Acórdão nº 07S2897 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução13 de Dezembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 7 de Outubro de 2005, no Tribunal do Trabalho de Beja, AA intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A - CONSULTORES DE ENGENHARIA E GESTÃO, S. A., pedindo que, declarada a existência de contrato de trabalho entre as partes e a ilicitude do seu despedimento, a ré fosse condenada a: (a) pagar-lhe € 18.239,78, a título de subsídio de férias, e € 14.499,33, a título de subsídio de Natal, acrescidas dos juros moratórios vencidos no valor de € 2.537,32 e vincendos até integral pagamento; (b) pagar-lhe a retribuição de 24 dias de Setembro de 2005 no valor de € 3.840,00, e a retribuição dos meses subsequentes, incluindo subsídios de férias e de Natal, até à data do trânsito em julgado da sentença, tudo acrescido dos juros de mora à taxa legal desde a data dos respectivos vencimentos; (c) reintegrá-lo ou pagar-lhe a indemnização de antiguidade no máximo previsto no artigo 439.º, n.º 1, do Código do Trabalho, de acordo com a opção que viesse a fazer.

Alegou, em resumo, que foi admitido ao serviço da ré, em Outubro de 2001, para exercer, mediante retribuição mensal e sob as suas ordens e direcção, as funções de Director de Intervenção na obra de desmantelamento da fábrica da .... em Reguengos de Monsaraz, consistindo essas funções na fiscalização e gestão da mesma, o que fez até Julho de 2002, e que, entre Agosto de 2002 e Março de 2003, exerceu funções semelhantes na obra de desmantelamento da Aldeia da Luz e, finalmente, na gestão do Programa ..., sendo despedido em 18 de Agosto de 2005, sem prévio processo disciplinar e sem invocação de justa causa.

A ré contestou, alegando que nunca manteve qualquer contrato de trabalho com o autor, mas sim um contrato de prestação de serviço, pelo que não lhe deve as quantias peticionadas, acrescentando que a vinculação entre partes sob a forma de um contrato de prestação de serviço, bem como a total independência técnica e hierárquica do autor, foram condições impostas por este, durante as negociações prévias à sua contratação, porque queria manter a independência profissional, bem como reduzir os pagamentos devidos à Segurança Social.

O autor respondeu, reiterando a factualidade aduzida na petição inicial e aduzindo que a ré não invoca factos suficientes para fundamentar a inexistência de contrato de trabalho subordinado e, ainda, que nunca exigiu que a prestação do seu trabalho para a ré fosse efectuada na modalidade de prestação de serviço.

Após o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor: (a) € 17.799,72, a título de subsídios de Natal devidos e não pagos; (b) € 21.009,56, a título de subsídios de férias devidos e não pagos; (c) € 48.000,00, a título de pagamento de salários vencidos desde a data do despedimento até à data da sentença e no pagamento dos salários que se vencerem até à data do trânsito em julgado da sentença; (d) a quantia de € 12.000,00, a título de indemnização devida pela ocorrência do despedimento ilícito; (e) juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação até integral pagamento.

  1. Inconformados, a ré e o autor interpuseram recurso de apelação, sendo o primeiro independente e o outro subordinado, tendo a Relação julgado procedente o recurso da ré, revogando a sentença recorrida e absolvendo-a do pedido formulado na acção, e considerado prejudicado o conhecimento do recurso subordinado.

    É contra esta decisão que o autor se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido, ao abrigo das seguintes conclusões: «1ª A presente revista vai interposta do douto acórdão recorrido, que concedeu provimento à apelação e, consequentemente, não apreciou o recurso subordinado, interposto pelo autor, ora recorrente; 2ª O recorrente entende que o referido acórdão viola, pelo menos, o disposto no art° 10.° do Código do Trabalho, actualmente em vigor, bem como o art° 1.° da LCT (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49408 de 14/11/1969) e o art° 1154.° do C. Civil; 3ª O que está, fundamentalmente, em causa nestes autos é a qualificação como contrato de trabalho ou como contrato de prestação de serviços das relações estabelecidas entre o recorrente e a recorrida, no período de Outubro de 2001 a 18 de Agosto de 2005; 4ª A matéria de facto a considerar para aquela qualificação é a que foi fixada na 1ª instância e que consta das alíneas A a XXX, reproduzidas no acórdão recorrido de fls. 644 a 651 e que aqui se devem considerar também reproduzidas para todos os efeitos; 5ª Com base nessa matéria, no acórdão em causa entende-se que existiu um contrato de prestação de serviços, por não haver subordinação jurídica; 6ª Do confronto das definições legais de contrato de trabalho (artº 10.º do CT e 1.º da LCT) e de prestação de serviços (1154.° do C. Civil) resultam duas diferenças: o contrato de trabalho implica a prestação de uma actividade, sob a autoridade e direcção de terceiro, enquanto o de prestação de serviços visa proporcionar o resultado do trabalho, sem aquela subordinação; 7ª A doutrina e a jurisprudência, como se refere no acórdão sob censura, têm enumerado vários traços distintivos ent[r]e os dois contratos, que devem ser utilizados como tópicos indiciadores de subordinação jurídica; 8ª Mas esses tópicos, segundo a decisão recorrida, deverão ser complementados com o critério, avançado pela doutrina britânica e baseado na existência ou inexistência de incorporação na empresa ou organização técnico-laboral alheia (organization test), aliados ao critério da subordinação ou do controlo (control test); 9ª Assim, ainda segundo o douto acórdão impugnado, "importa determinar se o autor ao exercer essas funções estava na dependência e inserido na estrutura organizativa da Ré e realizava a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização desta"; 10ª E deste modo, após resumir alguma da matéria considerada provada, escreve-se na decisão impugnada (a fls. 556 dos autos) que "da análise do conjunto da factualidade dada como provada resulta que a Ré apenas estava interessada no resultado final da actividade desenvolvida pelo autor"; 11ª Justificando esta conclusão, afirma-se no mesmo aresto que a complexidade dos projectos de desmantelamento justificavam reuniões periódicas com as chefias da Ré (alínea TT dos factos provados), mas essas reuniões dirigiam-se sobretudo ao objecto do resultado a atingir (alínea UU), como acontecia no caso da Empresa-C (alínea SSS); 12ª Refere-se ainda na mesma decisão que a matéria constante da alínea TTT, tem que ser interpretada no sentido de que se tratava de instruções destinadas aos resultados a atingir; 13ª E acrescenta-se: "Como já se referiu, o critério último de distinção entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços é o da sujeição à autoridade e direcção de outrem" (...) que "não é patente na relação estabelecida entre o autor e a ré como resulta da matéria de facto dada como provada"; 14ª A finalizar, considera-se ainda relevante que o autor e ré tivessem, inicialmente, acordado no contrato de prestação de serviços (alínea EE), pelo que o autor não tinha horário certo e determinado (alínea GG), apenas cumprindo o horário que se impunha pelo exercício das suas funções no projecto (alínea V); 15ª Ainda de acordo com a decisão recorrida, só assim se compreende que o autor não tenha prestado actividade exclusiva para a ré nos primeiros tempos do contrato, a sua inscrição como trabalhador independente, tenha emitido recibos e [a] cobrança de IVA e [que] não tenha recebido subsídios de férias e de Natal (alíneas E, F, X, YY, ZZ, III e KKK dos factos provados); 16ª Entre autor e ré estabeleceu-se um contrato de prestação de serviços, estando, quer um quer outro conscientes dessa realidade, tendo aquele pedido a sua integração como trabalhador subordinado, no quadro de pessoal permanente desta; 17ª Por isso, se decide que entre autor e ré existia uma relação de contrato de prestação de serviços, não podendo proceder os pedidos daquele; 18ª O recorrente não pode, obviamente, aceitar a interpretação feita da matéria de facto provada, quer porque não foram tomados em consideração alguns factos, que só por si, impõem conclusões diversas, quer porque outros, embora referidos, não foram valorizados como deveriam; 19ª Assim, não foi tomada em consideração a alínea T, na qual se refere que "o autor, nos projectos que fiscalizou como director de intervenção da ré, cingiu-se ao cumprimento dos contratos de prestação de serviços entre aquela empresa e as demais, obedecendo às ordens da administração da ré, nomeadamente do responsável pelo contrato" (sublinhado nosso); 20ª Também não foi considerada a alínea MMM, em que se considera provado que "o que interessava à ré era a prestação permanente e continuada das funções de chefia e coordenação dos seus serviços locais e não somente o resultado dessa prestação"; 21ª Não foi considerada a alínea QQQ, segundo a qual "o autor devia cumprir os procedimentos instituídos pelo plano de qualidade da empresa"; 22ª Nem a alínea RRR, em que se considera provado que "o autor recebia instruções dos directores da ré, a quem reportava directamente a direcção da obra que tinha em curso e dando conta do desenvolvimento das acções"; 23ª Não foi valorizada a alínea NNN, referindo que o autor, quando foi contratado em Outubro de 2001 substituiu o eng.º BB, que exercia as mesmas funções, mas com um vínculo contratual laboral à ré; 24ª No entender do recorrente bastariam os factos, acabados de referir, para se concluir que o autor prestava o seu trabalho sob as ordens e direcção da recorrida e dos seus representantes, estando inserido na estrutura organizativa desta; 25ª Mas tem ainda que se considerar que no douto acórdão recorrido se faz uma errada ligação entre os factos constantes das alíneas TT e UU, pois aquela reporta-se a...

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