Acórdão nº 07P3202 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelSORETO BARROS
Data da Resolução19 de Dezembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. AA, identificado nos autos, recorre do acórdão de 12.06.07, do Tribunal da Relação de Lisboa, que negou provimento ao recurso interposto da decisão de 04.01.07, da 3.ª Vara Criminal de Lisboa (proc. n.º 120/05), que, em síntese, decidiu : julgar a acusação do Ministério Público parcialmente procedente por provada, e condenar : - O arguido AA, pela prática de quatro crimes de crimes de roubo p. e p. pelo artº 210.° n.° 1 e 2, al, b), com referência ao art. 204, nº 2 al. f) todos do Código Penal , na pena de quatro anos de prisão, por cada um deles, indo em cumulo jurídico das penas parcelares aplicadas condenado na pena única de oito anos e seis meses de prisão.

    - O arguido GG pela prática de dois crimes de roubo, p. e p. pelo art.210, n°1 e 2, al,b), com referência ao art.204, nº2 al. f) todos do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão por cada um deles, pela pratica de um crime de roubo, na forma tentada, p. e p. pelo art.210, n°1 e 2, al.b), com referência ao art.204, nº2 al. f), 22º, 23º e 73º nº1 al. a) e b) do Cod. Penal na pena de dois anos e seis meses de prisão e pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art.275, nº1 do Cod. Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, indo em cumulo jurídico das penas parcelares aplicadas condenado na pena única de seis anos e oito meses de prisão.

    (...) 1.

    1 O recorrente termina a motivação com as seguintes conclusões : 1. O recorrente é jovem, não tem antecedentes criminais e projecta voltar para o Brasil onde tem o apoio familiar, mulher e filhos e a promessa de um emprego digno.

  2. O recorrente acha-se inocente dos actos por que veio agora condenado.

  3. Motivou o Tribunal Colectivo a condenação do arguido pela valoração da tão discutida prova por reconhecimento.

  4. Mais nenhuma prova senão o reconhecimento pessoal, art° 147º do C.P.P., resultou positiva na colocação do recorrente no local do crime, o que, atendendo a manifesta fragilidade de tal prova, nomeadamente a sua fiabilidade, acarreta demasiadas incertezas para uma cabal condenação sem margem para dúvidas.

  5. Refere o Venerando Desembargador Carlos Almeida, no douto acórdão nº 2691/2004-3 de 12-05-2004, o seguinte: "A existência de um reconhecimento positivo é um dos meios de prova que, quer entre nós, quer em muitos países estrangeiros, mais influencia os tribunais no sentido de afirmar a culpabilidade da pessoa assim identificada, sobretudo quando a pessoa que efectuou o reconhecimento afirma a sua convicção sem margem para dúvidas .

    Essa credibilidade tem sido, porém, contrariada pelos numerosos estudos empíricos que têm sido realizados, sobretudo nestes últimos 30 anos, e mesmo por relatórios elaborados por responsáveis de diversos países, podendo dizer-se que este é um dos meios de prova mais problemáticos e de resultados menos fiáveis". fim de citação) 6. O exemplo dos eventuais enganos está patente com reconhecimento do arguido AA por parte do Sr. BB do grupo III do acórdão recorrido que referiu em audiência de julgamento ter sido ele o autor do crime. Testemunhou ainda que o autor do crime, antes de o cometer, segurava um jornal nas mãos.

  6. Tais declarações levaram a que o jornal fosse apreendido e sujeito a exame pericial pelo Laboratório de Policia Cientifica.

  7. As impressões digitais do arguido AA foram colhidas e comparadas com as impressões digitais apostas no referido jornal. O resultado foi NEGATIVO, documento de fls. 1273 e segs. dos autos.

  8. A verdade é que perante o resultado negativo do exame pericial às impressões digitais, só se pode concluir pelo manifesto erro por parte da testemunha BB que, com uma simples identificação, conduziu a um erro do tamanho do Mundo. E mais GRAVE, conduziu à CONDENAÇÃO de um INOCENTE.

  9. Se a prova por reconhecimento pessoal já é por si só, frágil, o que se dirá se contra ela pende uma prova com rigor cientifico.

    11.0 Sr. CC, testemunha do grupo V do acórdão recorrido, referiu que apenas teve contacto directo com o rosto do autor do crime cerca de 2 segundos.

    12.0 Sr. DD, testemunha do grupo II do acórdão recorrido, depôs que apenas teve contacto directo durante cerca de 30 segundos e que ao nível do rosto do autor do crime estava a ser apontada uma arma.

    13.0 Sr. EE, testemunha (grupo VII do acórdão recorrido) efectuou um reconhecimento fotográfico de um individuo, acabando por efectuar dias depois, um reconhecimento pessoal positivo a outro individuo, a um dos arguidos, cujas fisionomias são totalmente dispares.

    14.0 Sr. FF, (testemunha do grupo V-A do acórdão recorrido) referiu em audiência de julgamento que reconhecia um dos arguidos como sendo o autor de um crime de roubo, mas não o tendo conseguido fazer em sede de inquérito. Argumentou esta testemunha que estando o arguido isolado tornou-se fácil reconhece-lo ao contrário do que sucedera em inquérito que estaria em conjunto com mais indivíduos de traços físicos semelhantes ou mais semelhantes.

  10. Daqui se retira com toda a certeza a fragilidade deste meio de prova.

  11. Repare-se que a supra mencionada testemunha, reconheceu-o porque estaria ali a ser julgada sem que outra "interferência" houvesse.

  12. Isto é, estaria o arguido GG sem sujeitos ao seu lado que pudesse "atrapalhar" a identificação. Significa isto que, fosse o arguido GG, ou qualquer outro dos sujeitos que compuseram a formalidade do artigo 147° a ser julgado, seria precisamente esse a ser reconhecido pela testemunha, independentemente de ser ou não o verdadeiro autor do crime.

  13. Referiu o douto Acórdão do T.R.L. de que agora se recorre que a situação acima descrita pelo Venerando Juiz Desembargador Carlos Almeida é diferente da agora recorrida.

    19.0 que está patente é a fragilidade de tais provas quando desacompanhadas de outras que a possam corroborar. E essas tais outras são produzidas em sede de audiência de Julgamento e nunca em Inquérito ou na fase de Instrução.

  14. Na verdade, a prova por reconhecimento como está descrita pelo Sr. Juiz Desembargador Carlos Almeida, alerta para a perigosidade da aplicação desta prova, que por estudos efectuados em todo o mundo, se chegou à conclusão que tais provas não são de todo de uma extraordinária importância, levando, precisamente ao contrario, a erros gravíssimos na condenação de inocentes a largos anos de reclusão.

  15. Tal é entendida a fragilidade de tal prova que recomenda determinadas formalidades afim de se obter uma verdadeira prova por reconhecimento isenta de vicissitudes próprias da natureza humana.

  16. De relembrar que os ofendidos declararam ter estado em contacto com o autor dos crimes entre 2 e 30 segundos!!! 23.Será humanamente possível identificar pessoas, com todos os circunstancialismos externos (a situação traumática, o nervosismo, choque, e o stress) que o ofendido sofre, sem se poder cometer erros? 24.A qualificação do crime de roubo, a circunstância agravante deve-se ao facto do arguido, alegadamente, ter utilizado " .... no momento do crime, arma aparente ou oculta".

  17. É jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça que as "pistolas de alarme" não são circunstancia agravante do crime de roubo do artigo 210 nº 2 com a referencia ao artigo 204° nº2 al. f) porquanto lhes faltam a idoneidade de produzir o mesmo resultado que uma arma de fogo.

  18. São exemplos do acima exposto os doutos acórdãos nº 06PI05 de 22-02-2006 e 97P1461 de 18-03-1998, ambos do STJ.

  19. Ao recorrente foi apreendido uma pistola de alarme.

  20. Refere o douto acórdão da 58 secção do T.R.L. de que agora se recorre que, e passa-se a citar "Exigir-se prova pericial em relação ao instrumento usado, para que o mesmo pudesse ser qualificado como arma, seria irrazoável, desproporcionado mesmo, do ponto de vista da protecção legal dos bens jurídicos em causa, que podia ser inacessível, impraticável até, já que na Maio parte dos casos os agentes são só detidos muito depois, sem o instrumento que intimidou os ofendidos em seu poder, altura em que sempre poderiam alegar que o instrumento usado era inábil para ser usado como meio de agressão" (fim de citação), mas no entanto, parece razoável ao Venerando Juiz Desembargador que o arguido seja condenado numa agravante sem que para tal fosse feita prova. O recorrente foi detido na posse de uma pistola de alarme!!! .

  21. Não parece fazer sentido, e vai contra a presunção de inocência que deveria certamente ter sido aqui aplicada. Isto apenas porque os ofendidos referiram ter sido ameaçados com armas de cor e feitio diferentes. Não esqueçamos que o recorrente alega a sua inocência. O facto de as armas (se é que eram "armas") serem de descrição diferente da que fora apreendida ao recorrente, a este só lhe abona. Pois parece à Defesa que serviria tal facto para fundamentar mais uma vez a fragilidade da prova por reconhecimento constante do artigo 147° do C.P.P. efectuada ao recorrente.

  22. Qualificar-se um crime, inexistindo o elemento qualificativo, parece-nos irrazoável e desproporcionado e contrário ao princípio "in dubio pro reo" Violaram-se os artigos: • Artigo 147° C.P.P., porquanto a prova por reconhecimento desprovida de quaisquer outras é insuficiente só por si para criar para além da duvida razoável a convicção de culpabilidade do recorrente.

    • 210° nºs 1 e 2 al. b) com referencia ao artigo 204° n° al. f), porquanto o crime em causa deve ser desqualificado atendendo ao facto da pistola apreendida ao arguido AA ser de alarme e nenhuma outra arma lhe ter sido apreendida.

    • Principio "in dubio pro reo", decorrente da presunção de inocência instituída no artigo 32° n02 da C.R.P.

    • Artigo 71° n° 1 do C.P., porquanto atenta a juventude e a ausência de antecedentes criminais e o facto do recorrente pretender regressar ao seu Pais de origem, mostram-se satisfeitas as necessidades de prevenção geral e especial com a fixação em cúmulo de uma pena de prisão não superior a 4 anos.

    Nestes termos, deve o presente recurso obter provimento, por provado, absolvendo-se o recorrente dos 4 crimes a que fora condenado. Todavia, ainda que...

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