Acórdão nº 07P3241 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução15 de Novembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. O Tribunal Colectivo de Valongo, após audiência, em que se dispensou a sua presença, para determinação da pena única a aplicar ao arguido A, por se verificar concurso de infracções entre duas condenações anteriores transitadas em julgado, uma do processo 53/03.0GBVJG do mesmo Tribunal, em que por crime de burla o arguido tinha sido condenado em 1 ano de prisão, e outra do processo 193/03.5TAMAI do Tribunal da Maia, em que por crime de falsificação, tinha sido condenado em 1 ano e 9 meses de prisão com execução suspensa por 2 anos, decidiu condenar o arguido na pena única de 2 anos de prisão.

  1. Desse acórdão que o condenou na pena única recorreu o arguido para o Tribunal da Relação do Porto, onde foi ordenada a remessa para o Supremo Tribunal de Justiça.

    O recorrente, após motivação, formula as conclusões que se transcrevem de seguida, mas que se reputam de desnecessariamente longas e pouco eficazes para o fim pretendido (o recorrente, assim, correu o risco das conclusões lhe serem prejudiciais, por não atingirem a clareza e a objectividade que todos desejaríamos): 1. Apesar da jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal defender a obrigatoriedade da realização do cúmulo jurídico de penas de prisão, não excluindo a(s) pena(s) que tenha sido suspensa na sua execução, suspensão que pode ou não ser mantida, esta questão não tem sido pacífica neste Venerando Tribunal, uma vez que em algumas decisões deste Supremo Tribunal se vem entendendo que, no caso de concurso de crimes, a aplicação de uma pena única supõe que estejam em causa penas da mesma natureza, pelo que sendo a pena de prisão suspensa uma pena de substituição e, portanto, de natureza diferente da pena de prisão, não são as mesmas cumuláveis. Neste sentido, entre outros: O Acórdão de 20.04.05, processo n.º 4743/04, o Acórdão de 02.06.04, processo n.º 04P1391 (disponíveis no sítio www.dgsi.pt) e o Acórdão de 04.06.02, publicado na CJ (STJ), XII, II, 217. (todos naturalmente deste Venerando Tribunal). Deste modo e em conformidade com o supra referenciado, requer-se a revogação do douto acórdão recorrido e que consequentemente seja o cúmulo jurídico às penas parcelares que englobaram o mesmo tido sem efeito.

  2. O arguido não se conforma quanto à decisão de não se proceder à suspensão da execução da indicada pena única de prisão, sendo que pela circunstância de um arguido estar já em cumprimento da pena de prisão efectiva (que vai integrar o cúmulo) não fica só pela verificação desta circunstância irremediavelmente prejudicada a alternativa que o julgador tem ao seu dispor em, querendo, escolher a manutenção da suspensão da execução da pena parcelar em apreço e estender essa suspensão à pena de prisão efectiva. Estando este na situação penal atrás descrita e atendendo ao disposto na parte final do n.º 1 do artigo 77 do C.P. deveria ser a análise desses elementos (factos que constam nas decisões recorridas e a personalidade do recorrente) em articulação com o estatuído no artigo 50 n.º 1 do Código Penal que deveria nortear a decisão a tomar por quem tem este poder/dever independentemente da situação em que este se encontrar (se em liberdade ou se enclausurado) uma vez que o legislador não restringiu, condicionou ou previu um regime diferente para arguidos em cumprimento de pena de prisão e para os restantes arguidos.

  3. Não se vislumbra qual a razão para que a possibilidade de suspensão da execução da pena única decretada fique comprometida pelo facto de o arguido estar já em cumprimento de pena de prisão que foi englobada no descrito cúmulo atendendo que a ser decretada a indicada suspensão provocaria a criação de uma situação de benefício relativamente à situação penal primitiva do arguido situação que o legislador não pretendeu, conforme foi entendido pelo Tribunal a quo. A aceitar-se o entendimento do Tribunal recorrido então é também legítimo considerar-se que se o legislador não quis numa situação concreta como a aqui presente beneficiar a situação penal do arguido em sede de cúmulo jurídico efectuado às penas parcelares então também não terá querido prejudicar a situação penal deste, pelo que não poderia o prejuízo provocado na situação penal do arguido ser sustentado no ante indicado.

  4. Ao contrário do que sucedeu na determinação da medida da pena única não foram observadas as regras elencadas na conclusão anterior (destas apenas foram aplicadas as premissas plasmadas no artigo 50 n.º 1 do C.P. - sem a descrição da necessária matéria factual a servir como meio de suporte ao entendimento defendido - bem como a circunstância deste já se encontrar em cumprimento de pena pelo que, em caso de suspensão da execução da pena única, resultar um tratamento mais favorável à sua primitiva situação criminal e ainda a circunstância da condenação - proc. 53/03.OGBVLG de que resultou a actual reclusão do recorrente ser posterior à condenação - proc. 193/03.5TAMAI -) quanto se tratou de decidir quanto à natureza da execução da pena única fixada, entendimento que o recorrente não perfilha porquanto entende que as regras por que o Tribunal recorrido se pautou na fixação da pena única deveriam igualmente ser as aplicáveis para a formação da decisão de proceder ou não à suspensão da execução da dita pena única.

  5. Os fins subjacentes à realização de um cúmulo jurídico são conferir unicidade a todas as penas em que o arguido foi condenado e ainda como resultado do primeiro fim, beneficiar a situação criminal do arguido uma vez que desta forma cumprirá uma única pena de prisão. É certo que tem vindo a ser entendimento maioritário deste Supremo Tribunal (Acórdão de 09NOV06, proc. 06P3512, Acórdão de 01 MAR06, proc. 06P265, Acórdão 060UTO5, proc. 2107/05, etc.) que quando ambos estes fins não podem ser alcançados simultaneamente (e apenas nessa situação) deve prevalecer a primeira finalidade do cúmulo ainda que isso possa resultar em prejuízo para o arguido. Porém no caso presente era possível cumprir simultaneamente as duas finalidades que o legislador quis almejar com a realização de um cúmulo jurídico, uma vez que a pena única aplicada foi de dois anos de prisão. Estavam pois reunidas as condições para que ambos os desideratos queridos pelo legislador fossem alcançados: determinar uma pena única e consequentemente beneficiar a situação criminal do arguido o que neste caso só poderia ser levado a cabo com a suspensão da execução da pena única de prisão determinada, pois qualquer outra decisão iria invariavelmente ser mais nefasta do que a situação criminal que o arguido detinha antes da realização deste cúmulo.

  6. O facto do arguido se encontrar em situação de cumprimento de pena, de acordo com o entendimento do recorrente, facilita (ao contrário do indicado pelo douto Acórdão recorrido) a aplicação do regime da suspensão da execução na pena única determinada uma vez que de outro modo apenas teríamos como possibilidade de escolha o arguido cumprir uma pena efectiva de prisão em resultado da pena única decretada ou então ficarmo-nos pela simples censura do facto e ameaça de prisão, uma vez que não é possível legalmente estabelecermos um meio termo em sede de condenação. Assim havia a possibilidade de salvaguardar as finalidades de prevenção geral e especial que estiveram na base da aplicação quer da pena de prisão efectiva (finalidade retributiva como um meio e não como um fim em si mesmo) atento este estar já em cumprimento de pena desde Fevereiro de 2007 quer da pena suspensa na sua execução (com a suspensão da pena única) uma vez que foi decidido que para assegurar as finalidades de punição (finalidade meramente preventiva) que estiveram na génese desta condenação foi suficiente a simples censura do facto e ameaça de prisão.

  7. A circunstância do arguido estar em cumprimento de pena permite efectuar um juízo de prognose relativamente seguro no sentido de saber se a pena única determinada deve ou não ser suspensa na sua execução, uma vez que através da requisição de prova pericial (ex.: relatório social sobre o arguido) se obtém elementos que nos permitem formar uma convicção se se operou ou não a consciencialização do arguido através do meio utilizado para este fim (finalidade retributiva) no sentido de evitar que este torne a praticar ilícitos penais. Estando o objectivo principal e razão de ser das penas de prisão atingido qualquer reforço temporal da privação de liberdade do recorrente terá como único resultado uma função retributiva não querida pelo legislador enquanto fim em si. 8. Não consta na matéria inserta no douto Acórdão recorrido qualquer elemento que possa funcionar a desfavor do arguido quanto a aquilatar dos efeitos que se quiseram produzir com a aplicação e cumprimento da aludida pena de prisão efectiva, sendo que pelo contrário consta nesta decisão a favor do arguido quanto a esta temática, que este tem tido uma conduta adequada e sem registo de medidas disciplinares no estabelecimento prisional onde se encontra, beneficiando de apoio familiar, não sendo assim percepcionável a existência de alguma necessidade preventiva especial a acautelar que impedisse a suspensão da execução da pena única fixada.

  8. O facto de após a condenação que determinou a suspensão da execução da pena (proc. 193/03.5TAMAI) ter o arguido sido condenado em pena de prisão efectiva (proc. 53 / 03.OGBVLG) é meramente casual, uma vez que ambos os processos correram os seus termos em paralelo, respeitam a factos ocorridos com uma diferença de cerca de um mês entre si e as decisões condenatórias têm uma diferença de cerca de dois meses entre as mesmas pelo que era perfeitamente possível a condenação no processo cuja pena foi suspensa na sua execução ser posterior à condenação no processo que reclamou para o arguido uma pena detentiva de liberdade efectiva. Deste modo e com o respeito que é devido ao Tribunal recorrido, não parece ser este um argumento capaz de escorar a opção feita pelo mesmo no sentido de não suspender a...

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