Acórdão nº 07S743 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelSOUSA GRANDÃO
Data da Resolução05 de Julho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1- RELATÓRIO 1.1.

AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra "BB - Comércio de Automóveis Ld.ª", pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe os créditos emergentes do contrato individual de trabalho que havia sido aprazado entre as partes, uma indemnização pela sua cessação com justa causa e os respectivos juros moratórios, alegando que a Ré, com prejuízo sério da Autora, mudou o seu local de trabalho de S. João da Madeira para Oliveira de Azeméis, mediante ordem verbal dada na véspera.

A Ré considera que o despedimento da demandante carece de justa causa e, porque não foi observado o prazo legal de aviso prévio, dela reclama a quantia de € 1.076,80, a compensar com a dívida de € 978,80, que reconhece ter para com a Autora.

1.2.

Instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que, na procedência parcial da acção e na improcedência da reconvenção, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 1.774,89, acrescida de juros moratórios.

Esse montante reporta-se, tão apenas, a créditos salariais em dívida, pois a sentença considerou que a Autora não tinha justa causa para rescindir o vínculo laboral com a Ré.

Sob desatendida apelação da Autora, o Tribunal da Relação do Porto confirmou integralmente a decisão da 1ª instância.

1.3.

Mantendo-se irresignada, a Autora pede a presente revista, em cujo âmbito alinha o seguinte núcleo conclusivo: 1- o "non-liquet", em relação a um qualquer facto integrante do direito que se pretende fazer valer, tem de ser valorado "contra" quem o invoca, não se podendo "pressupor" o que nem sequer é alegado e, muito menos, provado; 2- mostra-se violado o art. 342º do C.C., quer no seu n.º 1, se for entendido que a iminência do perigo de caírem as placas do tecto são integrantes do direito de a demandada operar a transferência nos termos em que o fez, sem quaisquer formalidades e da tarde de um dia para a manhã do dia seguinte, quer do seu n.º 2, se se entender que a referida iminência rechaça a arguição da A. de transferência ilícita. A boa interpretação deste preceito impediria de todo a expressa "pressuposição", levada a cabo pelo Acórdão recorrido, da actuação em prol da integridade física, saúde e segurança dos trabalhadores; 3 - não pode ser tido como mudança total ou parcial do estabelecimento uma transferência para outras instalações, mantendo o anterior estabelecimento aberto e a funcionar, ali permanecendo trabalhadores para o efeito; 4- mostram-se erradamente interpretados os n.ºs 1 e 2 do art.º 315º do C.T., ao ter-se enquadrado a transferência no n.º 2, quando devia tê-lo sido naquele n.º 1; 5- o dispêndio de mais 70 minutos por dia no percurso de ida e volta, praticamente mais um dia de trabalho por semana, com prejuízo para a sua vida pessoal, familiar e tempo de descanso, com a agravante do maior desgaste e cansaço que tal deslocação esse iria acarretar, o facto de a recorrente ver prejudicada a possibilidade de ir a casa na hora de almoço, período que dedicava às lides domésticas e à família, perdendo assim, igualmente, a possibilidade de fazer em casa as suas refeições, com inerente prejuízo patrimonial, prejuízo igualmente resultante dos custos com os transportes públicos, e evidente perda de qualidade de vida , tendo aqui também em conta que a A. estava prestes a completar 51 anos de idade, do que resulta uma menor resistência física para aguentar uma alteração de horários, hábitos de vida, os conhecidos incómodos da utilização de transportes públicos e uma diminuição dos tempos de descanso, consubstancia prejuízo suficiente para integrar o conceito de prejuízo sério", a que alude o art.º 315º n.º 1 do C.T. que, por errada interpretação, se mostra violado; 6- a singela declaração da recorrida de que "iria resolver essas questões", quando interpelada pela recorrente para saber como iria ser resolvido o problema do almoço e das deslocações, é manifestamente insuficiente, face às exigências procedimentais impostas ao empregador pelo art.º 317º do C.T. e para dar cumprimento à obrigação, também imposta ao empregador pelo art.º 315º n.º 5 do mesmo Código, de custear as despesas impostas pela transferência, mostrando-se igualmente violados, desse modo, os preceitos supra referidos; 7- o ónus da prova da inexistência do prejuízo sério, mesmo no caso de uma transferência temporária, impendia sobre a recorrida. Ao não lograr provar que iria proceder às necessárias adaptações de horário de trabalho e tratar da logística das deslocações, como correctamente alegar, a transferência operada pela R. terá de ser julgada ilícita, como decorre dos já citados art.ºs 315º n.º 1 e 342º n.º 1, de cuja conjugação resulta ser de julgar inexistente o direito a que a R. se arrogava; 8- a recorrida não observou qualquer das formalidades previstas para a comunicação da decisão de transferência, não o tendo feito por escrito, não observando o prazo de pré-aviso legal e, mesmo considerando a transferência temporária, não indicou o prazo previsível da alteração, do que resulta a total ilicitude da transferência operada - art. 317º do C.T.; 9- os problemas da degradação das instalações em S. João da Madeira iniciaram-se em 2002, sendo que a R. se manteve ali por mais 2 anos e mantém aberto, nas mesmas instalações, o stand de automóveis, onde entram e saiam vendedores, clientes e carros, não se provando, porque nem sequer alegado, que existisse qualquer perigo iminente a obrigar uma transferência de um dia para o outro com omissão de todas as formalidades legais. Tal facto, integrante da legalidade da transferência, teria de ser alegado e provado pela R., sendo que o Acórdão, ao entender o contrário, violou os citados art.ºs 317º e 342º n.º 1; 10- a modificação unilateral do local de trabalho só pode ocorrer se for pautada pela estrita observância do princípio da boa fé, que se manifesta, desde logo, na observância das formalidades e condições legais, bem como nos deveres acessórios de esclarecimento e lealdade. Toda a atitude da R., desde o assinalado incumprimento até à reunião individual com cada um dos trabalhadores, a poucas horas da transferência, é reveladora de um carácter impositivo e opressivo e, logo, da falta de lealdade com que actuou em todo o processo; 11- a justa causa de resolução do contrato de trabalho, por iniciativa do trabalhador, tem de ser apreciada nos mesmos termos da justa causa do despedimento, promovido pelo empregador - art.ºs 441º n.º 4 e 396º n.º 2 do C.T. .

Segundo aquele 1º preceito, constitui justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, "a...

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