Acórdão nº 07B2113 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução13 de Setembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA, L.da intentou, em 29.03.2004, no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca da Amadora, contra BB, L.da, acção com processo ordinário, pedindo que fosse declarada a resolução do contrato de arrendamento, tendo por objecto o prédio urbano sito na Rua ..., n.º 000-B, na Venteira, Amadora, e a ré condenada a despejar o imóvel arrendado restituindo-o devoluto de pessoas e bens, a pagar-lhe, na eventualidade de não efectivação da desocupação, uma sanção pecuniária compulsória nunca inferior a € 50,00, e a pagar-lhe as rendas vencidas até à propositura da acção, na quantia de € 52.373,77, e as vincendas, até à restituição definitiva do imóvel, acrescidas dos respectivos juros de mora à taxa legal.

Para tanto alegou, em síntese, que a ré não pagou as rendas vencidas a partir de 1 de Maio de 1985, do montante mensal de 20.000$00 até Junho de 2000, nem as subsequentes, no valor mensal de 150.000$00.

A ré contestou, alegando que a Autora recusa, desde Abril de 1985, o pagamento das rendas que lhe foi oferecido pelos sucessivos arrendatários que, por isso, passaram a depositar o respectivo valor, que se mantém em 20.000$00. Para além disso, invocou a prescrição das rendas vencidas antes de 1 de Abril de 1999, bem como dos juros vencidos há mais de cinco anos.

Concluiu pela sua absolvição do pedido, formulando ainda, em reconvenção, pedido no sentido de serem libertados a seu favor todos os depósitos condicionais efectuados, de lhe ser reconhecido o direito ao levantamento de todas as rendas depositadas antes de 1 de Abril de 1999 e de condenação da autora a restituir-lhe o valor das rendas depositadas antes de 1 de Abril de 1999 se, depois de notificada da reconvenção, viesse a proceder ao seu levantamento.

Seguiu-se réplica da autora, para resposta à arguição de prescrição e impugnação dos depósitos das rendas.

No despacho saneador foi, além do mais, indeferida liminarmente a reconvenção.

Seleccionada a matéria de facto, seguiu o processo a sua normal tramitação, vindo a realizar-se o julgamento e a ser proferida sentença, que julgou a acção improcedente.

A autora apelou da sentença proferida.

Porém, sem êxito, já que a Relação de Lisboa, em acórdão oportunamente proferido, julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

De novo inconformada, a autora traz agora a este Supremo Tribunal o presente recurso de revista, rematando as respectivas alegações com a enunciação de um alargado e - dizemo-lo sem quebra do respeito que é devido e nos merece o seu autor - muito confuso leque de conclusões, que, após intenso esforço interpretativo, julgamos poderem assim sintetizar-se: 1ª - O acórdão recorrido é nulo, por violação do art. 668º/1.d) do CPC, uma vez que não emitiu pronúncia sobre questões que devia ter apreciado, e que ele próprio refere, ao transcrever as conclusões da recorrente [as das alíneas f), g) e i)]; 2ª - O acórdão recorrido refere que a decisão sobre o levantamento do depósito das rendas pode ser proferida depois da sentença transitar em julgado. Ora, tal asserção contraria o disposto no art. 666º do CPC, do qual resulta que, uma vez proferida a sentença, o tribunal de 1ª instância não pode alterar a decisão nem os seus fundamentos, não podendo já modificar o seu sentido e alcance. Deve, por isso, o Supremo determinar a nulidade da decisão por falta de pronúncia; 3ª - As rendas não prescreveram, e o art. 311º do CC é aplicável ao caso, mesmo tendo por base uma avaliação fiscal extraordinária; 4ª - A recorrente não está em mora, pois enquanto não for paga ou depositada a quantia correspondente às rendas em atraso, acrescidas da correspondente indemnização, o senhorio pode recusar o recebimento das seguintes, que se consideram em dívida, sendo que a persistência de mora em relação a rendas anteriores se comunica às posteriores, pagas ou depositadas em singelo. E, enquanto o arrendatário original não provar por meio de notificação judicial avulsa o seu depósito, fica obrigado a provar que ofereceu tais rendas; 5ª - Ora, o arrendatário antecessor da ré, não só pagou fora do prazo as rendas de Abril, Maio e Junho de 1985, como não operou a devida notificação, quanto à comunicação do respectivo depósito, pelo que se constituiu em mora quanto a essas rendas, e transmitindo a mora às rendas posteriores; 6ª - Ademais, o arrendatário antecessor nem sequer demonstrou ser beneficiário de qualquer cedência de posição contratual (sic), que, aliás, o contrato de arrendamento não permitia, o que leva a concluir que, pelo menos ao tempo do depósito (Junho de 1985), havia fundamento para despejo por falta de autorização do senhorio para o trespasse, o que legitima a recusa deste em receber as rendas; 7ª - É, pois, a arrendatária que se encontra em mora, pois para ela se transmitiram os vícios das sucessivas comunicações de trespasse para aqueles que a antecederam naquela posição de arrendatária; 8ª - E, assim sendo, e não estando os depósitos efectuados pelos montantes efectivamente devidos, e adicionados dos acréscimos legais devidos, deve ser decretado o despejo imediato do locado; 9ª - Tão pouco obedecem tais depósitos aos requisitos de forma previstos no art. 23º do RAU, já que não referem o montante da renda, e a grande maioria não alude ao período de tempo nem ao motivo por que se solicita o depósito, pelo que não valem como depósitos liberatórios; 10ª - Também o acórdão recorrido claudica quando entende que a carta enviada pelo mandatário da recorrente à recorrida, em 01.03.2001, não constitui uma verdadeira interpelação para pagamento da nova renda.

A recorrida bem percebeu o teor da carta e o seu objectivo, pelo que haverá de ter-se como devida, a partir do mês seguinte, a renda mensal de 150.000$00, uma vez que a arrendatária não usou da prerrogativa, conferida pelo Dec-lei 330/81, de exigir a prática da renda transitória.

Em contra-alegações, a ré pugna pela improcedência do recurso e consequente confirmação do acórdão recorrido.

Corridos os vistos legais, cumpre agora decidir.

  1. Mostra-se provada a seguinte matéria de facto: 1. A propriedade do imóvel sito na Rua ..., n.º... B, freguesia da Venteira, Amadora, descrito sob o número 7180, a fls. 69v., do livro b-27, na 1ª Conservatória do Registo Predial da Amadora e inscrito sob o artigo 982º na matriz predial urbana da Freguesia da Venteira, concelho da Amadora, encontra-se registada a favor da Autora; 2. O referido bem imóvel foi dado de arrendamento inicialmente à Sociedade Móveis Gulamo, L.da, em 1977; 3. O arrendamento referido no número antecedente foi realizado inicialmente por escrito, sendo acordada a renda mensal de 20.000$00; 4. Desde sempre que as rendas do locado eram solvidas por cheque enviado para a sede da autora, sendo este o seu local de pagamento; 5. Desde 1977, o locado serve exclusivamente o exercício do comércio; 6. Por escritura de trespasse datada de 22/03/1985, realizada no 14º Cartório Notarial de Lisboa, transmitiu aquela a propriedade do estabelecimento comercial e consequentemente o arrendamento do locado a Ivo Jorge Cruz Santos Leitão; 7. Tal comunicação de trespasse mereceu a resposta do gerente da sociedade autora, constante da carta cuja cópia se acha a fls. 31/33 (doc. n.º 6 junto com a p.i.), colocando em causa a licitude do trespasse; 8. Subsequentemente, por escritura de trespasse datada de 18/06/1985, realizada no 14º Cartório Notarial de Lisboa, transmitiu este Ivo Jorge Cruz Santos Leitão a propriedade do estabelecimento comercial, e consequentemente o arrendamento do locado, a Abdul Carimo Juma e Piatiry Amade; 9. Na mesma medida, tal comunicação de trespasse mereceu por parte da gerência da autora a resposta constante da carta cuja cópia se acha a fls. 40 (documento n.º 9), contestando mais uma vez a licitude do trespasse (cfr. documento n.º 10); 10. Apesar do referido nos antecedentes n.os 7 e 9 a autora não intentou acção de preferência, condescendendo no aludido trespasse; 11. O imóvel arrendado serve unicamente para exercício de comércio exclusivo da ré; 12. O aludido valor da renda não foi aumentado até ao ano de 2000; 13. Em 1995, a autora iniciou processo na forma de avaliação fiscal extraordinária; 14. Este processo culminou com a prolação de sentença no processo extraordinário de recurso de avaliação urbana, nos termos constantes da certidão de fls. 44 e seguintes, que aqui se dá por integralmente reproduzida (documento n.º...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
251 temas prácticos
250 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT