Acórdão nº 07A2194 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelAZEVEDO RAMOS
Data da Resolução11 de Setembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : No 2ª Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, por sentença de 10-12-03, foi decretada a falência de Empresa-A, com sede em S. Pedro de Avioso, na comarca da Maia, sendo que a data da falência foi fixada em 15 de Maio de 2003, correspondente à data da propositura da respectiva acção.

Foram apreendidos bens móveis e um bem imóvel, o edifício onde laborava a falida, constituído por dois pavilhões.

Reclamados os créditos e junto o parecer do Liquidatário Judicial, foi proferida sentença que, por falta de impugnação, declarou reconhecidos e verificados todos os créditos reclamados e os graduou, quanto ao produto da venda do imóvel ( único que aqui interessa considerar ), pela forma seguinte : 1º - As custas da falência, as despesas da administração e todas as demais custas que devam ser suportadas pela massa falida, que saem precípuas.

2 - Do remanescente, dar-se á pagamento aos créditos dos trabalhadores.

3 - Os 1º a 5º créditos hipotecários do Empresa-B 4 - O 6º crédito hipotecário do Empresa-B, (até perfazer 2.853.505,34 euros), da Empresa-C, e Empresa-D, em pé de igualdade. 5º...

Inconformados, apelaram o Empresa-B, e a Empresa-C, com êxito, pois a Relação do Porto, através do seu Acórdão de 19 de Setembro de 2006, julgou procedentes ambas as apelações, revogou a sentença recorrida na parte impugnada e, colocando as ajuizadas hipotecas voluntárias à frente dos créditos dos trabalhadores, graduou os créditos para serem pagos pelo produto da venda do imóvel, nos seguintes termos : - em 2º lugar, dar-se á pagamento ao 5º crédito hipotecário do Empresa-B; - em 3º lugar, dar-se- á pagamento ao 6º crédito hipotecário do Empresa-B ( até perfazer 2.853.505,34 euros ), da Empresa-C., e do Empresa-D, em pé de igualdade e em rateio ; - em 4º lugar, dar-se á pagamento aos créditos dos trabalhadores que antes se encontravam em 2º lugar.

Agora, foram os trabalhadores AA, por um lado, e BB e Outros, por outro, que, em recursos autónomos, pedem revista, onde resumidamente concluem : Recurso da AA ( fls 3818 e segs ) : 1 - Os créditos laborais devem ter prioridade sobre os créditos hipotecários, devendo ser colocados antes destes, na respectiva graduação, por aplicação do regime do art. 751 do C.C.

2 - A aplicação do art. 751 do C.C. não torna as normas dos arts 12, nº3, al. b) da Lei 17/86 e 4º, al. b) da Lei 96/01 inconstitucionais, por violação do princípio constitucional da confiança, pois este deverá sempre ceder quando confrontado com o direito do trabalhador ao salário e a uma sobrevivência condigna, porque este defende valores ligados à dignidade da pessoa humana, enquanto o primeiro protege interesses eminentemente patrimoniais, logo de valor inferior.

3 - Não tendo graduado o crédito laboral da recorrente antes dos créditos hipotecários, como fez a 1ª instância, o tribunal recorrido violou o nº3, do art. 59 da Constituição da República, os arts 12, nº3, al. b), da Lei nº 17/86 e 4º, al. b), da Lei 96/01 e art. 751 do C.C.

Recurso da BB e Outros ( fls 3909 e segs ) ; 1- O regime instituído no art. 377 do Código do Trabalho aplica-se ao presente caso, porquanto os créditos dos trabalhadores recorrentes constituíram-se, na sua grande maioria, e pelo menos no que às indemnizações respeita e demais créditos resultantes da cessação do contrato de trabalho, em data posterior a 10-12-03, e bem assim após a entrada em vigor do Código do Trabalho.

2 - O art. 377 do Código do Trabalho foi de aplicação imediata, à data da entrada em vigor do referido código, e não com a entrada em vigor da regulamentação, porque, no art. 3º da Lei 99/03, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, no seu art. 1º, estabelece-se que o referido Código entra em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003, e nos nºs 2 e 3 quais as normas do aludido código que entram em vigor após a entrada em vigor da lei especial que as regulamentou, o que não é o caso do art. 377, norma que não consta do elenco das norma indicadas nesses nºs 1 e 2.

3 - Assim, nos termos do disposto no art. 377 do Código do Trabalho, os créditos dos recorrentes que prestavam trabalho no imóvel dos autos gozam de privilégio imobiliário especial sobre o imóvel aprendido neste processo, e devem ser graduados nos termos do disposto no nº2, da citado art. 377 e, como tal, antes, ou seja, à frente dos credores hipotecários.

4 - Pelo que decidindo pela não aplicação do art. 377 do Código do Trabalho aos presentes autos, o Acórdão recorrido violou o art. 3, da Lei 99/03, de 27 de Agosto.

5 - Independentemente disso, o regime a aplicar às leis 17/86, de 14 de Junho, e 96/01, de 20 de Agosto, é o regime previsto no art. 751 do C.C., e não o regime do art. 749 do mesmo diploma, pelo que, também por esta via, os créditos dos trabalhadores devem ser graduados à frente dos credores hipotecários.

6 - Só a aplicação do art. 751 do C.C. aos privilégios instituídos pelas leis 17/86 e 96/01, permite a defesa do direito à retribuição, direito fundamental consagrado no art. 59 da Constituição da República, ainda mais quando colocado perante os direitos de agentes económicos imensamente mais fortes, como as entidades bancárias.

7 - Ao não graduar os créditos dos trabalhadores recorrentes à frente dos créditos hipotecários dos bancos, o tribunal recorrido violou os arts 12, nº3 , al. b), da Lei 17/86 e 4º , al. b) da Lei 96/01, o art. 751 do C.C. e o art. 59, nºs 2 e 3 da Constituição da República.

8 - Deve ser mantida a decisão da 1ª instância sobre a graduação dos créditos dos trabalhadores, mantendo-se estes créditos, no que ao imóvel respeita, à frente dos credores hipotecários.

O Empresa-B contra-alegou no recurso da AA e o Empresa-B e a Empresa-C também contra-alegaram no recursos da BB e Outros, defendendo a manutenção do acórdão recorrido.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

A Relação considerou provados os factos seguintes, com interesse para a decisão : 1- A 15 de Maio de 2003, foi requerida a falência de Empresa-A, acabando por ser decretada a falência por sentença de 10-12-03, transitada em julgado, sendo fixada a data da falência em 15 de Maio de 2003.

2 -A fls 293, o Empresa-B, reclamou o crédito de 5.599.722, 33 euros, sendo que 2.913.858, 52 gozam de garantia real, hipoteca sobre o imóvel aprendido, assim descriminado : - um crédito no valor de 1.705.888,81 euros , a coberto da hipoteca C5 de 1999, registada em 1º lugar - apresentação 52/070599 ; - um outro crédito de 817.030,96 euros, a coberto da hipoteca C6 de 2001, hipoteca paritária registada em 2º lugar - apresentação 30/11012001; 3 - A fls 677, reclama a Empresa-C o crédito de 2.198.755,01 euros, garantido por hipoteca paritária, registada em 2º lugar sobre o único imóvel apreendido, até ao montante de 173.303,29 euros.

4 - Os trabalhadores recorrentes reclamaram vários créditos laborais, resultantes de salários em atraso e indemnizações devidas pela cessação de contratos de trabalho.

Os dois recursos serão apreciados em conjunto, por serem conexas as questões a decidir, que são as seguintes : 1 - Se os créditos laborais dos trabalhadores recorrentes gozam de privilégio imobiliário especial, sobre o produto da venda do bem imóvel aprendido, por lhes ser aplicável o art. 377 do Código do Trabalho.

2 - Em caso negativo e gozando apenas de privilégio imobiliário geral, se tal privilégio segue o regime dos privilégios mobiliários gerais, aplicando-se -lhes o disposto no art. 749 do C.C. (sendo os créditos hipotecários graduados à frente dos créditos dos trabalhadores), ou antes o regime dos privilégios imobiliários especiais, aplicando-se-lhes o preceituado no art. 751 do mesmo diploma ( sendo os créditos dos trabalhadores graduados antes dos créditos hipotecários ).

Vejamos : 1.

A questão da pretensa aplicação imediata do art. 377 do Código do Trabalho : No Acórdão recorrido, foi decidido que, estando em apreciação os montantes retributivos de salários em atraso e indemnizações pela cessação do contrato de trabalho, até 15 de Maio de 2003, a lei a aplicável, no caso concreto, não é o Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/03, de 27 de Agosto, mas antes a que vigorava à data da ocorrência desses factos, por força da ressalva do art. 8, nº1, do mesmo Código do Trabalho.

Assim, considerou aplicáveis aos reconhecidos créditos laborais dos trabalhadores o regime do art. 12, nº1, al. b) da Lei 17/86, de 14 de Junho, e do art. 4, nº1, al. b) da Lei 96/01, de 20 de Agosto, que lhes conferem privilégio imobiliário geral, sobre o prédio apreendido, leis essas que apenas foram revogadas pela Lei 35/04, de 29 de Julho ( que entrou em vigor em 28 de Agosto de 2004), como decorre do art. 21, nº2, al. e) e t) do aludido Código do Trabalho.

Todavia, os recorrentes BB e Outros sustentam a aplicação imediata do Código do Trabalho à situação em análise.

Que dizer ? O art. 377 do Código do Trabalho, na parte que agora importa considerar, dispõe o seguinte : " 1- Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam do seguintes privilégios creditórios : a) Privilégio mobiliário geral; b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.

  1. " De forma inovadora, relativamente ao direito anterior, o citado art. 377, nº1, al. b), veio conceder aos trabalhadores privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do...

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