Acórdão nº 07P3989 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução05 de Dezembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO Na 2ª Vara Mista de Loures foi o arguido AA condenado pela seguinte forma: pela prática de um crime de burla simples p. p. pelo art. 217º, n° l do CP, na pena de 16 meses de prisão; pela prática de dois crimes de burla qualificada p. p. pelo art. 218º, n° l do CP, na pena de 20 meses de prisão por cada um; pela prática de cinco crimes de burla qualificada p. p. pelo n° 2 do mesmo artigo, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão por cada um; pela prática de três crimes de falsificação de documento p. p. pelo art. 256º, n° l do CP, na pena de 18 meses de prisão por cada um; em cúmulo jurídico das penas, fixou-se a pena única em 7 anos e 6 meses de prisão.

Desta decisão recorreu o arguido, concluindo assim a sua motivação: 1) Discorda-se no essencial da forma como foi aplicado o direito, no que concerne à determinação da medida da pena, senão vejamos: 2) Os factos praticados pelo arguido têm como enquadramento legal o disposto no Art° 217° do C.P., que dispõe no seu n° l 3) Para além do crime de Burla, veio o arguido a ser condenado pela prática de três crimes de falsificação p.p. nos termos do Art° 256°, n° l, al. a) do Código Penal.

4) Conforme se alcança do dispositivo legal, no crime de burla, o bem jurídico protegido consiste no património, globalmente considerado, que pode ser pertença do burlado ou de terceiro. Estamos perante um crime de dano que se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infracção ou terceiro e, ainda, de um crime de resultado parcial ou cortado que apenas se consuma com a saída das coisas ou dos valores da esfera de disponibilidade fáctica do sujeito passivo ou da vítima.

5) Para que se verifique tal prejuízo utiliza o agente meios astuciosos que induzem a vítima ao erro ou engano, e com isso lhe causa prejuízo patrimonial.

6) Analisados os factos dados como provados dúvidas não restam que o arguido gerou nas nos ofendidos uma situação de confiança que os levou à prática dos negócios jurídicos.

7) Na realidade confiando em que os documentos apresentados pelo arguido, onde constava a indicação de uma transferência bancária para os queixosos BB, CC e DD entregaram ao arguido toda documentação do veículo, e chaves do mesmo, conforme também se alcança da factualidade dada como provada, o arguido falsificou os documentos já referidos, utilizando este meio para alcançar o fim pretendido.

8) Assim o crime de falsificação praticado pelo arguido constitui um meio para o cometimento do crime de burla, ficando por isso consumido pela punição deste crime, verifica-se pois que prática destes dois tipos de crimes preenche um concurso aparente de normas, cuja relação é de consumpção.

9) E não de concurso conforme julgou o douto tribunal a quo, na esteira aliás da jurisprudência resultante do acórdão uniformizador de jurisprudência 8/2000 de 04 de Maio de 2000, publicado no DR 1ª Série de 28 de Maio de 2000.

10) É nosso entendimento, no seguimento aliás do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 728/88 de Dezembro de 1998 (citado no Ac. Uniformizador 8/2000), em que foi relator o Ilustre Conselheiro Sá Nogueira conforme consta do seu voto de vencido.

11) E que defende que a reforma de 1995 teve como principio filosófico o regresso à regra tradicional de que "no concurso de circunstâncias qualificativas agravantes, só à mais grave é dado relevo", com as consequências de fazer incluir no tipo legal da burla todos os meios usados pelo agente para cometer o ilícito no sentido de utilização de erro ou engano, o que, necessariamente, implica que a falsificação, por ser uma das formas do erro ou engano, seja incluída no tipo legal de Burla. A falsificação portanto faz parte do tipo legal de burla e não pode ser autonomizada, em relação à burla de que faz parte, sob pena de violação do princípio constitucional de "non bis in idem." 12) Tal entendimento tem necessariamente reflexos na determinação da pena a aplicar ao arguido, que em face do exposto terá ser necessariamente ponderada.

13) Por outro lado verifica-se que a actuação do arguidoAA se reconduz à figura do crime continuado.

14) Através de várias acções criminosas, se repete o preenchimento do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurídico, usando-se de um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita a um condicionalismo exterior que propicia a repetição fazendo assim diminuir consideravelmente a culpa do agente.

15) Com referência em particular à actuação do arguido temos que os bens jurídicos protegidos são fundamentalmente idênticos, assim como o seu modus operandi, no entanto como salienta Faria Costa "(...) para que estejamos frente a um crime continuado não basta a realização plúrima preencha os pressupostos atrás apontados é necessário ainda que seja executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. Têm deste modo de se conjugar todos os elementos anteriores apontados não só com uma certa homogeneidade, que pode ganhar relevância à luz de um critério espacio-temporal, pelo menos como ponto de referência negativo, mas também com circunstancialismo exógeno que faça consideravelmente diminuir a culpa do agente." 16) Na realidade todos e cada um dos ofendidos foram pouco diligentes na concretização dos negócios jurídicos que realizaram como o arguido, chegando mesmo EE a afirmar em sede de audiência de julgamento que de facto não havia curado de confirmar quaisquer referências apresentadas pelo arguido ou sequer de aguardar pela boa cobrança dos cheques que lhe foram apresentados a pagamento, ou ainda no caso de BB e CC que perante meras folhas de papel impressas com a indicação de transferências efectuadas, sem mais entregaram toda a documentação e os veículos de que eram proprietários.

17) Em concreto todos e cada um dos ofendidos se deixaram levar porque no essencial os que vendiam os veículos estavam a fazer o que acharam um bom negócio pois todas as viaturas foram vendidas por valores superiores ao que valiam em termos de indicie de mercados e todos os que compraram nomeadamente os proprietários de Stand automóvel os adquiriam a preços abaixo do mercado, na verdade com as suas actuações. Todos contribuíram para a circunstância do arguido, depois de executar a resolução criminosa, verifica-se haver possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade.

18) Assim e considerando que na determinação da medida da pena concretamente adequada ao facto cometido e à personalidade e condições de vida, tem que ser considerada, não só a culpa do agente mas também as exigências de prevenção (geral da comunidade e especial do arguido) necessárias e suficientes ao caso, mas também todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham contra ou a favor do arguido, visando-se com a aplicação da pena, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (Arts. 40°, 41°, 47°, 70°, 71°, todos do C.P.).

19) A pena a aplicar deverá pois oscilar entre o limite máximo...

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