Acórdão nº 07P3878 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução17 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça O arguido AA veio interpor recurso da decisão que, pela prática de um crime de homicídio qualificado previsto e punido nos termos do artigo 131 e 132 nº1 e 2 alíneas d) e i) do Código Penal e de um crime de detenção ilegal de arma de defesa previsto e punido no artigo 6º da Lei 22/97 na redacção dada pela Lei nº98/01 o condenou nas penas de, respectivamente, vinte anos e seis meses de prisão e um ano de prisão.

Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de vinte e um anos de prisão.

As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: 1. O tribunal "a quo" deveria ter tomado em conta o conjunto de factos/circunstancias atenuantes supra-citadas dadas como provadas, a seu favor, nomeadamente a personalidade do agente, a sua situação pessoal e familiar, a sua conduta anterior e posterior ao facto, que motivariam uma atenuação especial da pena - art. 72° e 73° do C.P.

  1. A valoração correcta dos preceitos legais, sempre deveria ter conduzido a uma atenuação especial da pena e nessa conformidade, ao arguido ser aplicada uma pena que não excedesse os 14 (catorze) anos de prisão.

    Por outro lado, e mesmo que assim não se entenda, 3. Na fixação da medida da pena o tribunal não valorizou as circunstâncias (supra-citadas a que aqui se dão por reproduzidas) atinentes ao arguido, que diminuem a necessidade da pena da sua condenação no cumprimento de uma pena de vinte anos e seis meses de prisão.

  2. A necessidade de prevenção especial é reduzida, já que o arguido é primário, tem família constituída e organizada, sempre trabalhou e se pautou por obedecer à lei antes de ser preso e durante a sua reclusão.

  3. Em face das circunstâncias dadas como provadas e enquadradas no art. 71°, seria legítimo ao tribunal recorrido aplicar ao arguido uma pena que não ultrapassasse os 17 (dezassete) anos de prisão.

  4. Ao aplicar uma pena de vinte anos e seis meses de prisão, não dando o adequado e devido relevo às circunstâncias atenuantes supra referidas, violou o disposto nos art°. 71°, 72° e 73° do C.Penal.

    O Ministério público respondeu pela forma patente dos autos.

    Nesta instância a EXªMª Sr.ª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer constante de fls Os autos foram objecto de adequado visto.

    * Cumpre decidir Em sede decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade: 1) O arguido viveu maritalmente com BB, e com os dois filhos desta, CC, nascida em 07.10.1992 e DD, nascido em 07.01.1986, durante cerca de três anos. Em inícios do ano de 2005, BB começou a dar sinais de que iria terminar esse relacionamento.

    2) O arguido, contrariado com o termo da sua relação, decidiu que devia fazer sofrer a BB e considerou que a melhor forma de se vingar da BB era matar um dos seus filhos.

    3) Tendo optado por matar o DD em detrimento da CC por este ser o mais velho dos dois filhos da BB.

    4) Para concretização desse desígnio, sensivelmente durante o mês de Março de 2005, o arguido começou a elaborar um plano para matar o DD, nele incluindo o modo como deveria agir para não criar no DD qualquer suspeita sobre os seus reais intentos.

    5) E o modo como, após terminar a sua relação com a BB, iria manter uma relação cordial e de amizade com esta e com o DD.

    6) Começou igualmente a estudar o modo como deveria criar um álibi.

    7) Após algum tempo, concluiu o seu plano que consistia, sumariamente, em atrair o DD para um local ermo e isolado, com a promessa de nesse local se encontrarem com duas mulheres suas amigas e de, logo que aquele tivesse um momento de distracção, o matar a tiro.

    8) Assim, para concretização dos seus desígnios, comprou, em local e circunstâncias não concretamente apuradas, uma pistola semi-automática de calibre 6,35 mm e várias munições de calibre 6,35 mm Brownig (25 ACP ou 25 Auto, na designação anglo americana).

    9) Simultaneamente, o arguido começou a arranjar o seu próprio álibi, uma vez que poderia ser visto por terceiros na companhia do DD antes deste morrer e, por isso, surgir como um dos suspeitos do crime de homicídio de que aquele seria a vítima.

    10) Para evitar que tal sucedesse, arquitectou uma forma de simular contactos telefónicos feitos pela vítima, mas que seriam feitos por si mas sem que ficassem registados como tal.

    11) Para tanto, em data não concretamente apurada do mês de Março de 2005 - mas quando ainda vivia maritalmente com a BB - sem que esta se apercebesse, o arguido retirou do telemóvel por esta utilizado e fez seu o cartão SIM da Vodafone n° ..., associado ao número de telemóveI .... Este cartão, como o arguido bem sabia, é uma segunda via (pedida pelo arguido) do cartão SIM da Vodafone n° ..., que o arguido manteve na sua posse.

    12) Depois de retirar do telemóvel o cartão SIM n° ..., o arguido colocou no seu lugar o cartão SIM n° ..., sabendo que este estava desactivado desde 21.09.2004, ou seja, desde que havia sido activado o cartão n° ....

    13) A BB ignorando esta conduta do arguido ficou convencida que o cartão estava avariado e deixou de o utilizar, bem como ao telemóvel (telemóvel que a sua filha CC lhe havia emprestado em Fevereiro de 2005 para substituição do seu telemóvel "Nokia 5210" avariado).

    14) Em finais de Março de 2005, BB terminou o seu relacionamento com o arguido e abandonou, juntamente com os seus dois filhos, a residência de ambos, sita na Rua Joaquim Pinto, ...,..., na Senhora da Hora, Matosinhos, continuando o arguido a habitá-Ia.

    15) Nessa altura, o arguido encontrou na mesa de cabeceira do seu quarto o cartão Sim associado ao n° ..., utilizado por CC até Fevereiro de 2005 e sem qualquer utilização depois dessa data, como o arguido bem sabia.

    16) O arguido decidiu, então, usar este novo evento - a situação de inactividade do cartão - no seu plano.

    17) A partir de meados do mês de Abril de 2005, sempre que encontrava o DD, o arguido tratava-o de modo amigável e dizia-lhe que tinha duas amigas que gostariam de sair com ambos, facto que o arguido sabia ser falso.

    18) O arguido foi, assim, aguçando a normal curiosidade e o desejo do DD, um jovem de dezanove anos de idade, que começou a ficar entusiasmado com a ideia de sair com o arguido e com as duas amigas deste.

    19) Finalmente, quando considerou que estavam reunidas todas as condições para concretizar o seu plano, o arguido disse ao DD que já tinha combinado o encontro com as suas duas amigas e que tal encontro teria lugar em sua casa, no dia 25 de Abril de 2005, à noite, após o seu regresso do trabalho.

    20) Tendo o arguido já colocado a pistola semi-automática, com o carregador municiado introduzido, na mala do seu veículo automóvel "Seat lbiza" com a matrícula ....

    21) No dia 25 de Abril de 2005, cerca das 23H45, o arguido foi procurar o DD, encontrando-o na companhia de um amigo (EE), perto do estabelecimento denominado "...", na Senhora da Hora, Matosinhos.

    22) Na presença do DD e do amigo deste, a fim de fazer crer ao DD que o seu telemóvel não operava, o arguido simulou que efectuava uma chamada e, em voz alta, declarou que não podia fazer chamadas porque o seu telemóvel não tinha bateria.

    23) Depois de se separarem do amigo do DD, o arguido convidou o DD para ir a sua casa e depois de aí permanecerem alguns minutos, o arguido disse que deviam ir encontrar-se com as suas duas amigas em Leça da Palmeira nas imediações do bar "..." e "...".

    24) Deslocaram-se, então, para Leça da Palmeira no veículo do arguido (de matrícula ...), conduzido por este.

    25) Aí, em local e circunstâncias não apuradas, mas cuja célula de activação do telemóvel corresponde a Pampelido, o arguido pediu e utilizou o telemóvel do DD (um "Nokia 3310" com o IMEI ...).

    26) O arguido retirou o cartão que o telemóvel do DD tinha introduzido e colocou nele o cartão SIM n° ..., a que está associado o nº ..., que havia retirado à BB.

    27) Depois, simulando um telefonema para uma das amigas com que se iam encontrar, às 00H51 do dia 26 de Abril de 2005, cuja localização da antena é Pampelido, o arguido ligou para o n° ... - o número pertencente a CC até Fevereiro de 2005 - sabendo que ninguém iria atender tal chamada.

    28) Falou durante um minuto e 21 segundos para a caixa de mensagens do n° ... mas como se estivesse a conversar com uma das amigas acima referidas, e combinou o encontro com esta e a outra amiga nas imediações da Quinta da Conceição.

    29) Conseguiu, assim, convencer o DD de que estava efectivamente a conversar com essa pessoa e de que o encontro iria ocorrer.

    30) Posteriormente, também em local e circunstâncias não apuradas, mas cuja célula de activação corresponde a Leixões substituição, para manter a sua história, o arguido utilizou novamente o telemóvel do DD, retirou-lhe o cartão e colocou o cartão SIM n° ... e às 01h01, ligou de novo para o n° ....

    31) Entretanto, deslocaram-se para a Quinta da Conceição no veículo conduzido arguido.

    32) O arguido tomou o percurso do IC 1, saiu no local com o sinal de indicação de Leça da Palmeira, entrou no largo onde habitualmente se encontram aparcados reboques de veículos pesados, e depois de passar o primeiro túnel, que dá acesso a um novo largo onde confluem três outros túneis, estacionou aí o veículo.

    33) Aí chegados o falecido DD ficou durante alguns momentos no veículo, tendo o arguido saído do mesmo e se dirigido à mala donde retirou do seu interior a pistola com o carregador introduzido e devidamente municiado, pô-la pronta a disparar, guardando-a num dos bolsos do blusão que vestia.

    34) Esse local, tal como o arguido já havia estudado anteriormente, é um local isolado e escuro, sendo por isso que o escolheu.

    35) Depois do DD sair do veículo, caminharam ambos até à entrada Quinta da Conceição, tendo ambos se sentado no muro a conversar.

    36) Neste local não se encontrava ninguém e minutos depois o DD foi urinar e foi fazê-lo no muro do túnel ali existente, logo à entrada.

    37) Considerando que havia chegado o momento de concretizar o seu plano e que estavam criadas as...

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