Acórdão nº 07P3487 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução13 de Dezembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

A - DECISÃO RECORRIDA (fls. 107/108, datada de 18 de Maio de 2007) No âmbito do Processo que, com o n.º 3880/03, corre termos pela 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferido despacho, segundo o qual: "O extraditado AA, alegando "clara e evidente violação das garantias prestadas pela União Indiana", nomeadamente violação do princípio da especialidade, veio, a fls. 2490 e segs., requerer a este tribunal que fosse ordenada a sua imediata devolução ao Estado Português.

Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que tal violação, a existir, nunca pode fundamentar a consequência pretendida pelo requerente.

A nosso ver, essa alegada violação, a confirmar-se, apenas pode justificar a responsabilização do Estado requerente no plano internacional, a qual não depende da actuação de qualquer tribunal português, e a utilização pelo extraditado dos meios de defesa adequados previstos no direito da União Indiana.

Sintomática é a inexistência de qualquer norma interna portuguesa que legitime a pretendida actuação deste tribunal.

Assim, e embora consideremos que «os poderes de um Estado Democrático não podem alhear-se das consequências a que podem dar origem as suas actuações (1), entendemos que este tribunal não tem competência para ordenar a devolução do extraditado, razão pela qual se indefere o requerido.

Notifique.

Para os fins tidos por convenientes, dê conhecimento do requerido à PGR remetendo cópia do requerimento apresentado e dos documentos com ele juntos." Subsequentemente veio a ser exarado despacho de aclaração, de harmonia com o qual (fls. 30 a 32, datado de 12 de Junho de 2007): "Depois de notificado do despacho proferido no passado dia 25 de Maio de 2007 (fls. 2581/2), o extraditado AA, invocando o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 e do n.º 3 do art. 380.º do Código de Processo Penal, veio requerer que este Tribunal esclarecesse qual era a sua interpretação quanto «ao consagrado na decisão do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente:

  1. Se se considera que a União Indiana não está vinculada às condições impostas para a entrega constantes da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que determinou a extradição do ora requerente.

    b) Se se considera que a entrega do extraditando ao Estado Requerente com explicitação (constante de decisão judicial) de que tal entrega é feita sob a condição resolutiva do cumprimento das garantias prestadas não confere ao Extraditado, por si só e independentemente de norma legal expressa, o direito de exigir judicialmente a devolução ao Estado Requerido.

    c) Em suma, se se considera ou não que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que apôs como condição resolutiva de entrega do Extraditando o cumprimento das garantias prestadas por aquele Estado ao Estado e Tribunais Portugueses e que considerou que o incumprimento de tal condição era judicialmente sindicável confere ou não ao Requerente de reclamar junto dos Tribunais Portugueses a sua devolução».

    Interpretando esse requerimento no sentido de que o requerente pretende a correcção do despacho proferido por insuficiência da sua fundamentação (2) e a aclaração do mesmo, por na sua óptica, ele padecer de obscuridade e ambiguidade, importa dizer o seguinte:

  2. De modo algum se questiona a força de caso julgado da decisão proferida em 27 de Janeiro de 2005 pelo Supremo Tribunal de Justiça, que consta dos pontos 13.1 e 13.2 do acórdão então proferido (fls. 1729 verso e 1730); b) Tal não significa, porém, em nosso entender, que este tribunal possa impor ao Estado requerente a entrega do extraditado; c) De facto, a cooperação judiciária internacional em matéria penal, até por imposição constitucional(3), rege-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, sendo «subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal»; d) Ora, nenhuma destas fontes normativas contém qualquer disposição que permita uma tal decisão; e) Isso não quer dizer, no entanto, que o Estado Português (4), sendo o caso, para além de extrair do incidente as necessárias consequências políticas, não possa responsabilizar, no plano internacional, a União Indiana; f) Isto muito embora se possa duvidar da possibilidade de, neste caso concreto, se suscitar a intervenção do Tribunal Internacional de Justiça (5) (apesar de os dois Estados, em geral, se terem comprometido a conformar-se com as decisões desse tribunal em qualquer caso em que fossem partes (6).

    g) Nada disto obsta, contudo, a que o extraditado faça valer, no plano interno da União Indiana, quer perante os tribunais de 1.ª instância, quer perante tribunais de recurso, os seus direitos".

    B - O RECURSO (fls. 2 a 27) Irresignado, AA interpôs recurso, finalizando com a apresentação das seguintes Conclusões: "1. O Recorrente veio denunciar perante o Tribunal recorrido a violação, pela União Indiana, do despacho da Exma. Senhora Ministra da Justiça que determinou que o mesmo não seria julgado nesse país pelos processos melhor identificados no requerimento de fls. 2490 e seguintes e bem assim a violação do princípio da especialidade (n.º 2 do art. 16.º da Lei 144/99 de 31 de Agosto).

    1. Por via do despacho da Exma. Senhora Ministra da Justiça publicado no Diário da República (fls. 53 e 54 dos autos) que considerou inadmissível a entrega do extraditando pelos crimes identificados no requerimento de fls. 2490 e seguintes, a entrega do ora Recorrente à União Indiana foi autorizada pelo Supremo Tribunal de Justiça apenas para julgamento quanto a um concreto e delimitado conjunto de processos.

    2. A União Indiana prestou garantia ao Estado e Tribunais Portugueses de que o ora Recorrente não seria perseguido por ilícitos diversos dos taxativamente referidos na ordem de extradição (princípio da especialidade), de que o ora requerente não seria extraditado para país terceiro e de que não lhe seria aplicada pena de prisão superior a 25 anos ou pena de morte.

    3. Porém, tal garantia não foi cumprida, para já, no que concerne ao princípio da especialidade porquanto o Recorrente foi confrontado com o aditamento à acusação de mais crimes, crimes esses expressamente excluídos da autorização ministerial de 28 de Março de 2003.

    4. Factos que foram profusamente comprovados por meio de prova documental junta aos autos.

    5. Ora, a decisão recorrida (fls. 2581 e 2582 dos autos) considerou que estava vedada a intervenção dos tribunais portugueses no caso em apreço por a nossa lei interna não lhes atribuir competência para ordenar a devolução do extraditado em caso de violação pelo Estado Requerente das garantias prestadas.

    6. E isso, não obstante reconhecer a força de caso julgado da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que determinou estar a entrega do Recorrente sujeita a condição resolutiva do cumprimento das garantias prestadas pelo Estado Requisitante.

    7. Considera o Recorrente que tal entendimento redunda no esvaziamento das normas prescritas na Lei 144/99, de 31 de Agosto, na total desprotecção dos seus direitos fundamentais e na violação do determinado no acórdão deste Alto Tribunal proferido em 27 de Janeiro de 2006.

    8. Para além de consagrar a desresponsabilização de um Estado de Direito Democrático perante violação grosseira das suas decisões judiciais.

    9. O Recorrente desde o início dos presentes autos de extradição manifestou a sua desconfiança (fundada, como se comprova) quanto à fidedignidade das pretensas garantias prestadas pela União Indiana.

    10. Garantias essas que são conditio sine qua non para a...

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