Acórdão nº 07S820 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelMARIA LAURA LEONARDO
Data da Resolução12 de Setembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - "AA", residente na Rua de Aljustrel, n.º ..., em Rio de Moinhos, Aljustrel, por si e em representação do seu filho menor, BB, consigo residente, intentou a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra CC e DD, ambos residentes no Bairro Novo, em Rio de Moinhos, pedindo se declare como de trabalho o acidente mortal sofrido por EE e que os réus sejam condenados a pagar: (a) À autora/viúva, a pensão anual e vitalícia de € 3.825,00, com início em 17 de Novembro de 2004; (b) Ao filho menor, a pensão anual de € 2.190,00, com início em 17 de Novembro de 2004 até perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar o ensino secundário ou curso equiparado com o ensino superior; (c) A ambos os autores, o montante de € 4.387,20, referente ao subsídio por morte, o montante de € 2924,80, a título de despesas de funeral com trasladação, e o montante de € 30,00, a título de despesas de transporte com duas deslocações ao Tribunal de Trabalho de Beja.

Alegaram, em síntese, que EE, respectivamente marido e pai dos autores, celebrou um contrato de trabalho verbal com os réus, que se iniciou no dia 1 de Novembro de 2004, cujo objecto era a realização de vários trabalhos agrícolas nas propriedades dos réus, mediante a remuneração diária de € 30 x 365 dias, incluindo subsídio de alimentação; que, no dia 16 de Novembro de 2004, quando aquele se dirigia para uma daquelas propriedades conduzindo um tractor, sofreu um acidente em virtude do capotamento do veículo que conduzia, acidente que foi causa directa e imediata da sua morte.

Na sua contestação, os réus pugnam pela improcedência da acção e sua consequente absolvição do pedido. Negam a existência de qualquer contrato de trabalho e sustentam que o sinistrado trabalhou nas suas terras (deles, réus) num espírito de entreajuda, dada a amizade que os ligava. Sustentam, ainda, que o tractor não pode considerar-se uma máquina ou equipamento de especial perigosidade e que, no dia do acidente, a vítima, à hora do almoço, tinha ingerido álcool.

Houve resposta.

Proferido despacho saneador, foram seleccionados os factos assentes e controvertidos.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção procedente. Considerando o acidente como de trabalho e que a morte do sinistrado foi consequência directa e necessária do mesmo, condenou os réus a pagarem, solidariamente: (a) À autora AA, a pensão anual e vitalícia de € 2.376,00, com início em 17 de Novembro de 2004; (b) Ao autor BB a pensão anual de € 1.584,00 desde 17 de Novembro de 2004 até perfazer a idade legal estabelecida, 18, 22 ou 25 anos; (c) Aos autores, na proporção de metade a cada um., a quantia de € 4.387,20, relativa ao subsídio por morte; (d) À autora, a quantia de € 1.462,40, relativa a despesas de funeral e a quantia de € 30,00, a título de despesas com duas deslocações ao Tribunal de Beja.

Condenou, ainda, os réus como litigantes de má-fé em multa, correspondente a 4 UCs.

Os réus apelaram da sentença, mas sem sucesso. O Tribunal da Relação confirmou a sentença recorrida.

Inconformados, de novo, os réus vêm pedir revista, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1.ª) - Ficou provado que os réus exercem, em nome individual, a actividade agrícola e que a exercem em herdades diferentes; 2.ª) - Mas, a entender-se que houve uma relação de trabalho, não ficou definido quem, no momento do acidente, era o patrão; 3.ª) - Acresce, ainda, que o sinistrado tinha a sua própria actividade de fabrico de queijos a que dedicava grande parte do seu tempo e que ainda explorava e semeava terras suas; 4.ª) - Não estando determinado - a entender-se que existia um contrato de trabalho - quem era a entidade patronal, não podia a Ex.ma Juíza socorrer-se do n.º 3 do art° 92° do CT; 5.ª) - Tal preceito só podia ser utilizado se, declarada a invalidade do contrato aí previsto, tivesse ficado provado - e não ficou - que os réus tinham, pelo menos, estruturas organizativas comuns - n.ºs 2 e 1 do referido art° 92; 6.ª) - Não podendo invocar-se tal preceito e uma vez que a solidariedade só existe quando resulta da lei ou da vontade das partes (art° 513° do CC), não podiam os réus ser condenados como foram; 7.ª) - Da matéria provada não resulta a existência de um contrato de trabalho, na asserção sentenciada; 8.ª) - Aos autores cabia o ónus de prová-lo, sendo certo que ficaram muitos contornos por esclarecer, para além da invocada duplicação de patrões; 9.ª) - O valor entregue pelo réu CC foi puramente aleatório, porque nenhum acordo sobre isso havia; 10.ª) - Havendo todo um conjunto de contradições e obscuridades, não se compreende o tratamento diferenciado relativamente a autores e réus - estes foram condenados como litigantes de má fé, enquanto aqueles não; 11.ª) - Ora, também eles não lograram provar tudo quanto alegaram; 12.ª) - Por outro lado, a descaracterização do acidente resulta clara, ao concluir-se, e bem, que a relação existente - fosse ela qual fosse - cai na previsão do disposto no art° 8° da referida Lei n.º 100/97; 13.ª) - Não constituindo, um simples tractor agrícola uma máquina de especial perigosidade, a excepção às exclusões prevista no n.º 2 daquele art° 8°, não pode operar; 14.ª) - Quando ali se fala em máquinas e equipamentos de especial perigosidade, está a referir-se a uma coisa e a outra, servindo, a conjunção copulativa, para estender a caracterização de especial perigosidade também às máquinas; 15.ª) - E, por outro lado, ficou provado que o sinistrado ingeriu álcool, antes de conduzir, não podendo responsabilizar-se os recorrentes pela tardia prova da medida dessa ingestão, uma vez que não têm competência para determinar o exame ao sangue; 16.ª) - Agora sabe-se que o sinistrado conduzia com uma taxa de 1,45 g de álcool por litro de sangue, o que constitui, muito mais que uma contra-ordenação muito grave, crime; 17.ª) - E essa quantidade não pode deixar de ter tido influência nos comportamentos, ou não seria assim caracterizada e tão severamente punida; 18.ª) - Na verdade, não havendo falha técnica do tractor, não tendo havido intervenção de terceiros e estando o piso em bom estado, só pelo álcool se entende um despiste para o lado esquerdo da via; 19.ª) - O comportamento do sinistrado só pode caracterizar-se como negligente e grosseiro, tendo em conta a qualificação penal da sua conduta, caindo, assim, o acidente, na previsão do arte 7° da Lei 100/97 com a inerente descaracterização; 20.ª) - Tanto a sentença da 1.ª instância como o acórdão que a confirmou, violaram o disposto nos art°s 92° e 115° do Código do Trabalho, o art° 513.º do CC e os art°s 8° e 7° da Lei n.º 100/97.

Termina no sentido de se conceder provimento ao recurso, declarando-se a exclusão ou a descaracterização do acidente e retirando-o da alçada da Lei 100/97, com a consequente absolvição dos réus do pedido.

Não houve contra-alegações.

A Exmª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.

Ninguém respondeu.

II - Questões Reconduzem-se, fundamentalmente, a saber: A - Se existia um contrato de trabalho entre os sinistrado e os réus; B - Se os réus podiam ser condenados solidariamente; C - Se o acidente - sendo de trabalho - deve ser descaracterizado; D - Se os réus litigaram de má fé, o que previamente coloca a questão da admissibilidade do recurso, nesta parte.

III - Factos 3.1 - Factos dados como provados, nas instâncias: 1. EE faleceu no dia 16 de Novembro de 2004 - alínea A dos factos assentes.

  1. O referido sinistrado nasceu em 25 de Março de...

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