no artigo 123.º do CPP, no sentido de permitir que a ausência de tais indicações se considere sanada quando as mesmas não constam do MDE ou de documentação posterior prestada pelo Estado emissor.

XI.Subsidiariamente, considera-se que o artigo 3, ai. e), da Lei n.º 65/03 interpretado no sentido de não exigir que o mandado de detenção europeu concretize com precisão as circunstâncias de tempo, modo e lugar da infracção, é inconstitucional por violação do art. 32°, n.º 1 da CRP, XII.E, retendo que a "descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento o lugar e o grau de participação" jamais pode dar-se por preenchida com a mera remissão para tipos penais e para a respectiva epígrafe, sendo também inconstitucional, pelos motivos que atrás se adiantaram, a norma do artigo 3. °, n.º 1, alínea. e), da Lei n.º 65/03, quando interpretada no sentido de admitir que para concretização das circunstâncias em que a infracção foi cometida é bastante a mera remissão para tipos legais de crime e respectiva epígrafe.

XIII.O Tribunal da Relação, ao indeferir a prova requerida sem formular qualquer juízo sobre a sua desnecessidade para a boa decisão da causa, violou o disposto no artigo 340.º, n.º 1, do CPP.

XIV.E aplicou implicitamente o artigo 340.°, n.º 1, do CPP, numa dimensão normativa violadora do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, qual seja a de admitir que o tribunal indefira um requerimento de produção de prova independentemente de um juízo sobre a sua (des)necessidade para a boa decisão da causa.

XV. O Tribunal da Relação não deu resposta à questão relativa à prescrição do procedimento criminal que foi alegada por consubstanciar uma causa legítima de recusa da execução do MDE.

XVI.É incontornável que há muito decorreram os prazos de prescrição do procedimento criminal e da pena que resultam da lei portuguesa para os ilícitos penais que vêm imputados ao recorrente.

XVII.A aplicação das normas legais de natureza garantística (como as constantes dos artigos 11. ° e 12. ° da Lei n.º 65/2003) não pode ser prejudicada pela inexistência de elementos fácticos que possibilitem ao tribunal verificar se as hipóteses normativas pertinentes podem, ou não...

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