Acórdão nº 07P3395 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Outubro de 2007
Magistrado Responsável | SANTOS MONTEIRO |
Data da Resolução | 17 de Outubro de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam em audiência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : Em P.º comum com intervenção de júri , sob o n.º 114/06.3PAAABT , do Tribunal Judicial de Abrantes , seu 2.º Juízo , foi submetida a julgamento AA , vindo , a final , a ser condenada como autora material de um crime qualificado , p . e p . pelos art.ºs 131 .º e 132.º n.º s 1 e 2 , als.c) e g) , do CP , na pena de 18 anos de prisão e , ainda , como o Fundo Garantia Automóvel , e ambos solidariamente , ao pagamento aos assistentes BB , CC e DD , da indemnização de 120.000 € , acrescida de juros de mora desde a prolação do acórdão e até integral reembolso , absolvendo a Companhia de Seguros Fidelidade -Mundial , S A.
Foi , ainda , declarado perdido a favor do Estado do veículo e , ainda , cassada a carta de condução por quatro anos à arguida .
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A arguida , inconformada com o decidido , interpõs recurso para este STJ , apresentando na motivação as seguintes conclusões : Procedeu-se a uma errada qualificação do crime , fazendo-se tábua rasa dos art.ºs 20.º , 71.º e 72.º , do CP.
Na data dos factos a arguida pelo que bebeu , não era uma "pessoa , mas um barril de álcool " .
A norma do art.º 20.º do CP não foi articulada com o relatório pericial de imputabilidade diminuída em período de sobriedade , tendo que conduzir à inimputabilidade no dia dos factos e conjugadamente com a confissão da arguida .
A pena aplicada peca por excesso.
A conduta da arguida não é conforme a uma intenção dolosa de querer matar, antes à morte que resvala na desgraça e imperícia , sem dolo , mostrando-se antes conforme à tipificação prevista nos art.ºs 144.º e 145., do CP .
Não se aceita que a confissão , por escrito e documentada , declarando o seu arrependimento , pode ser relevada à consideração de silêncio .
A tudo atendendo nunca a pena seria a actual .
A condenação não tinha que ser solidária com o Fundo de Garantia Automóvel , porque o segurado condutor apenas faz uma transferência da responsabilidade civil por facto culposo ou risco .
O caso é crime doloso ; O carro foi o " corpus delictus " .
Deve , pois , ser absolvida ou se assim se não atender aplicar-se o disposto nos art.ºs 144.º e 145 .º , do CP .
II . Responderam o M.º P.º a sustentar o acerto do decidido e os assistentes a pugnar pela rejeição do recurso , por ser manifestamente improcedente , sendo que também as conclusões não foram resumidas e nem deduzidas por artigos .
III . Colhidos os legais vistos , cumpre decidir , considerando que se provou o seguinte acervo factual : No dia 17 de Junho de 2006 , cerca das 22h30 , a arguida AA encontrava-se no interior do seu veículo ligeiro de passageiros , marca " Fiat" , modelo " Bravo" , de matrícula ...-...-HI , o qual se encontrava parado junto ao estabelecimento bar "1640" , sito no Largo da Ferraria , em Abrantes .
Nesse momento passou junto do veículo EE , de 83 anos de idade , o qual habitava naquela zona e , como era habitual , fazia por ali o seu passeio a pé .
A arguida , ao avistar o EE , saiu do veículo , dirigiu-se a este e disse-lhe : " filho da puta , porco , cabrão , andas a espreitar-me , vou-te matar e faço-te a cama " , após o que o encostou à esquina de um prédio ali existente e lhe desferiu diversas bofetadas na cara , só o largando por ter sido separada por populares que ali se encontravam .
Enquanto decorriam tais factos , o EE limitou-se a dizer repetidamente para a arguida " deixa-me , deixa-me " e continuou , então , a sua caminhada , subindo a Rua Capitão Correia de Lacerda e virou no cimo desta à direita para a Rua D. Francisco de Almeida , que com aquela entronca , circulando sempre sobre o passeio .
A arguida , por sua vez , logo entrou no seu veículo e após fazer marcha atrás de forma brusca , virou no encalce dele , passando a circular pela Rua Capitão Correia de Lacerda , virando, no cimo desta , à direita para a Rua D. Francisco de Almeida .
Imediatamente após ter virado para a Rua D. Francisco de Almeida, logo no início desta , quando o EE se encontrava no passeio existente à direita da via , atento o sentido de marcha da arguida , esta guinou , súbita e bruscamente , o volante para a sua direita e , acelerando o motor do veículo , direccionou-o de imediato no sentido do EE , com o propósito de o atingir .
Para melhor concretizar os seus desígnios , a arguida galgou o passeio com o veículo , corrigindo , ainda , ligeiramente a direcção deste para a esquerda , por forma a atingir o EE com a parte central da dianteira do seu veículo , como atingiu .
Após o referido embate , o EE caiu ao chão , ficando , de imediato , preso na parte inferior da dianteira do veículo .
Apercebendo-se que o EE ficara preso , a arguida imprimiu maior velocidade ao veículo de modo a que o mesmo passasse completamente sobre o corpo daquele , tendo-o arrastado cerca de 29 ,50 metros pela calçada , altura em que o corpo deste se libertou , passou-lhe com o veículo por cima .
A arguida continuou a sua marcha , abandonando o local .
Com o referido embate , causou a arguida ao EE , directa e necessariamente as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia , designadamente : " 1. Cabeça ; a) crâneo : Partes moles : infiltração sanguínea no masseter direito , região parietal esquerda e occipital , medindo dez centímetros de comprimento por 25 cms . de largura.
Ossos do crâneo : fractura em" T " com infiltração sanguínea , atingindo o parietal esquerdo , o occipital medindo os ramos vinte centímetros de comprimento , dez centímetros de comprimento , seis centímetros de comprimento .
Fractura transversal ao nível das asas do esfenóide atingindo toda a extensão da base .
Fractura longitudinal entre o orifício medular e occipital dando continuidade à fractura do occipital já descrita com infiltração sanguínea .
Encéfalo : hemisférios simétricos , sem sinais de amolecimento , com focos de contusão a nível da região parieto-occipital esquerda (...) Membros : Membro inferior esquerdo : fractura cominutiva do terço médio dos ossos da perna com infiltração sanguínea .
As referidas lesões traumáticas crânio meningo encefálicas e dos membros determinaram a morte do EE .
Ao actuar do modo descrito e nas circunstâncias em que o fez , a arguida agiu com o firme propósito de matar o EE , como matou , querendo utilizar para tal fim um veículo automóvel para o atingir , como utilizou e atingiu , tirando-lhe qualquer possibilidade de defesa e causando-lhe atroz sofrimento até morrer .
A arguida agiu deliberada , livre e conscientemente , bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei .
A arguida é portadora de perturbação da personalidade consistente clinicamente em perturbação da personalidade emocionalmente instável (F60.30 ) e perturbação de abuso de substâncias ( álcool ) , nunca tendo sido até à data sujeita a tratamento psiquiátrico ou manifestado vontade de o realizar , a que acresce a carga genética ( pais , primos direitos com personalidades desestruturadas e ambos alcoólicos ) e factores da sua história biográfica ( ambiente negligente e desestruturada na infância e adolescência ) , que comprometem fortemente o desenvolvimento da personalidade , tendo sido considerada numa situação de...
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