Acórdão nº 07B4158 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução04 de Dezembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em 13 de Outubro de 2005, AA deduziu oposição à execução para pagamento da quantia de € 74.819,68, acrescidas dos juros contados desde 31 de Dezembro de 2003, baseada num documento, com cópia junta a fls. 157, que, segundo o exequente, BB, contém um contrato do qual resulta que o executado lhe deveria ter pago até esta última data a quantia de 15.000.000$00, encontrando-se desde então em mora, vencendo juros à taxa de 4% ao ano (cfr. cópia do requerimento executivo, a fls. 148).

Como fundamento, o embargante contesta a exequibilidade do título, por não demonstrar a constituição da obrigação invocada pelo embargado, a quem entende não dever qualquer quantia. Segundo o referido contrato, o que dele resultaria seria a transmissão, a seu favor, de determinadas acções, e o acordo segundo o qual o embargante tinha a faculdade, até àquela data, de pagar ao embargado a quantia de 15.000.00$00 ou, caso não procedesse a tal pagamento, de devolver as acções. Tendo preferido a última hipótese, colocou-as à disposição do exequente, que se recusou a aceitá-las.

Explicou ainda o embargante, em síntese, que os termos em que a transmissão das acções havia sido acordada se destinavam a "fideliz[á-lo como] técnico altamente qualificado" que era, e que aceitara o emprego que o embargado lhe oferecera, em empresas do ramo das confecções. E acrescentou ainda nunca ter retirado nenhum dividendo das acções que lhe foram transmitidas, nem nunca ter tido qualquer participação em decisões relativas às correspondentes sociedades.

Respondendo à oposição, o embargado sustentou, por entre o mais, que o executado, não pagando o preço das acções dentro do prazo estabelecido, tinha infringido o contratado, que se traduzia tão somente numa venda de acções cujo pagamento não havia sido efectuado no prazo acordado, e que o documento reunia as condições de exequibilidade exigidas pela alínea c) do artigo 46º do Código de Processo Civil.

Julgando a causa no saneador, em 6 de Novembro de 2006, a fls. 84, o Tribunal da Comarca de Viseu julgou improcedente a oposição e determinou o prosseguimento da execução. Recorrendo às regras de interpretação dos negócios jurídicos, constantes dos artigos 236º e segs. do Código Civil, o Tribunal considerou que o documento utilizado como título executivo continha um contrato nos termos do qual o exequente transmitiu ao executado determinadas acções pelo preço de 15.000.000$00, a pagar até 31 de Dezembro de 2003, sob pena de, para além de pagar o preço, o adquirente ter ainda de devolver as acções, de que tinha fruído desde a celebração do contrato: "Aqui chegados, a conclusão interpretativa é uma e uma só: o oponente emitiu uma declaração de vontade, pensada e de boa fé, cujo fim era o de receber as acções, fruí-las e pagar o seu valor até 31 de Dezembro de 2003. Não o fazendo até essa data continuava onerado com essa liquidação, em situação de mora e cumulativamente obrigado a entregar/devolver as acções, [o] que não configura uma situação aparentada com a reversão" (cfr. fls. 103).

  1. Esta sentença veio, todavia, a ser revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29 de Maio de 2007, de fls. 162, que julgou procedente a oposição e declarou extinta a execução.

    Para o que agora releva, o Tribunal da Relação de Coimbra pronunciou-se, nomeadamente, nos seguintes termos: "A questão colocada neste recurso prende-se com a interpretação a dar ao conteúdo declaracional da cláusula 3º, que as partes incluíram no contrato ao abrigo do princípio da liberdade contratual consagrado no art.405º C.C.

    (...).

    Atentemos então nos termos da declaração negocial aí contida: «A liquidação da importância global da transmissão pelo segundo outorgante ao primeiro outorgante será efectuada até 31 de Dezembro de 2003 de acordo com as possibilidades do segundo outorgante.

    § único: caso o segundo outorgante não liquide a importância de 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos) até 31 de Dezembro de 2003, obriga-se desde já a devolver as acções das sociedades «O..., S.A.» e «A..., S.A.» que por este contrato lhe são transmitidas».

    O texto da primeira parte dessa cláusula não suscita dúvidas. Nele fixou-se o prazo e condições de retribuição: até ao dia 31.12.03 o recorrente realizaria a prestação a que se vinculou de pagar o preço devido pela transmissão das acções, e quando as suas condições (económicas) o permitissem. Ou seja, no decurso do prazo estipulado de cumprimento outorgou-se a faculdade de o pagamento ser feito quando pudesse, faculdade que poderá enquadrar-se na cláusula «cum potuerit» prevista no nº1 do art.778º/1.

    Contrariamente ao que parece defender o recorrente, ele obrigou-se a pagar ao exequente o preço de 15.000 contos devido pela transmissão das acções. Trata-se de um negócio oneroso. A dita cláusula e ainda a cláusula 1ª (item II.1-b)), não deixa margem para dúvidas.

    É verdade que não estamos em presença de um contrato de compra e venda, mas sim de um contrato oneroso de transmissão de títulos de acções como se referiu.

    (...) Dúvidas levantam-se, porém, quanto ao conteúdo voluntário do texto inserido no § único, que não se mostra fácil de...

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