Acórdão nº 07A3426 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelRUI MAURICIO
Data da Resolução27 de Novembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AAintentou a presente acção em processo comum ordinário contra o "Hospital ...., SA" e o médico BB, pedindo a condenação solidária dos RR. no pagamento da quantia de € 324.800,00, acrescida do ressarcimento dos danos que vierem a ocorrer no futuro para o A. relacionados com o acto do Réu, em quantia a liquidar em execução de sentença.

Para tanto alega, em síntese, que: - Em 27/6/01, o A. sofreu um acidente, quando trabalhava por conta própria num estabelecimento de panificação; - Depois de alguns tratamentos, consultas e exames, o A. foi submetido, em 3/8/01, a uma intervenção cirúrgica levada a efeito pelo Réu no estabelecimento hospitalar da Ré; - Depois dessa intervenção cirúrgica continuou com dores e depois de ter feito vários exames e consultas, foi de novo submetido a uma intervenção cirúrgica em 7/11/01, no Hospital CC, em Lisboa, com o objectivo de lhe serem retirados corpos estranhos que haviam sido detectados nos exames a que se submeteu e que lhe provocaram uma infecção; - As referidas intervenções foram sempre por indicação da companhia de seguros do acidente de trabalho; - Na intervenção cirúrgica feita no Hospital CC. foram-lhe retirados uma compressa e um instrumento cirúrgico que haviam sido deixados pelo Réu na anterior intervenção; e que - Por virtude disso, o A. esteve inactivo 9 meses, e não apenas 2 meses como seria de esperar se não fosse a intervenção do Réu ao deixar os referidos corpos estranhos e sofreu vários danos de natureza patrimonial e não patrimonial que discrimina.

Contestaram os RR., concluindo ambos pela improcedência da acção, impugnando o Réu toda a matéria alegada pelo A. no que se refere à culpa e aos danos e alegando, em suma, que: procedeu como devia, sendo certo que participou na intervenção cirúrgica uma enfermeira instrumentista, cuja participação foi por si reclamada; tal enfermeira procedeu ao controlo, por contagem, dos ferros, compressas, agulhas, lâminas de bisturi e fios de sutura utilizados na intervenção, não tendo sido detectada qualquer falta, nas diversas contagens efectuadas; no tipo de intervenção a que o A. foi submetido e tendo em conta o material utilizado, pode aparecer uma infecção pós-operatória; no pós-operatório imediato nenhumas complicações lhe foram comunicadas, pelo que, em 13/8/01, deu alta ao A.; posteriormente acompanhou o evoluir da situação até que o A. recusou manter-se em tratamento e exigiu ser observado por outros médicos noutra instituição, pelo que o transferiu para os serviços clínicos da seguradora; e, mais tarde, foi detectada uma situação diversa daquela que o Réu tinha observado e que deve ser havida como consequência ou resultado possível da própria operação.

Por sua vez, a Ré alega, em resumo, que nada teve a ver com a intervenção cirúrgica em causa nos autos, uma vez que essa intervenção, ao contrário de outras levadas a efeito pelo Réu, ocorreu no âmbito de um contrato de prestação de serviços que este celebrou com a companhia de seguros "DD", tendo sido esta que o indicou ao A., limitando-se a Ré a facultar as instalações hospitalares, o equipamento e o pessoal necessário.

Proferido despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.

Realizada a audiência de julgamento, foi decidida a matéria de facto e proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os RR. do pedido.

Inconformado com tal sentença, apelou o A., tendo o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão constante de fls. 629 a 653 dos autos, concedido parcial provimento ao recurso e condenado o R. BB a pagar ao A. a quantia de € 197.549,16 (cento e noventa e sete mil quinhentos e quarenta e nove euros e dezasseis cêntimos), sendo € 182.549,16 a título de danos patrimoniais e € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Não se conformando com tal acórdão, é agora o R. que pede revista para este Supremo Tribunal, respigando-se sinteticamente as seguintes conclusões, das extensas (precisamente 73, preenchendo mais de 10 fls.) e pouco concisas conclusões da respectiva alegação: 1ª- É de reconhecer que o direito subjectivo do doente foi ilicitamente ofendido, visto que, da intervenção cirúrgica executada por equipa médica e de enfermagem coordenada pelo recorrente como cirurgião principal, resultou uma complicação, porque foi deixada na zona intervencionada uma compressa e a referida compressa causou directa e necessariamente ao doente "uma infecção ao nível do ombro esquerdo"; 2ª- O thema decidendum, circunscreve-se, in casu, à mera culpa ou negligência; 3ª- O ora recorrente, além de organizar a equipa médica cirúrgica e de anestesiologia, fez também intervir uma enfermeira instrumentista; 4ª- No caso dos autos, evidencia-se que, uma das "diversas contagens", precisamente a das "compressas", foi forçosamente errada; 5ª- O ora recorrente não procedeu a essa contagem, porque aquilo a que estava obrigado, era a que a mesma fosse feita, como foi, por quem possui qualificação profissional bastante; 6ª- A enfermeira instrumentista falhou; 7ª- Tivesse a contagem sido anómala, que o defeito teria de ser esclarecido logo ali, e imediatamente resolvido pelo pessoal médico; 8ª- O médico cirurgião, ora recorrente, não actuou com culpa, a qual se deveria dar por verificada se: (i) não tivesse obtido o concurso de um elemento especialista em instrumentação, ou (ii) não tivesse seguido as indicações peremptórias que lhe fossem por ele dadas, assinalando desconformidades nas contagens de instrumentos ou de perecíveis utilizados, durante ou a final da intervenção cirúrgica, no campo operatório do paciente, ou (iii) não resolvesse, pronta e eficazmente o problema, encontrando e retirando a compressa ou qualquer outro objecto em falta; 9ª- O médico está efectivamente obrigado a retirar uma compressa, ou o que for, sempre que se verifique uma das hipóteses colocadas supra, não estando, nas demais; 10ª- A omissão - que no caso clínico dos autos, consistiu em deixar uma compressa no campo operatório - verificou-se, todavia, por erro manifesto de outrem, que não do médico; 11ª- No caso dos autos, inexiste qualquer nexo ou laço censurável entre a conduta do médico, ora recorrente, e o erro verificado na contagem dos perecíveis, que conduziu a que fosse deixada uma compressa no campo operatório; 12ª- Numa palavra, inexiste o requisito da culpa do agente; 13ª- Não houve qualquer perda patrimonial, da banda do autor; 14ª- O acórdão, não obstante, considera lucros cessantes ou lucros frustrados, no sentido dos ganhos que o autor terá deixado de obter por causa do facto ilícito; 15ª- Constitui posição unânime na mais autorizada doutrina, a de que "um facto só deve considerar-se causa (adequada) daqueles danos (sofridos por outrem) que constituem uma consequência normal, típica, provável dele"; 16ª- O rendimento médio mensal ilíquido do autor, no exercício da sua actividade comercial, decresceu do ano de 2000 para 2001, de € 2.271,35 para apenas € 1.131,22; 17ª- O período de inactividade que acresceu ao período de 2 meses "de convalescença médio", por causa da complicação resultante da presença da compressa, foi de apenas mais 7 meses; 18ª- Ao autor, em 18.XI.2002, foi fixada uma incapacidade para o trabalho, resultante do acidente que sofreu em 27.VI.2001, de 9,84%, sem que, neste índice, influa a complicação em apreço, que nenhuma sequela deixou; 19ª- Aquando do encerramento do estabelecimento "no ano de 2001", sobre a data do fim do "período médio de cerca de 2 meses", contado da data da intervenção cirúrgica de 3.VIII.2002, apenas terão decorrido cerca de 2 meses mais; 20ª- A resposta à questão - objectiva - de saber se o autor ficou impossibilitado, aos 35 anos, definitivamente, de prosseguir a actividade empresarial no seu estabelecimento de panificação, por si encerrado ao fim de cerca de 4 meses, contados da data da operação de 3.VIII.2001, ou de conseguir outra actividade que lhe facultasse obter um rendimento ilíquido mensal médio idêntico ao que auferiu nos 18 meses anteriores, por causa do facto de ter sido prolongada de cerca de 2 para 9 meses a sua convalescença, merece resposta negativa; 21ª- Nem os factos provados revelam que se o autor não tivesse sofrido a vicissitude da complicação de saúde em apreço, exerceria a actividade comercial mantendo o nível médio de rendimentos brutos do 1º semestre de 2001, ou, ainda menos, com o acréscimo das "perspectivas" e "previsões" que formulou optimisticamente e os autos nos revelam; 22ª- Não está provada qualquer relação de tipo causal, em que o fecho do estabelecimento surja como imperativo, visto que não se provou que o autor "foi forçado" ao encerramento - definitivo, para mais - já que não se provou que tenha sido confrontado com a "ausência total de encomendas", provou-se, em vez disto, que "encerrou" por, segundo o próprio, "não ter encomendas suficientes", "no fim de 2001"; 23ª- Ainda menos resulta assente nos autos que a capacidade de ganho do autor tenha sido afectada, definitivamente, depois da "alta clínica", para percentagem maior - rectior, absoluta - do que aquela (9,84%) que resultou directamente do acidente de trabalho que sofrera; 24ª- O aresto do Tribunal da Relação de Évora seria, teoricamente, atendível apenas na parte em que considera os lucros frustrados do autor, no período de tempo que vai do fim do período médio de 2 meses de convalescença (o qual, tendo a intervenção cirúrgica ocorrido em 3.VIIl.2001, se deve situar em 3.X.2001) e a "alta clínica" em 3.VI.2002, isto é, por cerca de 7 meses; 25ª- Tendo-se apurado que o autor foi "... em 4/10/01, por instâncias da companhia de seguros, remetido para as consultas exteriores de ortopedia do Hospital CC, em Lisboa (18°)", o médico ora recorrente, foi impedido, de facto, de lhe dar assistência subsequentemente; 26ª- Daqui resulta que o ora recorrente não pudesse ser responsabilizado - por culpa do...

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