Acórdão nº 07P4850 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelRAÚL BORGES
Data da Resolução02 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

A cidadã AA, viúva, nascida em 29-12-1946, filha de H...A...e de J...G...A..., natural de Dachau, Alemanha, com dupla nacionalidade - alemã e portuguesa - esta desde que casou, em 1965, portadora do BI nº ..., emitido em Lisboa, em 02-06-1999, residente na Rua da Galiza, nº ..., Vivenda ...., Galiza, S. João do Estoril, Cascais, foi detida em 13-10-2006, por contra ela existir um Mandado de Detenção Europeu, inserido no Sistema Schengen, com o nº DP061880016115, proveniente das autoridades judiciais alemãs (Tribunal Local de Berlim - processo nº 349 GS 1798/06), por cometimento de fraude, na forma tentada, no valor de 304.218, 68 euros.

Procedeu-se à audição da detida no mesmo dia, na presença de Mandatário e de Intérprete, tendo-se a mesma oposto à execução do mandado e declarado não renunciar ao princípio da especialidade, invocando como fundamento de oposição o motivo de recusa facultativa previsto no artigo 12º, nº 1, alínea h) da Lei 65/03, alegando que parte dos factos poderiam ter sido praticados em território português, que a dívida remontaria a 1992, estando em causa uma declaração que poderia ter sido emitida e assinada em Portugal, requerendo a concessão de um prazo de 10 dias para dedução de oposição e apresentação de provas.

Foi proferido despacho a deferir o pedido de apresentação de provas até dia 20 seguinte.

No que respeita a medida de coacção foi determinado que a procurada aguardasse a decisão sobre a execução do MDE em liberdade provisória, com sujeição à obrigação de apresentação diária à entidade policial na área da sua residência e à proibição de se ausentar sem autorização do Tribunal para fora da área do distrito de residência e do local de trabalho, bem como da proibição de se ausentar para o estrangeiro, devendo prestar TIR nos termos do artigo 196º do CPP.

Mais se determinou a requisição ao Tribunal Alemão, com muita urgência, de informação mais pormenorizada sobre o tipo de factos imputados, o território da sua prática, se havia indicação provável da sua comissão no todo ou em parte no território português e qual a medida de coacção efectivamente determinada para a arguida segundo a lei alemã. Sendo possível deveria também esclarecer se a fraude englobava ou não a prática de falsificação de documentos.

Sendo o pedido formulado em 17 a resposta foi junta em 20 seguinte - fls. 22 a 24 - dela se retirando no essencial que o Exmo. Procurador de Berlim respondia que os crimes foram cometidos em território alemão, existindo fortes indícios no que respeitava ao crime de burla, mas não no que dizia respeito ao crime de falsificação. E que de acordo com a lei germânica uma prisão preventiva devia ser ordenada e que a pena prevista era de dois anos de prisão.

Na audiência de 24-11-2006, destinada a alegações orais, a arguida apresentou prova testemunhal, indicando os nomes de quatro cidadãos e requereu a junção de três tipos de documentos.

Sobre o impetrado foi deliberado considerar desnecessária a junção de cópia de certidão de registo comercial da sociedade da arguida por se mostrar já assente a sua situação profissional, com base nas declarações iniciais.

Relativamente à prova testemunhal e aos dois outros tipos de documentos - cópia dos 4 documentos do reconhecimento de dívida em causa nos autos e cópia da injunção proposta no Tribunal de Berlim contra as 3 queixosas no processo crime alemão que deu origem ao MDE, o qual vinha acompanhado de cópia de carta de advogado alemão que propôs a injunção - foi deliberada a sua não admissão.

Para tanto foi considerado que atenta a causa de recusa invocada, pressupondo a ocorrência, ainda que parcial, dos factos em território português, relacionados com falsificação de documentos, face à resposta do Mº Pº alemão no sentido de que a investigação corria apenas por factos ocorridos na Alemanha e tão somente por crime de burla, era irrelevante a produção de prova para a formação da decisão do Colectivo, podendo os documentos ser relevantes apenas para a questão de mérito no processo alemão.

Por acórdão de 31-10-2006 foi determinada a execução definitiva do MDE contra a procurada, com entrega após o trânsito às autoridades alemãs para prossecução do procedimento criminal com referência aos §§ 263 (1, 2), 22, 23 do C.P. Alemão, ficando a decisão de entrega sujeita na sua execução à condição de a autoridade requerente garantir que a arguida será devolvida a Portugal para aqui cumprir pena ou medida de segurança privativas de liberdade em que venha a ser condenada na Alemanha.

Foi ainda ordenado, desde logo e independentemente do trânsito em julgado, se oficiasse à autoridade emitente para informar se prestava a garantia exigida.

"Sendo prestada, a execução, mesmo que tenha transitado em julgado a decisão, só se cumprirá depois de considerada válida tal garantia.

Se a garantia não for prestada, a execução não terá lugar e o processo será arquivado".

Foi ainda mantida a medida de coacção fixada.

A arguida interpôs recurso da decisão - fls. 79 - apresentando a motivação de fls. 80 a 106.

Em 15-11-2006 foi dada informação de que as autoridades alemãs se comprometiam a que a procurada cumprisse pena em Portugal desde que o requeresse.

Por acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 30-11-2006 - fls.132 a 163 - foi anulado o acórdão da Relação, por não enumerar a base factual imputada à arguida, exigida pelo artigo 3º, alínea e), da Lei 65/03, considerando tratar-se "de matéria absolutamente essencial à decisão da causa e ao exercício dos direitos de defesa da arguida", devendo ser solicitado o MDE, e "na nova decisão, a Relação de Lisboa enumerar a matéria de facto imputada à arguida, e, eventualmente, outros elementos complementares que entenda necessários, nomeadamente quanto à situação processual e incriminação jurídico-penal, a colher junto da Entidade competente".

Na Relação é proferido despacho a fls. 167, no sentido de serem satisfeitas as pretensões expostas no acórdão do STJ.

O Mº Pº de Berlim, em 02-02-2007, responde ao pedido formulado, acrescentando informações com referência aos factos imputados à "prescrutada", conforme fls. 177/8.

Por não se mostrarem satisfeitos cabalmente os pedidos, nova insistência é feita por despacho de fls. 180, pedindo-se ainda outros esclarecimentos, insistindo-se a fls. 182 e 197.

Por despacho de fls. 234 foi ordenada a notificação à arguida da junção dos documentos.

A arguida exerceu o contraditório conforme fls. 243 a 249, aproveitando o ensejo para invocar condições pessoais, como adiantada idade e estado de saúde debilitado, requerendo a final a sua audição relativamente a matérias constantes do MDE e de esclarecimentos prestados pela Promotora Pública de Berlim.

Por despacho de fls. 253 v º foi considerado não se afigurar útil e necessária a audição requerida.

O Tribunal da Relação de Lisboa, em 06-11-2007, procedeu à elaboração de novo acórdão, de fls. 255 a 293, em cumprimento do decidido pelo STJ, em que em substância é repetida a decisão, acrescendo a inserção da matéria de facto assacada à arguida, referindo que a questão de saúde da arguida será apenas, se verdadeira for, motivo de suspensão temporária da entrega.

Irresignada, a procurada interpôs recurso, apresentando a motivação de fls. 304 a 329, que remata com as seguintes CONCLUSÕES: 1. Os presentes autos tiveram início com a detenção da arguida na sequência da emissão pelas autoridades alemãs de um Mandado de Detenção Europeu para prossecução de procedimento criminal contra a Recorrente.

  1. De acordo com o MDE finalmente junto aos autos a Recorrente intentou uma intimação para pagamento num Tribunal Alemão contra os herdeiros de BB com base em declarações de dívida assinadas pela falecida BB.

  2. Afirma-se ainda que a requerida, quando foi intentada a intimação para pagamento, sabia que as assinaturas constantes das declarações de dívida não tinham sido efectuadas pela BB.

  3. A requerida confirmou a propositura da acção mas esclareceu que estava (e está) convencida de que as assinaturas apostas nos documentos efectivamente pertenciam a BB, convicção que saía reforçada pelo facto de das aludidas declarações constar igualmente a assinatura de uma testemunha, sendo que a própria requerida não havia presenciado a assinatura do documento.

  4. De acordo com informação de uma Promotora Pública (fls. 177 e 178 dos autos) "as investigações revelaram que os títulos de dívida com quase certeza absoluta não foram assinados pela emitente BB".

  5. Esclareceu-se que não se sabe se há ou não falsificação da assinatura ao contrário do que consta do MDE.

  6. Acresce ainda que, tal como a Recorrente sempre afirmou e aceitando-se por mera cautela de patrocínio que os factos descritos no MDE são verdadeiros, os factos integrantes do tipo de burla na forma tentada sempre teriam sido praticados pela requerida em território nacional.

  7. A requerida contactou, em Portugal, o seu advogado alemão (Dr. A...W...) pedindo-lhe que este tomasse as providências necessárias para reclamar o pagamento da dívida a que se achava ter direito.

  8. A requerida nunca se deslocou para esse efeito ao território alemão tendo dado todas as instruções ao seu advogado a partir de Portugal, onde reside há mais de 40 anos.

  9. A requerida não instruiu expressamente o advogado acerca de qual o concreto procedimento a adoptar pois além de não possuir formação em Direito desconhece por completo a lei alemã por residir no nosso país há mais de quarenta anos.

  10. Foi o seu advogado que decidiu qual o melhor meio de obter o pagamento da dívida e apresentou o requerimento no Tribunal competente para obter uma intimação de pagamento. 12. A responsabilidade criminal é pessoal pelo que há que averiguar onde é que a requerida terá praticado os factos típicos que determinam a sua eventual responsabilidade nesta questão.

  11. Hipótese que é até aceite pela Promotora Pública de Berlim: "não sabemos se a ré, cujo endereço em Portugal encontra-se (sic) no requerimento de remissão de intimação de pagamento, deu ao seu...

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