Acórdão nº 07P1125 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução05 de Setembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça---Nos autos de processo comum (tribunal colectivo) com o nº 521/04.6 GAVNF do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, foram submetidos a julgamento, na sequência de acusação deduzida pelo Digno Magistrado do Ministério Público, os arguidos: AA, nascido em 02/02/59, natural de Abade de Vermoim, Vila Nova de Famalicão, filho de ... e de ..., casado, comerciante (bar/restauração), titular do RI. n° ....., emitido em 00/00/2000, pelo arquivo de identificação de Lisboa e residente na Rua da..., n° 000, , Vila Nova de Famalicão; BB, nascida em 17/04/73, natural de...., Vila Nova de Famalicão, filha de ...e de ..., solteira, desempregada e residente na Avenida ..., Edifício..., bloco 0, 0° C, ...; CC, nascido em 28/07/75, natural de Brufe, Vila Nova de Famalicão, filho de ... e ..., casado, operário fabril e residente na Rua ...., n° 000, 1°, Vila Nova de Famalicão; DD, nascido em 29/06/53, natural de S. Tomé e Príncipe, filho de ... e de ..., solteiro, empregado bar (desempregado) e residente no Edifício ...., 0° Piso, n° 00, Avenida ..., Vila Nova de Famalicão; EE, nascido em 20/01160, natural de Miragaia, Porto, filho de ... e de ..., divorciado, empregado de mesa e residente na Rua..., 000, Vila Nova de Famalicão; FF, nascido em 29/01146, natural de Teixoso, Covilhã, filho de ...e de ..., casado, empregado bar e residente na Rua ..., n° 00 r/c esquerdo, Vila Nova de Famalicão; Imputava-lhes o douto Acusador:: - Aos arguidos AA, MFe CC, em co-autoria, e na forma continuada, dois crimes de lenocínio, p. e p. pelos arts. 30 n° 2 e 170 n° 1 do Código Penal.

- Aos arguidos DD; FF e EE, como cúmplices e também na forma continuada dois crimes de lenocínio, p. e p. pelos arts. 27° e 170° n° 1 do Código Penal.

--- Realizado o julgamento foi proferido acórdão, decidindo o Tribunal Colectivo: "julgar parcialmente procedente a acusação do Ministério Público e, nesta medida: Condenar o arguido AA, pela co-autoria de um crime de lenocínio, p. e p. no art. 170º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; Condenar a arguida BB, pela co-autoria, desse crime de lenocínio, p. e p. no art. 170º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 1(um) ano de prisão; Condenar cada um dos arguidosEE, DD, CC e FF, com cúmplices desse mesmo crime de lenocínio, p. e p. nos arts. 27, nº1, do Cód. Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão; Suspender a execução das penas aplicadas aos arguidos EE, DD, CC e FF pelo prazo de 2 anos, a contar do trânsito da decisão; Suspender a execução da pena aplicada à arguida MF pelo período 3 anos, a contar do trânsito desta decisão, condicionada ao pagamento por esta de contribuição monetária a instituição de solidariedade social a indicar pelo Ministério Público, no montante de 1000 euros, no prazo de 3 meses a contar da notificação que for feita após a indicação dessa instituição; Condenar, cada um os arguidos AA, MP, EE, DD, CC e FF, tendo em conta a complexidade dos autos, no pagamento de, respectivamente, 20, 10, 7, 4, 7 e 7 U.Cs., de taxa de justiça, e, solidariamente, nas demais custas crime do processo, com procuradoria máxima, devendo ainda pagar 1% da taxa de justiça devida nos termos do artº. 13º, nº 3 do D.L. 423/91, de 30/10; Declarar perdidos a favor do Estado os bens e valores referidos em 2.1.16. (veículo IX-00-00), 2.1.22., 2.1.26. e 2.1.27.; Ordenar o levantamento (após trânsito) da apreensão a consequente restituição aos seus possuidores/proprietários dos restantes bens apreendidos nos autos (cf.

a contrario art. 109º, do Código Penal).

Deposite e oportunamente remeta boletim ao C.I.C.C." Inconformado, recorreu o arguido AA, apresentando as seguintes conclusões na motivação de recurso: 1 - A norma do artigo 170°, n° 1 do Código Penal protege valores que nada têm que ver com direitos e bens consagrados constitucionalmente, que não cabe ao Direito Penal proteger; sendo que as alterações derivadas do Decreto-Lei 48/95 eliminaram do tipo legal a exploração de situações de "abandono ou de necessidade económica" das mulheres em causa, não se podendo, por isso, concluir, como resulta do aresto posto em crise, que "as situações de prostituição relativamente às quais existe um aproveitamento económico por terceiros "são situações cujo significado é o da exploração da pessoa prostituída". Com a actual incriminação o bem jurídico protegido não é a liberdade de expressão sexual da pessoa, mas uma certa ideia de "defesa do sentimento geral de pudor e de moralidade", que não é encarada hoje como função do direito penal, o que justifica uma eventual descriminalização.

2 - Dado que a incriminação do lenocínio prevista no artigo 170°, n° 1 protege bens jurídicos transpersonalistas de étimo moralista por via do direito penal, o que se tem hoje por ilegítimo. Nesta perspectiva, o crime de lenocínio do 170°, n° 1, do C.P. constituirá um crime sem vítima, salientando-se aí que o bem jurídico protegido pela incriminação, já à luz do direito anterior - e que a versão actual do Código não faz senão reforçar -, não é a liberdade sexual da pessoa, mas um bem jurídico transpessoal que não cabe ao direito penal defender.

3 - Com efeito, o tipo legal de crime introduzido no nº 1 com a revisão de 1998 protege bens jurídicos que não são eminentemente pessoais, ficando deste modo previsto um tipo legal de crime que não se coaduna com a sistematização do Código Penal, dado que se encontra inserto no capitulo V "Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual".

4 -Acresce que a alteração verificada com a sobredita revisão do Código Penal eleva à categoria de crimes condutas que se consubstanciam em simples comparticipação em actos lícitos e livres.

5 - Pois fomentar, favorecer ou facilitar a prática por outrem da prostituição reconduz-se a comparticipação numa conduta alheia, desenvolvida livremente pela prostituta. E, deste modo, é incriminado aquele que auxilia, favorece ou facilita outrem à prática do exercício de um direito próprio.

6 - Assim, ao incriminar o fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição de pessoa livre e autodeterminada, o n° 1 do artigo 170° ofende o princípio da fragmentariedade ou subsidiariedade do direito penal, plasmado no artigo 18º, n.° 2 da C.R. P. e previsto no artigo 40°, n° 1 do C.P., bem como os direitos à livre expressão da sexualidade, à vida privada, à identidade pessoal, liberdade de consciência, liberdade de escolha de profissão e direito ao trabalho, previstos nos artigos 26°, n° 1, 27°, n° 1, 41°, n° 1, 47°, n° 1 e 58º, n.º 1 da C. R. P.

7 - Assim, aquela disposição normativa (artigo 170°, n° 1 do CP) está inquinada de inconstitucionalidade material, que apenas pode ser afastada através do recurso a uma interpretação restritiva do preceito que repristine a exigência de que os actos descritos no tipo legal de crime apenas sejam passíveis de o constituir quando reportando-se a pessoas "em situação de abandono ou de extrema necessidade económica".

8 - Pelo que o recorrente terá de ser absolvido do crime de lenocínio, seja pela declaração de inconstitucionalidade ou seja pela interpretação restritiva do sobredito preceito legal.

9 - No crime de lenocínio deve distinguir-se entre lenocínio principal, quando se trata de fomentar a prostituição ou actos sexuais de relevo, e lenocínio acessório, quando se trata de a ou os favorecer ou facilitar.

10 - Fomentar significa incitar a corrupção ou determiná-la quando não exista, agravá-la quando já existe ou evitar que enfraqueça ou cesse quando já está em curso.

11 - Por seu turno favorecer ou facilitar significa beneficiar, proteger, auxiliar ou apoiar; e a realização desta operação com vista a efectuar uma distinção entre lenocínio principal e acessório releva para efeitos da medida concreta da pena, por se verificar a existência de uma diferença significativa entre uma actividade causa dans (fomentar) e outra causa non dans (favorecer ou facilitar), relevando, assim, em sede de culpa e consequentemente na medida concreta da pena.

12 - Na verdade, se a prostituição fosse crime, fomentá-la era, indubitavelmente, um acto de co-autoria e favorecê-la ou facilitá-la reconduzir-se-ia a mera cumplicidade que é, nos termos da lei, punida com uma pena especialmente atenuada.

13 - Da matéria de facto provada não resulta que o arguido/recorrente haja fomentado a prostituição das mulheres que trabalhavam no seu estabelecimento de diversão nocturna, limitando-se, pois, a favorecer ou facilitar a prática eventual de tais actos.

14 - Assim, afigura-se-nos que a pena de dois anos aplicada ao arguido não respeita os critérios impostos pelo art. 71°, do Código Penal, devendo ser reduzida para não mais de uma ano de prisão e a sua execução deve ser suspensa, respeitando, assim, a previsão contida no artigo 50° do C.P., sendo manifesto que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de modo adequado e suficiente as finalidades da punição.

15 - Sem prescindir, para o caso de se entender que a pena de dois anos de prisão não merece censura, o certo é que uma pena curta não deve ser cumprida desde logo atento o consabido efeito criminógeno da pena de prisão efectiva.

16 - O tribunal fundamentou a denegação da suspensão da execução da pena de prisão (artigo 50°, 2°-1, do C.P.) tendo por base exclusivamente o passado criminal do arguido e a não assumpção da sua responsabilidade criminal em julgamento.

17 - No entanto, não fundamentou tal denegação tendo em conta o carácter desfavorável da prognose, ou seja, de que a censura do facto e a ameaça de prisão não realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição; fá-lo com referência às anteriores condenações; devendo ainda ter em conta as eventuais exigências de defesa do ordenamento jurídico.

18 - Mesmo tendo o arguido agido com dolo directo, a sua culpa ser elevada e sendo igualmente acentuada a ilicitude da sua conduta, atento o imanente desvalor e as respectivas consequências, o certo é...

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