Acórdão nº 07S3661 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução27 de Novembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Na presente acção emergente de acidente de trabalho, de que resultou a morte de AA, os autores BB e CC, na qualidade, respectivamente, de viúva e de filho daquele sinistrado, pediram que as rés Companhia de Seguros Empresa-A, S. A.

e Empresa-B - Empresa de Urbanizações e Construções do ..., L.da fossem condenadas, a segunda como primeira e principal responsável e a primeira como responsável meramente subsidiária, a pagarem-lhes as pensões e demais importâncias que devidamente especificaram, a título de subsídio por morte, de subsídio de funeral, de despesas com transportes e de danos não patrimoniais.

Em resumo, os autores alegaram o seguinte: - no dia 25 de Setembro de 2003, o sinistrado foi vítima de uma acidente de trabalho, quando exercia as funções de pedreiro da construção civil, por conta da segunda ré; - esta ré tinha a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a primeira ré; - o acidente ocorreu quando o sinistrado descia ao fundo de um talude, com uma profundidade superior a dois metros e meio, utilizando uma das escadas de mão ali colocadas para esse efeito e consistiu em o sinistrado ter caído desamparado para o fundo do talude, por se ter desequilibrado; - nenhuma das escadas de mão tinha qualquer protecção que obstasse à queda do sinistrado pois não tinham guarda-cabeças, nem corrimões e, além disso, não estavam solidamente fixadas nos extremos e não se sobrepunham a cima do solo em altura de, pelo menos, um metro e meio; - o acidente resultou da violação, por parte da segunda ré, das regras sobre a segurança no trabalho.

Ambas as rés contestaram.

A segunda ré (a entidade empregadora) rejeitou qualquer responsabilidade na produção do acidente, alegando nesse sentido o seguinte: - foi o sinistrado que, à revelia dos representantes da ré e da responsável da obra, foi buscar a escada de mão para descer ao fundo do talude, retirando, para isso, a vedação de madeira que existia a delimitar a zona envolvente; - o acesso ao fundo do talude sempre tinha sido feito pela lateral do edifício, uma vez que o terreno formava um declive que permitia o acesso até às fundações do edifício, sem necessidade do recurso a escadas; - a utilização da escada nunca seria autorizada pela ré nem pelos seus representantes, até porque na obra existiam escadas que permitiam o acesso em condições de maior segurança ao fundo do talude, nomeadamente, duas pranchas em madeira, com degraus feitos de barrotes, com guardas laterais e corrimões a todo o cumprimento; - os factos que levaram à queda do sinistrado são totalmente estranhos à ré e contrários aos procedimentos que diariamente exige aos seus funcionários e não teriam sido autorizados, caso ela tivesse tido conhecimento dos mesmos antes da infeliz ocorrência; - é verdade que o sinistrado executava um trabalho que lhe havia sido ordenado pela ré, mas também é certo que, durante a execução do mesmo, ele se afastou daquilo que são as regras e orientações que servem de pilares à actividade da ré, em matéria de segurança, e que não deu qualquer satisfação aos seus superiores hierárquicos.

A primeira ré (a companhia de seguros) alegou que o acidente tinha resultado da inobservância das regras de segurança, por parte da entidade empregadora e, sem prescindir, alegou que o acidente devia ser descaracterizado, por ter resultado de o sinistrado se encontrar acidentalmente privado do uso da razão, por apresentar uma taxa de alcoolémia de 0,53g/l.

Nas respostas, cada uma das rés manteve a posição que tinha assumido na respectiva contestação, mas a ré seguradora acrescentou que o acidente também devia ser descaracterizado, nos termos do art.º 7.º, n.º 1, al. a), segunda parte, da Lei n.º 100/97, caso se viessem a provar os factos alegados nos artigos 17.º a 35.º da contestação da ré empregadora, factos que ela acolhia como parte integrante da sua defesa, por só agora deles ter tomado conhecimento.

Proferido o despacho saneador e elaborada a base instrutória, procedeu-se a julgamento, com gravação da prova, e, dadas as respostas aos quesitos, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção quanto à ré empregadora e procedente quanto à ré companhia de seguros, condenando esta a pagar a cada um dos autores a pensão e demais prestações nela referidas.

Da sentença recorreram a ré seguradora e os autores, aquela a título principal e estes a título subordinado, mas o Tribunal da Relação de Coimbra julgou improcedente o recurso da seguradora e não conheceu do recurso dos autores, com o fundamento de que o conhecimento do mesmo havia ficado prejudicado face à improcedência do recurso da seguradora.

Mantendo o seu inconformismo, a ré companhia de seguros interpôs recurso de revista e os autores também recorreram, mas, mais uma vez, de forma subordinada.

A ré seguradora concluiu as suas alegações da seguinte forma: I. O Tribunal recorrido fundamenta a sua decisão - e a consequente condenação da ora Recorrente -, no facto de não ter ficado demonstrado que o acidente tenha ocorrido quando o sinistrado descia ao fundo do talude pela escada de mão metálica, mas apenas que o mesmo ocorreu quando o sinistrado descia ou preparava essa descida.

  1. A decisão do Tribunal da Relação assenta numa premissa errada e carecida de fundamento legal: a de que nos actos preparatórios de execução de um qualquer trabalho não é exigível, segundo as regras da experiência comum, cumprir os dispositivos de segurança e as regras destinadas a evitar e prevenir riscos para a integridade do trabalhador.

  2. A lei não faz qualquer distinção entre os "actos preparatórios" e o "início dos trabalhos", nem, aliás, a realidade da vida o permite pois, para quem os executa, tudo é trabalho! IV. As regras de segurança têm e devem ser observadas e cumpridas em qualquer momento dos trabalhos, sejam eles actos preparatórios ou verdadeiros actos de execução dos trabalhos, sob pena de as disposições legais que as consagram se tornarem inúteis e desprovidas de significado.

  3. Como resulta da fundamentação do douto acórdão recorrido, quanto à matéria dada como assente, "(...) foi o sinistrado quem foi buscar uma escada de mão metálica e a colocou, para descida, de modo a que ficasse encostada ao topo superior do talude a sua extremidade superior, ficando as suas extremidades superiores apenas a 40 cm acima do nível do terreno (...).

    Também podemos observar que a escada de mão metálica não possuía, não dispunha de guarda-cabeças e corrimãos (...) e a vala onde estava colocada tinha uma altura de cerca de três metros (...).

    Para além disso, existiam na obra outros meios de acesso ao fundo do talude, nomeadamente duas pranchas em madeira (...), com degraus feitos de barrotes, que possuíam guardas laterais e corrimão a todo o comprimento (...)".

  4. Não obstante o sinistrado ser um profissional competente e com reconhecida experiência no seu ofício (razão pela qual, tinha a aludida "autonomia técnica"), violou, de forma clara, como resulta do acima enunciado, normas e regras de segurança no acesso ao talude que eram praticadas desde o início dos trabalhos (vide facto 45).

  5. Sendo que o sinistrado tinha a obrigação de prever - e prevenir - os perigos que o trabalho que desenvolvia podia acarretar e, no caso dos autos, o risco de acidente existia e era absolutamente previsível para um ser humano de mediana cautela.

  6. O sinistrado, ao optar por descer ao fundo do talude através da colocação de uma escada metálica, sem guarda-cabeças e corrimãos, a 40 cm acima do terreno, violou o disposto no art. 36.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil (DL no 41.821, de 11.08.1958) e o disposto no art. 13.º-A, n.º 5, da Portaria n.º 53/71, de 03.02., o qual prevê que a escada deverá elevar-se pelo menos um metro acima do solo.

  7. Apesar da motivação do douto acórdão recorrido acima citada, o mesmo entendeu que não ficou demonstrado nos autos que o acidente tenha ocorrido quando o sinistrado descia ao fundo da vala pela escada metálica.

  8. Ora, as normas que o sinistrado tem a obrigação de cumprir são precisamente as mesmas e devem ser seguidas quer durante a execução dos trabalhos, quer nos actos preparatórios aos mesmos.

  9. Ficou demonstrado - e o próprio Acórdão recorrido refere-o expressamente - que, quando o sinistrado se desequilibrou (e caiu desamparado para o fundo do talude), descia ou preparava a descida.

  10. Por "preparar a descida" deve entender-se o acto imediatamente anterior ao início da descida, pois o certo é que o sinistrado - pelo menos, ao preparar a descida -, se desequilibrou e caiu para o fundo do talude, pelo que é um acto ou trabalho preparatório sujeito ao cumprimento das mesmas regras de segurança dos actos de execução dos trabalhos.

  11. O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou no Acórdão de 18.04.2007, proferido no processo n.º 07S052 (in www.dgsi.pt/jstj), no sentido de que: "(...) Por sua vez, no que toca à violação das normas de segurança, estamos de acordo com (...)" a alegação de que "(...) trabalhos preparatórios já são trabalho, estando, por isso, também sujeitos às normas de segurança prescritas na lei (...)".

  12. Face ao acima exposto, a questão deve ser colocada na forma como o sinistrado optou por, temerariamente, efectuar a descida ao fundo do talude, em violação das mais elementares regras de segurança.

  13. Ainda que tratando-se de um acto/trabalho preparatório ("preparava a descida"), a verdade é que foi o meio escolhido pelo sinistrado para efectuar a descida que determinou a ocorrência do acidente, mais concretamente, o desequilíbrio e a queda desamparada no fundo do talude.

  14. O argumento invocado no Acórdão recorrido de que, "(...) ainda que tivesse ocorrido o acto que importasse violação das regras de segurança através do meio concebido para a descida, não se apura o nexo de causalidade entre essa violação e o evento que causou a morte do sinistrado", é redutor de toda a factualidade dada como...

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