Acórdão nº 07P3406 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução05 de Dezembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum colectivo nº 28/04.1ADLSB da 1ª secção da 2ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 14 de Dezembro de 2004, de fls. 435 a 453, foram submetidos a julgamento os arguidos: AA, solteiro, desempregado, nascido a 7-03-1981, em Ponta Grossa, Paraná, Brasil, filho de BB e de CC, residente antes dos factos em Itapena, Santa Catarina, Brasil, preso preventivamente à ordem destes autos desde 05-04-2004 até 15 de Setembro de 2007, quando foi solto na sequência da entrada em vigor do novo CPP e actualmente residente no Caminho da Achada, nº .., 9000-208, Funchal, Ilha da Madeira; DD, divorciado, comissionista, nascido a 11-07-1972, em Lisboa, filho de EE e de FF, residente quando em liberdade, na Rua Av. Beiramar, 1456, apartamento 402, em Itapena, Santa Catarina, Brasil, preso preventivamente à ordem destes autos desde 06-04-2004.

Pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelos artigos 21º, nº 1 e 24º, alínea b) do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-B anexa, foram os arguidos condenados, respectivamente, nas penas de 6 e de 8 anos de prisão e o arguido AA na pena acessória de expulsão do território nacional, por dez anos.

Recursos anteriores 1 - Inconformados, recorreram os arguidos para o Tribunal da Relação de Lisboa, sendo o arguido AA, de fls. 468 a 472, entendendo dever ser condenado por tráfico simples e numa pena especialmente atenuada e o arguido DD, de fls.497 a 516, sendo o recurso motivado na insuficiência para a decisão da matéria de facto dada por provada e erro notório na apreciação da prova.

O MP respondeu a estes recursos, respectivamente a fls. 660/1 e a fls. 657/9.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27-04-2005, foram rejeitados por manifesta improcedência dois recursos intercalares interpostos pelo arguido DD, e no que toca ao acórdão condenatório, foi o mesmo anulado por falta de exame crítico da prova produzida em audiência, determinando-se a sua reelaboração pelo mesmo Tribunal com sanação da nulidade.

2 - Deste acórdão da Relação de Lisboa recorrem os dois arguidos para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo o AA com a motivação de fls. 726 a 731, repetindo as anteriores conclusões, quanto a qualificação e redução de pena, mas do mesmo passo pedindo a declaração de nulidade, quer do acórdão condenatório, quer o acórdão do Tribunal da Relação e o arguido DD, de fls. 734 a 760, pretendendo reapreciação dos recursos intercalares e da matéria de facto, pedindo a sua absolvição ou o reenvio para a Relação a fim de se pronunciar sobre a restante parte do recurso.

Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-01-2006, por inadmissíveis, nos termos do artigo 400º, nº 1, alínea c) do CPP, foram os recursos rejeitados - fls. 802 a 806.

Na primeira instância é reelaborada a decisão, em obediência ao acórdão da Relação de Lisboa, de 27-04-2005, o que acontece com o acórdão de 14-03-2006 - fls. 827 a 846.

3 - Os arguidos interpõem novo recurso, dirigindo-o o arguido AA ao Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação de fls.857 a 861, pugnando pela convolação do crime agravado de tráfico para crime simples, com a fixação de pena próxima do limite legal.

Por seu turno, o arguido DD interpõe o recurso para a Relação por estar em causa matéria de facto e de direito - fls.889 a 910.

Os recursos foram admitidos por despacho de fls.914 e mandados remeter ao Tribunal da Relação.

O MP respondeu a fls. 918/9 e 920/1.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 19-07-2006, declarou nulo o acórdão da 2ª Vara Criminal de Lisboa de 14-03-2006, por omissão do exame crítico das provas - fls. 948 a 965.

Baixando de novo o processo à 2ª Vara Criminal, o mesmo Colectivo reformula a decisão, o que faz com o acórdão de 13-09-2006 - fls. 997 a 1019.

4 - Os arguidos impugnam de novo este acórdão, dirigindo o recurso, em ambos os casos, ao Tribunal da Relação de Lisboa.

O arguido DD, apresentando a motivação de fls. 1077 a 1101, versando matéria de facto e de direito, repetindo a motivação e conclusões do anterior.

O arguido AA, apresentando a motivação de fls.1111 a 1114, repetindo igualmente a anterior posição e pedido.

DECISÃO RECORRIDA O Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 18 de Junho de 2007, de fls. 1197 a 1241, negou provimento aos recursos e confirmou a decisão recorrida.

5 - De novo inconformados, os arguidos interpõem recurso, agora para o Supremo Tribunal.

O arguido AA apresentou a motivação de fls 1259 a 1265, que remata com as seguintes conclusões: 1ª- O recorrente foi condenado, nos presentes autos, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelos artigos, conjugados, 21°, n° 1 e 24º, al. b), ambos do DL 15/93, de 22/01, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

  1. - Por isto, interpôs recurso ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, da matéria de facto, dada como provada, na parte em que o enquadramento jurídico realizado lhe considerou como autor de um crime de tráfico de estupefacientes agravado.

  2. - Indicou as provas testemunhais produzidas, as quais, em nenhum momento referiram que o estupefaciente apreendido seria destinado a elevado número de consumidores, bem como invocou que em nenhum dos pontos da matéria de facto, dada como provada, é indicado quem ou quais seriam os consumidores finais do produto estupefaciente e como ou por qual modo o ora recorrente lhes iria realizar a respectiva distribuição.

  3. - Pelo que, requereu provimento ao recurso para que tosse absolvido do crime de tráfico ilícito de estupefacientes na forma agravada e que fosse condenado então como autor de um crime de tráfico simples, nos termos do artigo 21°, do DL 15/93, de 22/01, numa pena de prisão próxima do limite mínimo legal.

    1. - Por sua vez, o Tribunal da Relação de Lisboa, ao decidir tal questão, salvo o devido respeito, equivocou-se e não foi capaz de extrair da matéria de facto dada como provada, as indicações e actos concretos de eventual distribuição para grande número de pessoas, na conduta individual perpetrada pelo recorrente.

    2. - Pelo que, negou provimento ao recurso, nesta parte, fundamentando o que «Ao contrário do que diz o recorrente no ponto e das conclusões, foi dado como provado que ... o arguido AA ... trazendo consigo... um produto em pó, com o peso total, líquido de 4.012,0 g, e em cuja composição figura substância activa denominada cocaína (cloridato) ... destinado a ser distribuído, afinal, por um elevado número de consumidores ... ».

  4. - Ocorre que a impugnação de facto realizada pelo recorrente no ponto 2 de suas conclusões de recurso foi justamente a AUSÊNCIA COMPLETA E ABSOLUTA da indicação de actos concretos de distribuição para um elevado número de pessoas.

    1. - Assim, o ponto da matéria de facto indicado pelo douto acórdão recorrido refere, GENERICAMENTE, a expressão "... destinado a ser distribuído, afinal, por um elevado número de consumidores ..." .

  5. - Esta fundamentação configura imputação genérica de venda e distribuição de produtos estupefacientes, sem individualização dos actos integrantes dessa actividade, não podendo relevar par ao efeito do enquadramento jurídico-penal dos factos, já que inviabiliza o direito de defesa do arguido consagrado no art.º 32°, da Constituição da República Portuguesa (Vide o douto acórdão proferido por este Venerando Supremo tribunal de Justiça, no âmbito do processo 3644/06, desta mesma 3ª Secção. de lavra do ilustre Conselheiro Silva Flor, como Relator).

    1. - Uma vez que não foram imputados ao arguido actos concretos de venda e distribuição, designadamente datas, compradores e produtos efectivamente vendidos e distribuídos, ou seja, o arguido, nesta parte, esteve impedido de organizar a sua defesa, contraditando as provas apresentadas e oferecendo provas de que não cometeu actos de venda ou distribuição de produto estupefaciente.

  6. - Pelo que, a matéria de facto dada como provada, para fins de se configurar o crime de tráfico ilícito de estupefacientes, agravado, na vertente do artº 24°, al. b), do DL 15/93, de 22/01, por ser genérica e sem qualquer individualização ou indicação de actos concretos de venda ou distribuição, implica em insuficiência da matéria de facto, nesta parte, ou seja, no vício consubstanciado pelo disposto no artigo 410º, n° 2, al. a), do Código de Processo Penal.

  7. - Como consequência o douto acórdão recorrido violou o disposto pelo artigo 32°, da CRP, bem como o artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na vertente de não proporcionar o efectivo contraditório e processo equitativo, observando-se que, da prova concretamente produzida, a conduta individual do arguido é típica do "correio de droga", ou seja, punível como um crime de tráfico simples.

  8. - Devendo ser provido o presente recurso para que, uma vez reconhecido e declarado o vício consubstanciado pelo artigo 410°, n°2, al. a), do CPP, na vertente da insuficiência da matéria de facto dada como provada seja, nos termos dos artigos 426° e 426.º-A, do mesmo diploma legal, ordenado o reenvio do processo para novo julgamento, parcial, restrito à indicação ou não dos factos concretos de venda e distribuição de estupefacientes para elevado número de pessoas, com as consequências legais de tal pronunciamento para fins de culpa ou absolvição, nesta parte.

  9. - Caso assim não se entenda, verifica-se que o douto acórdão recorrido, ao manter condenação do arguido numa pena de prisão de 6 (seis) anos, violou o disposto pelo art.º 71º, do Código Penal, demonstrando-se ser desproporcional, a referida pena em concreto.

  10. - Com efeito, o produto estupefaciente transportado pelo recorrente não foi, concretamente, distribuído a quem quer que seja, além do que, o mesmo é primário e só aceitou realizar tal transporte por dificuldades económicas.

  11. - Pelo que o douto acórdão ora recorrido violou o art. 71° do CP. ao manter a pena em concreto em 6 (seis) anos de prisão.

  12. - Desta forma, deverá ser dado provimento ao...

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