Acórdão nº 07B3572 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Novembro de 2007
Magistrado Responsável | OLIVEIRA ROCHA |
Data da Resolução | 08 de Novembro de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.
AA, SA, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de 5.043.377$00 relativa a mensalidades e cláusulas penais e 985.710$00 referentes a juros de mora vencidos à taxa legal vigente, desde a data de vencimento das mensalidades que se encontram em divida até 12.07.95 e juros de mora vincendos desde 13.07.95 até integral pagamento.
Alegou que é uma sociedade administradora de compras em grupo e que o réu se inscreveu no Grupo 1000 e adquiriu os nºs de participante 1043,1045 e 1194, para aquisição de bens imóveis.
Foi contemplado no âmbito das referidas participações e recebeu dois cheques no montante de 3.000.000$0 cada e um cheque no montante de 3.568.749$00, para aquisição dos bens para que se tinha inscrito, apresentando, contudo, um débito referente às suas contas de participante no montante de 5.043.377$00, que não pagou, apesar de instado para o fazer.
Citado, o réu contestou e deduziu pedido reconvencional.
Invoca a nulidade dos contratos, dizendo que não lhe foi entregue, pela autora, o prospecto a que estava obrigada.
Por outro lado, desconhecia as "condições particulares" e o "regulamento geral de funcionamento de grupo", que a autora juntou na sua petição inicial e a que nunca se vinculou. As cláusulas destes documentos configuram cláusulas contratuais gerais e não lhe foram comunicadas, não podendo, por isso, a autora pedir qualquer quantia a título de cláusula penal. Esta cláusula necessita do acordo entre as partes e, no caso destes autos, não houve esse acordo, pelo que a cláusula foi estabelecida em contrário à lei, o que torna o contrato nulo.
Ademais, não podem ser exigidas, cumulativamente, uma cláusula penal e juros de mora, sob pena de nulidade.
Sendo os contratos nulos, deverá ser restituído, reciprocamente, tudo o que, em virtude dos contratos, tiver sido prestado.
Pela participação no Grupo 1000, nº de participante 1043, o réu prestou à autora 3.021.320$00, pela participação no Grupo 1000, nº de participante 1045 prestou, 3.129.791$00 e pela participação no Grupo 1000, nº de participante 1194, prestou 3.471.061$00. Participou também no grupo 1001, com a participação nº 1193, e prestou a quantia de 1.169.043$00. O contrato referente a esta participação enferma dos mesmos vícios que os contratos referentes à participação nos outros grupos, pelo que tem direito a receber as quantias prestadas, a que deve ser descontado, por compensação, a quantia de 9.568.749$00, correspondentes aos montantes prestados pela Autora.
No grupo 1001, participante nº 1193, pagou, a titulo de mensalidade, a quantia de 1.169.043$00, mas não foi contemplado nesse grupo e não foi reembolsado da referida quantia.
Conclui, pedindo que sejam julgadas procedentes e provadas as excepções invocadas e a sua absolvição do pedido e, em caso de procedência das excepções de nulidade dos contratos de ineptidão e da petição inicial, por ilegalidade do pedido, seja dado como provado e procedente o pedido reconvencional de 1.222.376$00 e, por via disso, a autora condenada a pagar-lhe a quantia de 1.222.376$00; em caso de improcedência das excepções, seja dado como provado e procedente o pedido reconvencional de compensação de créditos, no que respeita à importância de 1.169.043$00, paga à autora, em virtude da sua participação nº1193 e, por via disso, o pedido reduzido no montante de 1.169.043$00.
A autora replicou.
Saneado, instruído e julgado o processo, foi proferida sentença, que julgou procedente a acção, condenando o réu a pagar à autora a quantia de 27.372,42€, acrescida de juros de mora desde a data do vencimento de cada uma das mensalidades e até integral pagamento, operando-se a compensação com o crédito do réu (5.831,16 €).
Inconformado, o réu recorreu, sem êxito, para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Ainda irresignado, pede revista.
Concluiu a alegação do recurso pela seguinte forma: O DL. nº 237/91, de 2 de Julho, obriga, previamente à celebração de contratos de venda em grupo e sob pena de nulidade dos mesmos, à entrega de um prospecto informativo, o qual não foi entregue; Sustenta-se no acórdão recorrido que a lei aplicável, no que toca à legalidade formal dos contratos celebrados, seria o DL. nº 393/87, o qual não impunha a entrega de qualquer prospecto, o que não é entendimento não é satisfatório; O prospecto mais não é do que a particularização, para aquele tipo de contratos em concreto, do dever de informar fundamentadamente a contraparte das condições aplicáveis à contratação; O DL. nº 237/91 não traduz nada de particularmente novo, face ao DL. nº 393/87, no que respeita à obrigação de informar a contraparte sobre as condições aplicáveis ao negócio - como, aliás, resulta claro no preâmbulo do DL. nº 237/91, onde se refere que" ... Simultaneamente, e tendo em conta a crescente importância das políticas de defesa do consumidor, introduzem-se algumas regras em matéria de informação, na linha das soluções adoptadas no domínio do crédito ao consumo"; O que o DL. nº 237/91 veio fazer, no seu artigo 16°, foi apresentar uma interpretação da forma de cumprimento do dever de informação que sempre impendeu sobre as SACEG; O dever de informação é uma mera concretização do dever de boa fé na celebração de contratos e no cumprimento das obrigações, com concretizações nos artigos 227° e 762º do CC, não sendo, pois, inovador, no que tange ao estatuto do contrato; O artigo 16° do DL. nº 237/91, tem natureza interpretativa, aplicando-se, por integração na lei anterior, mesmo aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor; Ao decidir em sentido contrário, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 13°, nº1, 227° e 762°, todos do Código Civil, e ainda o artigo 16°, nºs 1 e 2 do DL. nº 237/91; Sendo nulo o contrato, pela não entrega do prospecto, acham-se violados os artigos 286° do CC, pelo não conhecimento, ainda que oficioso, de tal nulidade, e o artigo 289°, n° 1 do CC, pela não restituição recíproca de todo o prestado; Refere acórdão recorrido que o previsto no artigo 29° da portaria ministerial n° 317/88, de 18 de Maio, não se trata de verdadeira cláusula penal moratória, destinando-se antes a incentivar o participante a cumprir; Seguindo, por ora, à letra, o raciocínio do acórdão, teremos, então, que o referido artigo 29° institui um meio coercivo peculiar, com o fim, não de indemnizar o credor, mas de vencer a resistência daquele ao cumprimento da obrigação, sendo indiferente a existência ou não de prejuízos para o credor, decorrentes do retardamento da prestação; A ser válido tal entendimento, teríamos que o que está ali previsto nada mais é do que urna sanção pecuniária compulsória, prevista em termos gerais - já antes da entrada em vigor da referida portaria- pelo artigo 829-A do CC; A portaria, como resulta da respectiva economia, é acto essencialmente regulamentar; Face ao disposto no artigo 115°, n°s 5 e 6 da CRP, há um princípio de preeminência ou superioridade dos actos legislativos, relativamente a actos normativos, regulamentares ou estatutários; É incontroverso que a portaria deve obediência à lei; Do desenho legal da sanção pecuniária compulsória retiram-se alguns caracteres essenciais, que parece oportuno destacar, agora: por um lado, a sua aplicação aparece restrita às obrigações de carácter pessoal; por outro, a aplicação da sanção não é automática, terá de ser requerida; finalmente, a mesma tem de resultar de acto de império do julgador, não podendo resultar de convenção das partes; Da mesma forma, não pode resultar de imposição, em sede regulamentar; O que a portaria em crise vem fazer é, ao arrepio e em manifesta contravenção a acto legislativo, e sempre tendo em conta que ela tem por fito aquilo que se diz no douto acórdão recorrido, impor uma sanção pecuniária - mas para obrigação que não é de prestação de facto, muito menos infungível, de verificação automática, e sem intervenção do poder judicial; Porque se acha em contravenção à lei, tal "sanção" acha-se ferida de invalidade, e acarreta a nulidade do contrato - pelo que, sempre teria o douto acórdão recorrido violado o disposto nos artigos 115°, nºs 5 e 6° da CRP, o artigo 829-A do CC e o artigo 280° do CC; Ao contrário do sustentado no acórdão, não há quaisquer "dizeres enganadores" no texto da portaria, ali se consagrando uma verdadeira cláusula penal moratória; Tendo em conta os critérios de interpretação fixados pelo artigo 9° do CC, e sobretudo o disposto no número 2, não se vê por que razão se há-de entender que não se trata de cláusula penal moratória; Se é verdade que a mora implica o ressarcimento dos danos provocados pela não cumprimento atempado, há que não olvidar que a obrigação de ressarcimento é sempre instrumental, para o cumprimento definitivo da obrigação; Na verdade, a mora só existe quando o cumprimento ainda é possível, e a constituição em mora desempenha esse papel instrumental, de reforço do cumprimento da obrigação definitiva; O "incentivo" ao cumprimento existe sempre na mora, pelo que não é precisamente pela sua existência que se vai concluir que o estipulado no artigo 29° da portaria não tem natureza moratória; É diferente o regime da mora, consoante o tipo de obrigação em causa; In casu, está-se perante obrigações pecuniárias. Diversamente de outros retrasos no cumprimento, em caso de obrigação pecuniária, há uma presunção juris et de jure da existência de danos, não tendo o credor nem de provar a existência de danos, nem de provar qualquer nexo causal entre os danos e o facto ilícito; Assim, na mora decorrente do atraso na realização da prestação, sendo a obrigação pecuniária, prescinde-se da real existência de prejuízos; Por conseguinte, a mora, nas obrigações pecuniárias, sempre uma função de "enforcement", de compulsão ao cumprimento, e nem sempre reintegradora de prejuízos; O mesmo se diga, aliás, quanto à cláusula penal: é entendimento pacífico que a...
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Acórdão nº 4208/15.6T8PBL-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Janeiro de 2017
...7ª, pp. 444/445, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 2ª., p. 276, acórdãos do STJ de 8/11/2007, proferido no processo 07B3572, de 12/11/2009, proferido no processo 3510/06.2TVLSB.S1, da Relação de Coimbra de 18/7/2006, proferido na apelação 522/06, da Relação de Lisboa de 5/6/2......
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