Acórdão nº 07S043 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução05 de Julho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - A autora AA instaurou no Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo acção de impugnação de despedimento contra a ré Empresa-A pedindo que seja declarada a ilicitude do seu despedimento e a Ré condenada a) a pagar-lhe a quantia de € 1.600,54, bem como as retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal; b) a pagar-lhe a quantia de € 25.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; c) a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho, se não optar, entretanto pela indemnização por antiguidade; d) a pagar a quantia de € 500,00 a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na reintegração da Autora; e) a pagar os juros à taxa legal, desde a citação.

Alegou, para tal, em síntese: Foi admitida ao serviço da Ré, no dia 22.6.1987, para desempenhar as funções de secretária de direcção.

Na sequência de processo disciplinar, foi despedida com invocação de justa causa, por ter enviado um email para uma colega e amiga, com o teor que consta dos autos.

Não teve qualquer intenção de ofender quem quer que fosse quando redigiu aquela mensagem.

Não se verifica justa causa, pelo que o despedimento foi ilícito.

A Ré contestou, alegando a justa causa para despedir a Autora e concluindo pela improcedência da acção.

Invocou para tal, em síntese, que a actuação da A. assumiu particular gravosidade na medida em que pôs em causa a imagem da empresa; que ela expediu o dito e-mail utilizando um instrumento da empresa, durante o seu horário de trabalho e para um endereço não pessoal; que essa mensagem podia ser visionada por muitos outros trabalhadores; os comentários constantes da mensagem eram extremamente desagradáveis e inconvenientes para quadros superiores da empresa; essa mensagem não pode ser considerada de natureza pessoal; esse comportamento viola os deveres que sobre ela recaíam como trabalhadora, nomeadamente o dever de respeito.

Saneada, instruída e discutida a causa, foi proferida sentença a julgar a acção procedente e a condenar a Ré: a) a reconhecer a ilicitude do despedimento da Autora e em consequência a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade; b) a pagar-lhe a quantia de € 22.830,00 de remunerações vencidas até à data da sentença e as que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão; c) a pagar-lhe a quantia de € 25.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; d) a pagar-lhe a quantia de € 500,00 a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na reintegração da Autora, nos termos do art. 829º-A do CC.

Foi ainda a R. condenada no pagamento de juros, à taxa legal, até efectivo pagamento.

Apelou a R., tendo a Relação do Porto confirmado a sentença.

II - Novamente inconformada, interpôs a R. a presente revista, com as seguintes conclusões: 1ª. Antes de mais, convém não esquecer que o Código do Trabalho importou para o domínio do Direito do trabalho, de forma expressa, o instituto civil da boa fé, fazendo-o a três níveis: nos preliminares da formação contratual (art. 93.°), ao nível da execução do contrato de trabalho (art. 119.°), em sede de negociação colectiva (art. 547.°) e de resolução de conflitos colectivos (art. 582.°). O instituto civil da boa fé, bem como as figuras parcelares que o informam [v.g., a culpa in contrahendo (art. 227.° do Código Civil), o abuso do direito (art. 334.° do Código Civil) e a boa fé na execução dos contratos (art. 798.° do Código Civil)] perpassa todo o regime instituído no Código do Trabalho, sendo determinante para a interpretação e aplicação do regime nele instituído.

  1. Isto posto, a invocação pelo trabalhador do direito à confidencialidade como forma de justificar o cumprimento defeituoso do contrato constitui, consequentemente, uma hipótese típica de «abuso do direito» (art. 334.° do Código Civil), enquanto figura parcelar concretizadora do instituto civil da boa fé, que , no que tange à boa fé na execução dos contratos, se encontra actualmente positivado no art. 119.° do Código do Trabalho.

  2. Existe justa causa de despedimento quando, perante a ocorrência de uma determinada infracção disciplinar, dela resulte uma crise contratual de tal forma grave que deixe de ser exigível ao empregador a manutenção do trabalhador ao seu serviço, nomeadamente em casos de perda da relação de confiança. Nestes casos, justifica-se a aplicação da mais grave de todas as sanções disciplinares de que a entidade patronal pode dispor.

  3. O paradigma da justa causa centra-se num comportamento do trabalhador, ocorrido no local e tempo de trabalho, que configure uma infracção disciplinar de tal forma grave que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral. Ainda assim, convém lembrar que a justa causa não se cinge a comportamentos ocorridos exclusivamente no local e tempo do trabalho, sendo admissível o seu apuramento mesmo quando estejam em causa comportamentos que integram a intimidade da vida privada do trabalhador: assim sucede perante factos e circunstâncias que sejam susceptíveis de pôr em causa o bom-nome ou a honorabilidade da empresa, quando a relação de confiança entre as partes seja defraudada e, em todo o caso, perante comportamentos ilícitos e culposos do trabalhador que, pela sua gravidade, sejam susceptíveis de tornar praticamente inviável a subsistência da relação laboral, pelos reflexos causados no serviço e no ambiente de trabalho.

  4. No caso vertente, tendo ficado provado que a mensagem da Autora foi remetida para um endereço electrónico que não pertencia a ninguém em particular, mas sim à Divisão de Após Venda da Toyota, e que - não obstante ser necessária uma password para se ter acesso a tal endereço - a dita palavra passe podia ser utilizada por vários funcionários da referida Divisão, maxime pelo respectivo Director, é legítimo concluir-se que o acesso a tal endereço e às mensagens para ele remetidas, em especial por parte do Director da aludida Divisão, era absolutamente livre, não necessitando do consentimento dos respectivos remetentes, designadamente do da Autora. Tratando-se de um endereço geral da empresa, não se descortina qualquer previsão normativa específica, legal ou contratual, que inviabilize o acesso a tal endereço por parte do Director da Divisão em apreço. Por outro lado, o acesso a tal endereço impunha-se por imperativos de racionalidade, razoabilidade e à luz de critérios de normalidade social - é evidente que o Director daquela Divisão não só tem o direito, como o dever, de consultar as mensagens que são expedidas para o endereço geral da Divisão que o mesmo coordena, tanto mais que se trata da única caixa de correio electrónica de acesso geral e a sua secretária se encontrava, à altura, de férias.

  5. Por isso mesmo, o douto acórdão ora recorrido conclui que "as mensagens «privadas» «caídas» nesse endereço perdem muito do seu carácter privado, não podendo (...) a Autora, ter a razoável expectativa de privacidade, de que a dita mensagem apenas será lida pela destinatária. Aliás, tratando-se de um endereço geral da empresa, a mensagem nele caída "poderá ser equiparado a um postal ilustrado enviado pelo correio e que (...) como não está fechado, toda a gente pode lê-lo, nem que seja casual ou acidentalmente. E é precisamente esta «porta» meia aberta que não permite integrar a conduta da divulgação da mensagem no art. 194º n.º 3 do C. Penal".

  6. Aliás, os próprios Senhores Juízes Desembargadores subscritores do acórdão fizeram questão de sublinhar as suas "dúvidas quanto ao carácter privado da mensagem, atento o seu teor. Na verdade, tal mensagem não fala da vida privada da Autora ou da sua amiga. O seu conteúdo versa algo que passou numa reunião da Ré em que a Autora esteve presente (...) e que a Autora achou por bem «ridicularizar»".

    NO QUE RESPEITA À JUSTA CAUSA: 8ª. No caso vertente, a Autora desempenhava o cargo de Secretária pessoal da Direcção da ora Recorrente, isto é, de assessoria de cargo directivo. Trata-se, indubitavelmente e por razões manifestas, de um cargo que requer uma particular relação de confiança entre as partes, em especial entre o assessor e o assessorado.

  7. Convém lembrar que, não obstante a visão unitária de trabalhador subordinado decorrente do art. 10.º do Código do Trabalho, cabe aos tribunais, casuisticamente, averiguar as diferenças e os diversos graus existentes e decidir em conformidade, nomeadamente para efeitos de apuramento e concretização do conceito de justa causa. Ora, quando se faz apelo, no n.º 2 do art. 396.° do Código do Trabalho, para efeitos de apreciação da justa causa, "ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes", obviamente que se manda atender também ao grau de subordinação jurídica e aos níveis de responsabilidade e exigência associados ao trabalhador em causa, bem como à relação de confiança exigível na relação laboral em causa.

  8. No caso vertente a aludida relação de confiança foi quebrada na sequência da mensagem remetida pela Autora, mensagem essa que criou um embaraço tal que torna inviável, à luz de critérios de normalidade social, a convivência laboral entre a Autora e os seus superiores hierárquicos, em particular os visados na referida mensagem.

  9. A dita mensagem - "(...) Ontem estive ao lado do teu querido, ou seja mais propriamente à beira do ...

    . Sentei-me sem saber ao lado de quem e durante a prelecção sobre filosofia japonesa (que para estes gajos por acaso não é japonês mas sim chinês) pensei que devia estar sentada ao lado de algum yuppie cá da empresa de tal forma ele estava empertigado na cadeira. Quando resolvi olhar-lhe para a tromba é que vi que era o nosso querido futuro boss. Que giro! Ao lado está o ... Gente fina é outra coisa! Quanto à prelecção sobre o Toyota Way, só faltou no fim o ...

    ...

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