Acórdão nº 07P2586 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução18 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. A, juntamente com outro, foi julgado pelo Tribunal Colectivo de Moura e aí, por acórdão de 22 de Novembro de 2006, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p.p. pelo artigo 132.°, n.º 2, al. d), do Código Penal, foi condenado na pena de 17 (dezassete) anos de prisão.

O seu co-arguido, B, foi condenado pela prática, como cúmplice, de um crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 27.°, 73.°, n.º 1, alíneas a) e b), e 132.°, n.º 2, al. d), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Desse acórdão condenatório apenas o arguido A recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, mas aí, por acórdão de 27 de Março de 2007, foi julgado improcedente o recurso e confirmada a decisão recorrida.

  1. Do Acórdão da Relação de Évora recorre agora o arguido A para este Supremo e, da sua motivação, retira as seguintes conclusões: 1°. O ora recorrente foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado p.p. pelo art. 132°, n.º 2, al. d) do CP, na pena de 17 anos de prisão; 2°. Não são, de modo algum, inteligíveis as razões pelas quais os meios de prova, genericamente indicados, serviram para formar a convicção do Tribunal e por que motivos obtiveram credibilidade no espírito do julgador, podendo estarmos perante uma insuficiência intolerável da motivação, onde as perguntas ao arguido deveriam ter partido de uma presunção de inocência e não de culpabilidade; 3°. Respeitou, o recorrente, o preceituado no artigo 412°, n.º 3, a), do CPP, indicando, nomeadamente, os pontos que considerou incorrectamente julgados pelo Tribunal a quo. ao contrário do que se afirma no Acórdão do Relação; 4°. A testemunha C, cujo depoimentos não foi considerado pelo Tribunal da Relação, afirmou que foi o próprio A que evitou uma nova agressão por parte do B a esta testemunha e disse que o arguido recebeu tratamento, dizendo que foi D que lhe deu com uma pedra na cara, devido a haver sangue na pedra; 5°. Na opinião do ora recorrente, parece-nos que muito ficou por dizer pela testemunha C, pois deste depoimento e, sobretudo da sua última parte, nada constou no douto Acórdão da 1ª instância, nem uma explicação sequer para não ter sido levado em consideração, porém, o depoimento desta testemunha, é considerado para se fazer prova contra o arguido A, 6°. achando por bem, o Tribunal, não continuar a ouvir esta testemunha, ferindo o seu depoimento livre e espontâneo, levando o "princípio da livre apreciação da prova", convenhamos, longe demais; 7°. Questões estas que o ora recorrente pretende deixar expressas desde já, pois poderemos estar perante uma inconstitucionalidade e feridos os aspectos basilares a que alude, nomeadamente, os artigos 18° e 32° da Constituição da República Portuguesa, onde se assegura ao arguido todos os meios de defesa; 8°. Por outro lado, o Tribunal da 1ª instância não chegou a averiguar a quem pertenceriam as botas e os sapatos que apresentavam sangue (presumivelmente do falecido), ficando, assim, sem se saber a verdade, devendo ter investigado esta questão que nos parece relevante, uma vez que o A não poderia ter calçados os sapatos e as botas ao mesmo tempo; 9°. O próprio Juiz afirmou: "É fácil saber de quem são os sapatos", porém o que é certo é que mesmo fácil, não se conseguiu apurar tal facto nem tão pouco se soube quais as diligências que foram efectuadas para se apurar a verdade dos factos, até porque é a testemunha C que afirma ter visto o arguido B à "cabeceira", não à distância que este arguido refere, devendo o Tribunal ter chamado a depor o cabo E, pessoa que foi a casa do B buscar as roupas; 10°. Não temos dúvidas que o arguido A agrediu o D, porém, estamos, eventualmente, perante uma situação em que uma pessoa causou realmente um mal mais grave do que o pretendido; 11°. A sua intenção era pura e simplesmente feri-lo, acabando por lhe causar a morte; 12°. É um crime que foi além da intenção do agente, existindo dolo de ofensas à integridade física; nexo de "causalidade adequada" entre as ofensas e a morte; temos a negligência em relação à morte, ou seja, o arguido; negligentemente, causa a morte através das ofensas que provocou dolosamente.

    13°. Pelo exposto, e perante toda a factualidade dada como provada, baseada no depoimento das testemunhas, e em todas as circunstâncias que envolveram a acção, encontramo-nos perante um crime que vai para além da intenção do agente, os chamados crimes preterintencionais; 14°. Tudo isto tendo por base as disposições conjugadas dos artigos 18° e 145°, ambos do Código Penal agravação pelo resultado - onde o resultado excedeu a intenção do agente, não sendo, assim, por conseguinte, a conduta do arguido A subsumível na previsão do homicídio e muito menos qualificado, devendo, Vs. Exas. proceder a uma requalificação jurídico-penal do crime a que foi condenado o ora recorrente, ponderando na medida da pena a aplicar a este caso concreto; 15°. Os factos conduzem, na opinião do recorrente, - por via redutora - a uma qualificação jurídico-penal menos grave do que a imputada no douto Acórdão da Relação; 16°. Não nos podemos esquecer que o arguido se encontrava inserido familiarmente, com companheira e filhos de 9 e 5 anos, o que o douto Acórdão não teve em consideração; 17°. A pena de dezassete anos ao arguido A e de quatro anos e seis meses ao arguido B, o primeiro como autor material e o segundo como cúmplice, não é de forma alguma aceitável; 18°. Primeiro porque ao cúmplice é aplicada a pena para o autor especialmente atenuada - artigo 27°, n.º 2, CP; 19°. Admitindo que tem que existir como que uma "dupla atenuação", desde logo por que a lei o exige e depois em virtude dos antecedentes criminais do arguido B, o que é certo é que os termos da atenuação especial previstos no artigo 73°, n.º 1, als. a) e) do CP, foram absolutamente desproporcionais e levados aos extremos, sendo as penas desajustadas para quem comete em autoria e cumplicidade, atendendo aos factos dados como provados; 20°. Não se pode concluir, pelo exposto, que a conduta do arguido preencha a previsão do artigo 132.º, n.º 2, al. d) do CP, 21°. entendendo-se que, eventualmente, a conduta do arguido seja subsumível na previsão das disposições conjugadas dos artigos 18° e 145°, ambos do CP, - qualificação jurídico-penal menos grave a que se chega pela imagem global dos factos e de todas as circunstâncias envolventes: 22°. Em alternativa, o recorrente, e uma vez que tem residência declarada em juízo, vem requerer a possibilidade da aplicação do sistema de Vigilância Electrónica, nos termos da Lei Regulamentar n.º 122/99, de 20 de Agosto e da Portaria n.º 109/05, de 27 de Janeiro, dando, desde já, o seu consentimento(1).

    Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento, consequentemente revogando-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora.

  2. O Ministério Público junto da Relação respondeu ao recurso e pronunciou-se pelo seu improvimento.

    O Excm.º PGA neste Supremo requereu a audiência para aí poder alegar oralmente.

  3. Foram colhidos os vistos e realizada a audiência com o formalismo legal.

    As principais questões a decidir são as seguintes: 1ª- Questões relativas ao estabelecimento da matéria de facto e que são de declarar fora do âmbito do recurso de revista perante o STJ; 2ª- Qualificação jurídica dos factos, pois o recorrente entende que não se trata de um crime de homicídio qualificado; 3ª- Medida da pena, que o recorrente considera exagerada, não só pela sua inserção social que não foi valorizada, como pela desproporção de penas com o seu co-arguido.

    Cumpre decidir.

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