Acórdão nº 07S2365 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução07 de Novembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 20 de Janeiro de 2005, no Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz, AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB, ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A., pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe: (a) uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais fixada no montante correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade; (b) a quantia de € 1.743,32, respeitante a retribuições e subsídios em dívida discriminados na petição inicial; (c) juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias em dívida, desde a citação e até integral pagamento.

Alegou, em suma, que foi admitido ao serviço da ré, em 22 de Outubro de 1984, por contrato verbal e sem prazo, e que, por carta de 20 de Setembro de 2004, tendo anexa a denominada «Guia de Transferência de Pessoal», a ré comunicou-lhe que, na sequência do encerramento do Estaleiro localizado em Montemor-o-Velho seria transferido para o Estaleiro Central da Empresa, sito em Porto Alto, a partir de 27 de Setembro de 2004, sendo que essa transferência, nas condições propostas pela ré, causava-lhe prejuízo muito sério e relevante, pelo que rescindiu o contrato de trabalho, por carta registada com aviso de recepção, em 28 de Setembro de 2004.

A ré contestou, por impugnação, alegando que o autor não sofreria qualquer prejuízo sério e grave com a transferência para Porto Alto.

Realizado julgamento, proferiu-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 11.292.62, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento, por se entender que a transferência do local de trabalho do autor, resultante da mudança total do estabelecimento da ré onde aquele prestava serviço, acarretaria ao autor um prejuízo sério, mostrando-se verificado o pressuposto exigido pelo n.º 4 do artigo 315.º do Código do Trabalho para a resolução do contrato de trabalho operada, com direito à indemnização prevista no n.º 1 do artigo 443.º do mesmo Código.

2.

Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida, sendo contra esta decisão que a ré se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido, ao abrigo das seguintes conclusões: «A) DA APRECIAÇÃO DA NULIDADE DA SENTENÇA (art. 721.º n.º 2, in fine, e art. 668.º n.º 1 al.

c), todos do C.P.C.) 1. Da conjugação dos factos dados como provados sob os nºs 22, 23, 24 e 25 resulta que o Tribunal a quo aceitou como verdadeiro e real o facto de que a ora Recorrente apresentou ao Autor uma proposta de aumento salarial de "entre 10% e 15%". Ou seja, fosse qual fosse o valor da retribuição concretamente auferida apelo trabalhador em Montemor-o-Velho, ela seria sempre inflacionada em pelo menos 10% se o mesmo aceitasse a sua transferência para Porto Alto; 2. No caso concreto, a douta sentença sufragada pelo Tribunal a quo (e daí este último incorrer na mesma contradição que o seu precedente) não podia concluir pela verificação de um prejuízo patrimonial significativo do Autor, quando, em sede de fundamentação factual, aceita que as despesas pessoais daquele estavam garantidas pela Ré e que, além disso, esta ainda teve a iniciativa de melhorar o salário auferido pelo trabalhador em "10% a 15%"; 3. Por conseguinte, padecendo a douta sentença da nulidade prevista no artigo 668.º n.º 1 do C.P.C., este vício acaba por ser incorporado, e assim reiterado, pelo douto acórdão recorrido, o que aqui expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos; 4. Quanto à suposta não concretização da proposta de aumento salarial apresentada ao Autor, convirá referir que esta só não aconteceu porque o Autor nunca aceitou a transferência do seu local de trabalho de Montemor-o-Velho para Porto Alto. Não se vê, de resto, como seria possível concretizar o referido incremento salarial de "10% a 15%" sem uma prévia aceitação da transferência do local de trabalho para Porto Alto por quem de direito - o Autor; 5. Nestes termos, fez o Tribunal a quo errada aplicação do direito, incorrendo ele próprio em nulidade, pois da consideração contextualizada dos factos em destaque impunha-se, salvo o devido respeito, que a sentença da 1.ª Instância fosse declarada nula (art. 668.º do C.P.C); B) DO ERRO NA APRECIAÇÃO DA PROVA (art. 722.º n.º 2, 2.ª parte, do C.P.C.) 6. De acordo com o disposto no artigo 722.º n.º 2, segunda parte, do C.P.C, cabe, ainda, na competência do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA a sindicabilidade do erro na apreciação da matéria de facto, por via de o Tribunal da Relação ter deixado liminarmente de apreciar essa mesma matéria com base em critério restritivo quanto às possibilidades legais dessa mesma modificabilidade; 7. No que se refere à livre apreciação da prova, esta encontra-se objectiva e subjectivamente limitada pelas regras da experiência comum, na acepção de que não pode o tribunal dar como provado determinado(s) facto(s) que, notoriamente, não corresponde ao normal desenrolar dos comportamentos humanos e/ou realidades físicas e sociais; 8. Ou seja, mandam as regras da experiência comum que se alcance a necessária harmonia no conjunto da matéria de facto provada, no pressuposto de que um certo facto provado não pode inviabilizar, logicamente, a coexistência de um outro; 9. Assim, não pode a Recorrente concordar com a alegação de que "[c]omo resulta da Acta de Audiência de Julgamento de fls. 78 e sgs., os depoimentos testemunhais aí prestados não foram objecto de gravação. (...). Não tendo sido gravada a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, afigura-se-nos que está este Tribunal impedido de proceder a um reexame da matéria de facto"; 10. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 712.º do Código de Processo Civil, "a decisão do tribunal de 1.ª instância pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa..." Donde resulta que a decisão da 1ª Instância pode (e deve) ser alterada quando, como é o caso, constem os necessários elementos de prova que serviram de base à requerida alteração à matéria de facto; 11. E note-se que, de acordo com o disposto no n.º 4 do art. 712.º do C.P.C., ainda que o Tribunal a quo entendesse, como entendeu (mal) não ser possível modificar a factualidade fixada na 1.ª Instância, por falta de gravação de depoimentos, deveria ter feito uso desta norma, podendo (e devendo) modificar a factualidade fixada em 1.ª Instância, pois que esta, sob os nºs 8, 10 e 25, se mostra obscura ou contraditória; 12. Analisando os fundamentos da posição manifestada pelo Tribunal da Relação quanto à impugnação das respostas dadas pela Primeira Instância àqueles três factos, facilmente se conclui que o Tribunal da Relação lançou mão de critério ilegal como legitimador da não apreciação daquela parte do recurso; 13. Essa decisão deverá agora ser rectificada por este Alto Tribunal, ordenando, salvo o devido respeito, que os autos baixem de novo à Relação para que esta se pronuncie concretamente sobre as propostas alterações à matéria de facto (acessoriamente se afirmando desde já que mantêm aqui plena acuidade e pertinência os argumentos e referências constantes da apelação nesta parte); 14. Neste contexto, o douto acórdão recorrido violou o disposto no art. 712.º n.º 1 al.

  1. [do] CPC; C) DOS ERROS DE JULGAMENTO (POR VIOLAÇÃO DA LEI SUBSTANTIVA) 15. Refere o douto acórdão recorrido que "os factos assentes indiciam, de forma inequívoca, que da transferência do A. para Porto Alto, pretendida pela Ré ora Apelante, resulta um prejuízo sério, ou seja, um sacrifício inaceitável para o A."; 16. De acordo com o referido acórdão, "[e]m primeiro lugar, há que atender que o novo local de trabalho dista cerca de 200 km da residência do A. O que acarretava que deixasse de residir na sua habitação sem (?) família ou que passasse a residir próximo do novo local de trabalho, com todos os transtornos daí decorrentes. E, [e]m segundo lugar, o A. colabora na preparação do filho para a escola, todos os dias, pois a esposa sai de casa às 5h30 da manhã, a fim de ir trabalhar (pontos 9 e 10). Com a transferência, deixaria de o poder fazer (...)"; 17. Resulta do facto provado n.º 7 que, por via desse novo local de trabalho do Autor (Porto Alto), a Recorrente garantia, ao Autor, alojamento "por conta da Empresa". Deste modo, estando o alojamento a cargo da entidade empregadora (bem como um subsídio de transporte, de cerca de 110 € e um subsídio de refeição de 5 € para o almoço e para o jantar), dúvidas não há de que, nenhum prejuízo sério resultaria dessa alteração de local de trabalho; 18. Considera a Recorrente que, no caso concreto, estamos perante meros "transtornos familiares" ou "incómodos para a vida pessoal" do trabalhador transferido e não perante um verdadeiro prejuízo sério; 19. Aliás, a esse propósito refere que, de acordo com o facto provado n.º 23, no decurso das negociações destinadas a decidir/preparar a transferência do local de trabalho do Autor, nunca este justificou a sua recusa em ser transferido para Porto Alto, com base nos prejuízos ou obstáculos pessoais/familiares, mas sim, unicamente, com base na insuficiência da proposta de aumento salarial; 20. Por outro lado, relativamente ao facto de que "o A. colabora na preparação do filho para ir para a escola, todos os dias, pois a esposa sai de casa às 05H30 da manhã, a fim de ir trabalhar", convirá referir que não se provou que o Autor tivesse que preparar o filho todos os dias para o acompanhar à escola; 21. Reitera-se o carácter conclusivo e subjectivo das expressões "problemas de saúde" e "consultas médicas frequentes", sendo que a sua utilização na matéria de facto acaba por impedir a...

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