Acórdão nº 07P3233 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução17 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: O arguido MJCR veio interpor recurso da decisão que o condenou nas seguintes penas: Como autor material de um crime de roubo simples, p, e p. pelo artigo 210,°, nº 1 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão - (CGD da Oura); Como autor material de um crime agravado de roubo, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22,° 23.°, 210,° nº 1 e 2 al. b) do Código Penal, com referência à al. f) do nº 2, do artigo 204,° do mesmo diploma legal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão - (BES do Lourel); Como autor material de um crime agravado de falsificação de documento, p. e p. nos artigos 256.°nº1 , al. c) e nº 3, na pena 9 (nove) meses de prisão (uso de motociclo com chapas de matrícula alteradas no assalto à CGD da Oura); Em cúmulo jurídico das penas parcelares que lhe foram aplicadas o arguido MJCR foi condenado na pena única de cinco anos de prisão.

As razões de discordância estão expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: 1. Entre a última sessão de Julgamento (em 30.03.2006) e a Leitura do Acórdão (04.05.2007) decorreram mais de trinta dias, pelo que, perde eficácia toda a produção de prova já realizada. O Tribunal recorrido proferiu o Acórdão, em desrespeito pelo identificado preceito, quando a prova já tinha perdido toda a sua eficácia. O Tribunal deveria ter interpretado o art. 328, ordenado a repetição da prova, antes da prolação do Acórdão recorrido.

  1. O recurso das decisões finais do Tribunal de Júri interpõe-se directamente para o STJ, nos termos do art. 432 alínea c) do CPP, que não contem a restrição da alínea d) referente aos recursos das decisões finais do Tribunal colectivo (que visam exclusivamente matéria de direito), o que significa que o recurso do Tribunal de Júri para o STJ abrange a matéria de facto, em toda a sua plenitude, de modo a abarcar a reapreciação da prova produzida na sua plenitude.

  2. Quando o STJ entender que o recurso do Tribunal de Júri para o STJ apenas se pode limitar aos vícios do art. 410 e não também a reapreciação da matéria de facto, haverá uma grave interpretação dos arts. 410, 432 alínea c, 434, todos do CPP, em violação do art. 32 nº1 da Constituição da República Portuguesa.

  3. Quando se entenda que o STJ não pode valorar a prova produzida, por se entender que o Julgamento foi feito perante Tribunal de Júri, ocorre uma violação grave dos arts. 410, 432 alínea c, 434, todos do CPP e a interpretação destes preceitos, em violação do art. 32 nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

  4. A condenação do ora recorrente vem sustentada (também) em intercepções telefónicas alegadamente realizadas a comunicações feitas através de telefones utilizados pelo ora arguido. Atenta a flagrante falta de cumprimento dos requisitos e condições consignadas nos art. 187 e 188 do CPP, foi expressamente arguida a nulidade de todas as intercepções telefónicas levadas a cabo nos autos. O Tribunal recorrido indeferiu as invocadas nulidades, pelo que intentou o presente recurso.

  5. No caso dos autos, não resulta a demonstração, quer da necessidade das intercepções telefónicas, quer da impossibilidade de obter prova através de outros meios menos danosos, verificando-se, por isso uma manifesta e clara falta de fundamentação (em violação do art 97 nº 4 do CPP) das várias decisões de interceptar os correspondentes postos telefónicos no momento em que as mesmas foram tomadas (v., por exemplo fls. 232, 239, 559, 607).

  6. Evidenciam os autos que há total falta de controlo jurisdicional, nesta vertente, relativamente a todos os postos telefónicos interceptados. Se não vejamos. Cotejadas as datas das intercepções com as datas da respectiva validação judicial das mesmas, facilmente se conclui que em caso algum houve um mínimo de controlo judicial, tal é o lapso de tempo que medeia entre o início da intercepção e a respectiva validação. A título meramente exemplificativo, dir-se-á que são completamente incompatíveis com o espírito da lei e da CRP, os dias que concretamente medeiam entre o início da intercepção aos respectivos postos telefónicos e as datas das respectivas validações: A fls. 239, 316 a 320, 559, 607, 651 a 686, 691, 1137 o JIC validou as escutas, de modo não imediato. Nalguns casos, as escutas são ouvidas quase dois meses depois da respectiva intercepção. Os prazos de validação são largamente ultrapassados, sendo certo que tudo quanto ultrapasse um prazo de 48 horas, está fora da letra da Lei IMEDIATAMENTE, do espírito do legislador, afastando-se largamente da Jurisprudência dominante.

  7. Como se alcança de fls. 691, entre outras, quando se Despacha (mais uma vez sem fundamentar, em violação do art 97 nº 4 do CPP) no sentido de prorrogar, já as respectivas autorizações judiciais haviam cessado. Com efeito, o caso poderia ser perfeitamente de nova autorização e não de prorrogação já que em boa verdade, não se pode prorrogar o que já cessou. No entanto tal exigiria nova fundamentação, independentemente, da fundamentação inicial, o que nunca se verificou.

  8. O Tribunal, ao proceder da forma acima descrita, designadamente (autorizar escutas através de despachos não fundamentados, não ouvindo imediatamente o teor das conversas interceptadas, prorrogar autorizações para novas escutas depois de esgotados os prazos da autorização inicial, persistindo em não fundamentar as prorrogações) interpretou os artigos 187 e 188 do CPP em violação dos 32°, nº 4 e nº 8. nº8, 34 nº 4, 43°, nº 1 e 4 e 18°, n° 2 da Constituição da República Portuguesa.

  9. Por outro lado, a transcrição das mensagens escritas de telemóvel constante de fls. 44, também não foi objecto de autorização judicial, o que implica uma interpretação dos artigos 187 e 188 do CPP em violação dos 32°, nº 4 e nº 8. nº8, 34 nº 4,43°, nº 1 e 4 e 18°, n° 2 da Constituição da República Portuguesa.

  10. O Acórdão recorrido errou na apreciação da prova, ao considerar provado que o recorrente MR participou nos assaltos ao BES do Lourel e à CGD da Oura.

  11. Para fundamentar a participação de MR no BES do Lourel, o Tribunal recorrido refere, pura e simplesmente o seguinte: "Tal convicção resultou da conjugação dos depoimentos das testemunhas inspectores da Polícia Judiciária (das directorias de Lisboa e Faro), com os relatos de diligências externas e relatórios de vigilância, o exame pericial de fls. 1084 e seguintes ( ... ). O tribunal complementou ainda estes elementos com referências concretas efectuadas pelas demais testemunhas inquiridas relativas ao modo como os assaltantes se transportavam e os objectos onde levavam os valores que retiravam". (pag. 43 do Acórdão recorrido). Nada mais! 13. Da prova produzida em audiência, nada resultou que permita concluir, com certeza a participação do recorrente MR nos factos constantes da pronúncia.

  12. A fis. 2031, o MP na Acusação (pag. 55), protestou juntar os exames de ADN de MS e JP. Tais exames laboratoriais nunca apareceram nos autos. Certo é que, face à ausência dos resultados dos ditos exames, o Tribunal recorrido optou por considerar que os factos foram praticados por MJCR condenando o recorrente.

  13. Como se alcança da perícia de fls. 1084, as sapatilhas apreendidas têm o nº 44, sendo manifesto que de tal relatório não se conclui (com certeza), que tais sapatilhas foram utilizadas no Bes do Lourel e muito menos pelo recorrente MJCR.

  14. De acordo com o depoimento da Testemunha SR em audiência (sessão de 28.03.2007, CD minuto 1:04:06 a 1:31:43) o MJCR calça o 41 e nunca calçou o nº 44 17. ( ••• ) no caso da CGD da Oura, foi decisiva a vigilância montada ao motociclo utilizado ( ... ) (pag. 43 do Acórdão recorrido). Esquece-se o Tribunal recorrido que, quem foi encontrado com objectos no Algarve foi apenas o arguido C.

  15. Nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência referiu ter visto (nem mesmo com dúvidas) o recorrente MJCR participar nos factos constantes da pronuncia, pelo que não se vislumbra como é que o Tribunal recorrido pode concluir pela sua participação nos assaltos ao BES do Lourel e à CGD da Oura.

  16. Não se vislumbra (e o Acórdão recorrido também não o explicou) como é que pode resultar provado que MJCR tenha utilizado o motociclo apreendido no Algarve. Quando se entenda o contrário, não se vislumbra como é que o Acórdão recorrido considerou que o eventual utilizador do motociclo sabia que a chapa de matrícula estava trocada.

  17. Pela prova produzida em audiência (onde é manifesto que ninguém reconheceu nenhum dos arguidos) e pelo Acórdão recorrido, não se vislumbra como é que o Tribunal recorrido conseguiu concluir (atentas as regras da experiência comum) "quem, fez, o quê, quando e como".

  18. Pela prova produzida em audiência o Tribunal deveria ter dado como provado (art 355 CPP) que o ora recorrente não participou em nenhum dos assaltos constantes da acusação.

  19. a Acórdão recorrido padece de falta de fundamentação em relação ao aqui recorrente já que não ousou demonstrar (em termos de lógica comunicacional) que medida é que, de acordo com a prova produzida, entendeu que o ora recorrente, cometeu os crimes por que foi condenado, para efeitos de preenchimento dos tipos de ilícito respectivos.

  20. O Acórdão recorrido errou manifesta e notoriamente na apreciação da prova, já que, pela prova produzida, não deveria ter dado como provado que o recorrente praticou os factos constantes da pronuncia.

    O Tribunal recorrido violou assim o artigo 355 do CPP, já que não valem em Julgamento quaisquer provas que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência.

  21. Não tendo absolvido o arguido, o Tribunal recorrido violou o art 355 do CPP, tendo o interpretado o aludido preceito em violação do P. In Dúbio Pro Reo, enquanto corolário do P. da Presunção de Inocência do Arguido, consagrado no art 32 nº 2 da Constituição da República.

  22. No essencial, o Acórdão recorrido, apesar de extenso, não fez uma exposição dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame...

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