Acórdão nº 07P3489 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução17 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:---Nos autos de processo comum com o nº P.C.C. 7144/03.STDPRT da 4ª Vara Criminal do Porto, o arguido AA, divorciado, vendedor, filho de BB e de CC, nascido em ..-..-......, natural de Pampilhosa da Serra, residente na Rua do ......., Edifício Santo António, ...º esqº - Oiã, foi submetido a julgamento perante o Tribunal Colectivo, na sequência de requerimento do Ministério Publico que lhe imputava a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 217º, nº 1 e 218º, nº 2, al. c) do Código Penal.

-Contra o arguido, vieram os assistentes DD e EE, id. nos autos, deduzir pedido de indemnização civil, requerendo a sua condenação no pagamento da quantia de € 550,73, acrescida de juros moratórios contados à taxa legal, a partir da data da notificação e até efectivo e integral pagamento, a pagar conjuntamente aos demandantes civis, a titulo de indemnização pelos danos patrimoniais causados bem como no pagamento da quantia de € 6.000,00 a pagar ao primeiro demandante e a de € 7.500,00 a pagar à segunda demandante, a titulo de indemnização por danos não patrimoniais causados, quantias essas acrescidas de juros contados à taxa legal desde a data da notificação até efectivo e integral pagamento.

-Realizado o julgamento, foi proferido acórdão em 21 de Junho de 2007, que decidiu julgar a acusação publica improcedente por não provada e, em consequência: - Absolver o arguido AA da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1 e 218º, nº 2, al. c), ambos do Código Penal; - Absolver o arguido AA da instância quanto ao crime de burla, p. e p. pelo art. 217º, nº 1 do Código Penal e, em consequência, julgar extinto o respectivo procedimento criminal; - Absolver o arguido/demandado AA da instância cível contra si deduzida por DD e EE, à luz do disposto nos arts. 71º do Código de Processo Penal e 287º, al. e) do Código de Processo Civil; Custas criminais a cargo dos assistentes, pelo mínimo legal, à luz do disposto no art. 515º do C.P.P.

Custas do pedido cível a cargo dos demandados, à luz do disposto no art. 446º do C.P.C.

Foi determinado: Boletins à D.S.I.C.

Notifique.

Depósito do Acórdão após a sua leitura.

---Inconformados, recorreram, para o Supremo Tribunal de Justiça: I- O Ministério Público, através da Exma Procuradora da República, apresentando as seguintes conclusões na motivação do recurso: 1ª O crime de burla qualificada, p. e p. pelas normas conjugadas dos art°s 217 e 218 do C.P. é um crime doloso; 2ª o dolo - tipo-de-culpa - reveste três diferentes modalidades ( artº 14 do CP): 1- o dolo directo - o agente prevê e tem como fim a realização do facto criminoso; 2 - o dolo necessário - o agente prevê que, da sua conduta resultará um facto criminoso e actua mesmo assim; 3 - dolo eventual - o agente prevê um resultado criminoso como consequência possível da sua conduta e actua conformando-se com essa possibilidade; 3ª o arguido conseguiu fazer interessar os assistentes na compra de um filtro de água doméstico, no valor de € 1.900,00, mas estes, apenas o queriam comprar em data muito posterior à da proposta de negócio, por só então esperarem receber uma certa quantia que lhes permitiria essa aquisição; 4ª o arguido soube desse facto e inteirou-se também de que os assistentes pretendiam comprar e pagar a pronto esse filtro; 5ª convenceu-os a adquirirem esse equipamento em antes de Maio de 2002 e a assinarem uma proposta de financiamento do valor do equipamento, garantindo-lhes que só seria entregue na Sociedade Financeira se estes não pagassem aquele valor em Maio de 2002, a pronto; 6ª os assistentes são pessoas simples e sérias, acreditaram em tudo e assinaram o que lhes foi pedido, convencidos que aquela proposta era apenas uma garantia para o vendedor; 7ª o arguido apresentou imediatamente a proposta de financiamento à Sociedade Financeira Finicrédito, a qual lhe creditou o valor do equipamento, concretizando assim um contrato de mútuo, por cinco anos, em que os mutuários o casal DD e EE, desconheciam o seu compromisso e posição de devedores; 8ª não obstante ter sido pago do preço pelo valor mutuado, o arguido recebeu ainda um cheque pelo valor de €1.900,00, que os assistentes, convencidos que lhe deviam, lhe entregaram em mão em Maio de 2002, como inicialmente tinham prometido fazer; o valor titulado no cheque foi pago ao arguido; 9ª o arguido sabia que os assistentes eram de muito modesta condição económica e sendo homem experiente em negócios e financiamentos, sabia que o contrato de mútuo que submeteu à Sociedade Financeira iria envolver os assistentes num negócio obrigacional altamente oneroso e que seguramente lhes traria uma diminuição financeira que estes não procuraram nem desejavam, devido ao valor dos juros correntes para este tipo de contrato; 10ª para além disso, recebeu duas vezes o preço do filtro, induzindo o casal em erro, com o que igualmente diminuiu o património dos assistentes; 11ª sabia que com a conduta descrita, enganava os assistentes, enriquecia-se a si próprio ilegitimamente e poderia deixá-los em situação económica difícil e no entanto conformou-se com essa possibilidade, não se coibindo de actuar conforme descrito; 12° cometeu assim um crime de burla qualificada, p. e p. pelas normas conjugadas dos ares 217 e 218 nº2 c), do CP, com dolo eventual; 13ª ao decidir pela absolvição do arguido pelo crime de burla qualificada, o douto Acórdão recorrido violou a norma do art° 218 nº2 c) do CP; 14ª o crime de burla qualificada tem natureza pública, bastando a simples denúncia para que o Ministério Pública adquira legitimidade para proceder criminalmente pelo mesmo. É o que resulta da conjugação das normas dos artºs 218 do CP e 48 do CPP; Essas condições de procedibilidade estão verificadas; 15ª o douto Acórdão recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que condene o arguido AA pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artºs 217º e 218º nº2 c) do CP, em pena de prisão suspensa na sua execução, sob condição de indemnizar os lesados; V.Exas. decidirão o que for de JUSTIÇA -II- Os assistentes e demandantes civis DD e EE, concluindo: 1ª O crime de burla qualificada, p. e p. pelas normas conjugadas dos artºs 217 e 218 do C.P. é um crime doloso; 2ª o dolo - tipo-de-culpa - reveste três diferentes modalidades ( artº 14 do CP): 1- o dolo directo - o agente prevê e tem como fim a realização do facto criminoso; 2 - o dolo necessário - o agente prevê que, da sua conduta resultará um facto criminoso e actua mesmo assim; 3 - dolo eventual - o agente prevê um resultado criminoso como consequência possível da sua conduta e actua conformando-se com essa possibilidade; 3ª o arguido conseguiu fazer interessar os assistentes na compra de um filtro de água doméstico, no valor de € 1.900,00, mas estes, apenas o queriam comprar em data muito posterior à da proposta de negócio, por só então esperarem receber uma certa quantia que lhes permitiria essa aquisição; 4ª o arguido soube desse facto e inteirou-se também de que os assistentes pretendiam comprar e pagar a pronto esse filtro; 5ª convenceu-os a adquirirem esse equipamento em antes de Maio de 2002 e, a assinarem uma proposta de financiamento do valor do equipamento, garantindo-lhes que só seria entregue na Sociedade Financeira se estes não pagassem aquele valor em Maio de 2002, a pronto; 6ª os assistentes são pessoas simples e sérias, acreditaram em tudo e assinaram o que lhes foi pedido, convencidos que aquela proposta era apenas uma garantia para o vendedor; 7ª o arguido apresentou imediatamente a proposta de financiamento à Sociedade Financeira Finicrédito, a qual lhe creditou o valor do equipamento, concretizando assim um contrato de mútuo, por cinco anos, em que os mutuários, o casal DD EE, desconheciam o seu compromisso e posição de devedores; 8ª não obstante ter sido pago do preço pelo valor mutuado, o arguido recebeu ainda um cheque pelo valor de €1.900,00, que os assistentes, convencidos que lhe deviam, lhe entregaram em mão em Maio de 20002, como inicialmente tinham prometido fazer; o valor titulado no cheque foi pago ao arguido; 9ª o arguido sabia que os assistentes eram de muito modesta condição económica e sendo homem experiente em negócios e financiamentos, sabia ) que o contrato de mútuo que submeteu à Sociedade Financeira iria envolver os assistentes num negócio obrigacional altamente oneroso e que seguramente lhes traria uma diminuição financeira que estes não procuraram nem desejavam, devido ao valor dos juros correntes para este tipo de contrato; 10ª para além disso, recebeu duas vezes o preço do filtro, induzindo o casal em erro, com o que igualmente diminuiu o património dos assistentes; 11ª sabia que com a conduta descrita, enganava os assistentes, enriquecia-se a si próprio ilegitimamente e poderia deixá-los em situação económica difícil e no entanto conformou-se com essa possibilidade, não se coibindo de actuar conforme descrito; 12° cometeu assim um crime de burla qualificada, p. e p. pelas normas conjugadas dos arts 217 e 218 nº2 c), do CP, com dolo eventual; 13ª ao decidir pela absolvição do arguido pelo crime de burla qualificada, o douto Acórdão recorrido violou a...

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