Acórdão nº 06S4107 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelMARIA LAURA LEONARDO
Data da Resolução12 de Setembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça: I. "AA", residente em Braga, propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra Empresa-A, com sede no Estádio 1º de Maio, na mesma cidade, pedindo a condenação da ré/sociedade desportiva a pagar-lhe a quantia de € 934.469,00 (correspondente a retribuições vencidas e vincendas e a uma indemnização por danos morais), acrescida dos prémios de jogo da época 2003/2004, a liquidar em execução de sentença, bem como dos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que, como treinador de futebol, foi admitido ao serviço da ré para as épocas desportivas de 2002/2003 e 2003/2004, mediante contrato de trabalho outorgado em 05 de Junho de 2002; todavia, em 04 de Junho de 2003, sem que existisse justa causa, foi despedido pela ré, facto que o afectou nos termos que descreve.

Na contestação, a ré nega que o despedimento tenha sido sem justa causa. Sustenta que o contrato junto pelo autor como documento nº 2 é nulo, por força do disposto no artº 280º do CC; de qualquer modo, tal contrato, assim como o que consta do documento nº 3, também junto com a petição inicial, sempre seriam ineficazes relativamente à ré. Defende que o montante pedido é excessivo e que os factos alegados pelo autor são insuficientes para fundamentar qualquer tipo de indemnização.

Na resposta, o autor pede a condenação da ré, como litigante de má fé, em multa e indemnização.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, declarou a ilicitude do despedimento do autor e condenou a ré a pagar-lhe a quantia de € 834.469,00, acrescida dos prémios dos jogos da época 2003/2004, a liquidar em execução de sentença, bem como de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

O tribunal de 1ª instância concluiu ainda não haver elementos que permitissem a condenação da ré como litigante de má fé.

Por seu turno a Relação, concedendo parcial provimento ao recurso interposto pela ré, alterou o montante condenatório (líquido) para a quantia global de € 560.771,00, acrescida da quantia, a liquidar posteriormente, relativa ao prémio por objectivos e por jogos da época de 2003-2004, com dedução das eventuais importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo recorrido.

No mais, manteve a sentença recorrida.

Inconformadas com a decisão, ambas as partes vieram recorrer de revista.

Eis as conclusões da alegação do autor: 1ª) - O entendimento de, no tocante às prestações relativas a resultados desportivos, ou seja, aos prémios por objectivos e de jogos da época de 2003-2004, previstos na cláusula 2ª do contrato de fls. 76-77, a ré ser condenada apenas no que vier a ser liquidado, tal como preceitua o artº 661°-2 do CPC, está em contradição com as premissas da decisão tomada e, designadamente, com os fundamentos constantes da mesma e do parecer do Professor Doutor Leal Amado, juntos aos autos a fls. 1032; 2ª) - A declaração judicial de i1icitude do despedimento implica que o empregador seja condenado a pagar uma "importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato" (artº 52º/2-a) da LCCT, aprovada pelo DL nº 64-A/89, de 27-02); 3ª) - A condenação da entidade patronal no pagamento das retribuições vincendas deverá desde logo incluir a parte variável destas, relativa aos prémios contratualmente ajustados; 4ª) - "Ao despedir ilicitamente o treinador - acto que ( ... ) se traduz numa agressão a um direito fundamental do mesmo (artº 53º da Constituição da República Portuguesa) - a entidade empregadora impediu-o de lutar pelos resultados previamente estabelecidos, ... privou-o da possibilidade de atingir as metas predefinidas!" 5ª) - É devido à actuação contra legem da entidade empregadora - ao afastar ilegalmente o autor do comando técnico, táctico, físico e psicológico da equipa - que não sabemos se este conseguiria, ou não, atingir os objectivos desportivos constantes do seu contrato de trabalho; 6ª) - O facto de os objectivos desportivos constantes do contrato de trabalho do autor terem ou não sido atingidos com terceiros é, de todo, irrelevante para os autos e, designadamente, para o apuramento do valor da indemnização que lhe é devida; 7ª) - A ré/recorrida, enquanto entidade empregadora, autora do despedimento sem justa causa e única responsável pelo mesmo, não poderá deixar de ser condenada a pagar todas as retribuições vincendas, incluindo aquelas, como as respeitantes a "prémios por objectivos", que integravam o programa contratual retributivo a título de parte variável do salário e, independentemente, das mesmas se terem verificado ou não por intermédio de terceiros; 8ª) - Nos valores peticionados, o autor/recorrente expressamente excluiu as prestações relativas a resultados desportivos que, à data do despedimento (4 de Junho de 2003), já se tinham revelado impossíveis de alcançar ao longo do período contratual ajustado; 9ª) - A decisão ora impugnada violou as normas legais supra citadas.

Termina no sentido de ser revogada, na parte impugnada, o acórdão recorrido, mantendo-se o mesmo na parte restante.

Por seu turno, a ré apresenta as seguintes conclusões: 1ª) - Considerou o acórdão recorrido que o CCT aplicável aos treinadores de futebol, "prevendo um tratamento menos favorável do trabalhador, em sede de indemnização por despedimento", não pode prevalecer sobre o conteúdo imperativo do citado artº 52°-2-a), tal como estabelece o artº 13°-1 da LCT; 2ª) - Porém, por um lado, é a própria LCCT que admite expressamente no seu art° 59°-1 a possibilidade da prevalência do regime estatuído por via da contratação colectiva, ao estipular que "os valores e critérios de indemnizações consagrados neste regime (...) podem ser regulados por instrumento de regulamentação colectiva de natureza convencional", no que constitui excepção à regra geral prevista no art° 2° do mesmo diploma; 3ª) - Por outro lado, a aplicação dos critérios previstos no art° 40° do CCT também se justifica em função da natureza especial do tipo de relação contratual em causa nos presentes autos (contrato individual de trabalho de treinador de futebol), aliás reconhecida no artº 5°, parte final, daquele CCT; 4ª) - O reconhecimento do carácter especial dos contratos individuais de trabalho dos treinadores de futebol vem sendo aceite quer pela doutrina, quer pela jurisprudência nacionais, conforme foi o caso do ac. STJ de 12/07/85, in BMJ nº 349/325, em que se considerou o seguinte: «I - Há que ter na devida conta a particularidade do contrato individual de trabalho dos treinadores de futebol: são geralmente de curto prazo e referidos a épocas de futebol (Verão-a-Verão). II - Face ao apontado particularismo desses contratos, é frequente que deles conste uma cláusula como a que estipule uma indemnização mais vantajosa para o trabalhador do que a estabelecida para o comum dos contratos a prazo. III - Visto que tal cláusula é consciente e deliberadamente assumida por ambas as partes, e não se vê princípio algum de interesse público que a contrarie, natural é que o Tribunal venha a julgar no sentido da obrigatoriedade do seu cumprimento - até em homenagem e em defesa do princípio da boa fé contratual.» 5ª) - É esse particularismo, a ausência de qualquer interesse público relevante e a defesa do princípio da boa fé contratual que, de igual modo, no caso em apreço e não obstante a indemnização menos vantajosa, justificam a plena aplicação do critério indemnizatório fixado no CCT; 6ª) - Salienta-se em defesa da tese sustentada, que as partes aqui em litígio expressamente acordaram em sujeitar-se às normas constantes do citado CCT nos termos que constam do clausulado do contrato individual de trabalho por ambos outorgado (cfr. preâmbulo e cláusulas 4ª e 13ª do contrato junto a fls. 71 a 73); 7ª) - Refere-se ainda, a este propósito, no acórdão recorrido: "... nem ser tal IRCT aplicável no "âmbito pessoal" ao recorrido, por não resultar da matéria de facto que o mesmo esteja filiado na organização sindical subscritora de tal CCT, sendo que nem sequer existe PE nesse sentido" (cfr. pág. 54 do acórdão); 8ª) - Porém, tais proposições deverão ser considerados irrelevantes na situação em apreço uma vez que, conforme se disse, a vontade de sujeição à aplicação das normas constantes do citado CCT, foi expressamente acordada entre recorrente e recorrido no texto do contrato de trabalho junto a fls. 71 a 73, designadamente nos termos que constam do respectivo preâmbulo e cláusulas 4ª e 13ª.

9ª) - Este entendimento é o que está de acordo com a recente jurisprudência do Supremo Tribunal constante do ac. de 25/05/2005. processo 05S259, nº convencional JST J000, em que foi relator Sousa Peixoto, in www.dgsi.pt, no seguinte sentido: «Não havendo portaria de extensão, os CCT's só são aplicáveis às entidades subscritoras e aos seus representados, salvo se a sua aplicação a determinada relação laboral tiver sido expressamente acordada inter partes. ... Para que se conclua nesse sentido, não basta que, nos articulados, as partes digam aceitar tal aplicação, sendo necessário ainda que aleguem e provem que assim foi convencionado em sede do contrato individual de trabalho entre si celebrado».

10ª) - Ora, o pressuposto de que tal acórdão faz depender a aplicação do CCT encontra-se preenchido nos presentes autos conforme resulta do contrato de trabalho junto a fls. 71 a 73 (cfr. alínea c) dos factos provados), pelo que, ao concluir, no caso em apreço, pela não aplicação dos critérios estabelecidos no CCT, o acórdão recorrido contrariou a supra citada jurisprudência do Supremo Tribunal firmada no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, violando as disposições do art° 59°-1 da LCCT e art°s 40°-2 e 44° do CCT aplicável aos treinadores de futebol...

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