Acórdão nº 07P1496 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução05 de Julho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Arguido/recorrente: AA (1) 1. Os factos 1p. A Polícia Judiciária passou a vigiar as movimentações da embarcação ‘...', registada no porto de Girona com o nº 6/7-2001 e que, com pavilhão espanhol, ancorava no cais U-5 da marina de Vilamoura, porquanto em Janeiro de 2004 começou a sair e a entrar frequentemente.

2p. A vigilância montada às movimentações da embarcação e respectiva tripulação levou a Polícia Judiciária a suspeitar de que se tratava de embarcação dedicada ao transporte de grandes quantidades de estupefacientes. 3p. Nas proximidades do local de atracação do barco, estacionava o jeep Mitsubishi n.

º 6206BDG, cujas chaves estavam na posse de BB, sobre quem foi exercida vigilância. 4p.

No dia 25 de Janeiro de 2004, pelas 12:00, a embarcação ‘...' abandonou a marina de Vilamoura e zarpou rumo a Sul. 5p. As autoridades espanholas comunicaram à Polícia Judiciária a posição do ‘...' no mar, onde esta embarcação iria carregar droga para descarga na costa portuguesa. 6p. No dia 27 de Janeiro de 2004, pelas 18:00, a embarcação ‘...' foi interceptada por um vaso da Armada quando rumava à costa portuguesa e se posicionava segundo as coordenadas de 36 graus e 24 minutos de latitude norte e 7 graus, 23 minutos e 9 segundos de longitude oeste, a 40,3 milhas náuticas do Cabo de Santa Maria (Faro) e a 45 milhas náuticas da barra de Vila Real de Santo António. 7p. O comandante do vaso da Armada ordenou ao arguido BB, piloto do ‘...', que rumasse em direcção ao cais comercial de Faro. 8p. Neste cais, pelas 07:10 de 28 de Janeiro de 2004, a Polícia Judiciária, cumprindo mandado de busca regularmente emitido, procedeu à apreensão da seguinte mercadoria, bens e equipamento, que se encontravam no interior da embarcação ‘...': - 197 fardos de ráfia e plástico, que acondicionavam 4701,40 quilogramas de cannabis (resina); 1 par de binóculos da marca ‘JL Breaker', com estojo próprio, no valor de 10 euros; 1 mala de plástico com a inscrição ‘Geonav', no valor de 2,50 euros; - 1 ‘écran' GPS ‘Plotter' da marca ‘Navionics', no valor de 1000 euros; - 5 cartuchos com cartas náuticas electrónicas da ‘Navionics', referentes a Portugal, Marrocos, Mauritânia e Guiné, com o valor de 250 euros; Diversos livros de instruções, sem valor comercial; - 1 carregador de telefone satélite da marca ‘Motorola', nº SPN4569E, no valor de 25 Euros; - 1 bateria para telefone satélite da marca ‘Motorola', de lítio, no valor de 10 Euros; - 1 antena exterior de telefone por satélite, marca ‘Motorola', modelo SYN7391A, com acoplador a telefone, no valor de 50 Euros; - 3 emissores/receptores em FM e UHF, da marca ‘Kenwood', modelo TK-3101, com os números 40300861, 40300864 e 40300865, no valor de 500 Euros; - 1 tampa de plástico com a inscrição em baixo relevo ‘Simrad', sem valor comercial; - 1 fato ‘Neopren' próprio para mergulho, no valor de 100 euros (2).

10p.

O arguido AA tinha consigo: - 100 euros em notas do Banco Central Europeu; - 1 agenda telefónica, sem valor comercial; - Diversos papéis, sem valor comercial (3).

13p. O cannabis apreendido aos arguidos era por estes destinado a descarga em local da costa portuguesa, donde, por sua vez, seria transportado por veículos rodoviários para várias localidades de Portugal e Espanha, para aí ser vendido a milhares de consumidores (4). 15p. Tanto a embarcação ‘...' como o veículo Mitsubishi nº 6206BDG, e bem assim os telemóveis e demais equipamento e documentos apreendidos, eram meios e instrumentos da operação de transporte e distribuição da droga que foi apreendida. 16p. Actuaram os arguidos em comunhão de esforços e de propósitos, com a finalidade de porem à venda, em múltiplas localidades de Portugal e de Espanha, a droga que lhes foi apreendida, bem sabendo que aquele produto iria ser adquirido mediante um preço por milhares de consumidores, actividade de que os arguidos retirariam contrapartidas económicas avultadas.

17p. Sabiam os arguidos que a detenção, guarda e subsequente venda de tal tipo de substâncias não eram, a qualquer título, permitidas por lei (5) 22p. O arguido AA, que é isento de antecedentes criminais conhecidos, está habilitado com o 3º ano de formação profissional e tem exercido em Espanha a profissão de montador de alumínios, no que aufere entre 700 e 1000 euros mensais, tendo a seu cargo sua esposa e uma filha doente.

  1. A condenação Com base nestes factos, o tribunal colectivo do 1.º Juízo Criminal de Loulé (6), em 04Ago05, condenou BB, CC e AA, «por autoria material do crime doloso consumado de tráfico agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1, e 24º, alíneas b) e c), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa, na pena de dez anos de prisão».

  2. O RECURSO PARA A RELAÇÃO 3.1. Inconformados, recorreram os arguidos BB, CC e AA à Relação, pedindo a reapreciação da prova, considerando-se não provados os factos de 1p a 6p, 8p e 13p a 16p ou, assim se não entendendo, a devolução dos bens apreendidos, nomeadamente o barco e seu equipamento e o jipe Mitsubishi, e, na aplicação da lei espanhola, a condenação dos arguidos numa pena não superior a 3,5 de prisão: 1°- O tribunal ao considerar provados os factos 1 p, 2 p, 3 p, 4 p, 5 p, 6 p (no que diz respeito ao rumo assumido pela embarcação), 8 p, 13 p, 14 p, 15 p, 16 p, julgou mal, porque do depoimento das testemunhas DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ, não se pode concluir que desses depoimentos possam dar-se como provados os supra citados factos que se impugnam.

    2° - Os arguidos consideram incorrectamente julgados os factos 1, 2, 3, 4, 5, 6 (no que diz respeito ao rumo assumido pela embarcação), 8, 13, 14, 15 e 16.

    3° - As provas existentes, e que determinam uma decisão diferente da que foi produzida pelo tribunal recorrido, são as gravações dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Ministério Público, e que se encontram gravadas em fita magnética numeradas da seguinte forma: testemunha DD, em fita magnética com o n.º 06, toda do lado A e desde o início ao nº 45 do lado B; EE, em fita magnética com o n.º 6, desde o n.º 1048 ao fim do lado B e fita magnética com o n.° 7, desde o início ao nº 1378 do lado A; GG , gravado em fita magnética com o n. 8, desde o n. 0005 ao n.

    1218 do lado A; FF, gravado em fita magnética com o n. 8 desde o n. 1225 ao fim do lado A e desde o início ao n.° 0206 do lado B; GG, gravado em fita magnética com o nº 8, desde o n.° 0206 ao n.° 1315 do lado B; HH, gravado em fita magnética com o n.° 8, desde o n. 1315 ao fim do lado B e fita com o n.° 9, desde o início ao n.° 1710 do lado A; JJ, gravado em fita magnética com o n. 9, desde o n.° 1711 ao fim do lado A e desde o início ao nº 2225 do lado B; II, gravado em fita magnética com o n. 9 desde o n.° 2226 ao fim do lado B e fita 10, todo o lado A e desde o início ao n. 0678 do lado B. 4° - O depoimento das testemunhas arroladas não é suficiente nem convincente para provar os factos referidos em 1 destas conclusões. 5° - Os arguidos encontravam-se fora do território português, a bordo de um barco com pavilhão e matrícula espanholas a 45 milhas náuticas a sul da foz do Guadiana, embora na Zona Económica Exclusiva de Portugal.

    6° - Por esta razão, a jurisdição dos tribunais portugueses não pode ser exercida, como o fez o tribunal recorrido, tendo sido violado o art. 108° da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

    7º - Porque os factos foram praticados fora do território nacional, o tribunal de Loulé é incompetente por força do art. 5° n.° 1 CP, "a contrario".

    8° - Mesmo que se admita que o tribunal é competente, em conformidade com o art. 6° n.º 1 do CP, os factos são julgados segundo a lei espanhola, porquanto é esta mais favorável ao arguido em conformidade com o art.

    6° n. 2, que foi violado pela presente sentença, devendo ser aplicada aos arguidos uma pena nunca superior a três anos e meio de prisão. 9° - O mandado de busca é nulo porque não cumpriu os requisitos para a sua realização, tendo sido violado o art. 126° do CPP, por ter sido a tripulação obrigada sob coacção a dirigir-se do alto mar para o porto de Faro, violando-se o art. 32.

    8 da Constituição da República Portuguesa.

    10° - Em consequência, e em bom rigor jurídico deveriam os arguidos ser postos em liberdade. 11° - A consequência jurídica da declaração de nulidade do mandado de busca é a devolução imediata dos bens apreendidos, nomeadamente a embarcação ... e o jipe Mitsubishi, a quem provar pertencer-lhes.

    12°- O tribunal não realizou uma apreciação crítica das provas tendo violado o art. 374° do CPP.

    13°- A violação do art. 374° do C.P.P. determina a nulidade do acórdão nos termos do art. 379 n.° 1 alínea c), pelo que deve ser repetido o julgamento.

    14°- O tribunal usou presunções de culpabilidade em vez de provas, tendo por isso violado o art. 32 n.° 2 da CRP.

    15°- Usou o tribunal um meio de prova nulo, pelo que, nos termos do art. 379.1.c) do CPP, deve ser repetido o julgamento.

    16° - O tribunal usou o princípio de livre apreciação de prova de forma arbitrária considerando provados certos factos que não resultaram do depoimento das testemunhas.

    17º - Deve o acórdão ser declarado nulo, nos termos do art. 379° n.° 1 alínea c) do CPP, por violação do art. n.° 127° com referência ao art.

    125° do mesmo diploma e, em virtude disso, ser anulado o julgamento.

    18° - Os factos foram praticados a bordo de uma embarcação com pavilhão espanhol e matrícula espanhola. 19°- Tendo em conta o art. 6° do CPP, a lei espanhola seria a mais favorável aos arguidos, tendo sido violado este preceito legal.

    20°- De acordo com o art. 412.3.b, deve o acórdão ser declarado nulo por força do art. 379.1.c do CPP.

    3.2.

    A Relação de Évora não conheceu do recurso do despacho interlocutório (7) e, numa primeira abordagem, rejeitou, por intempestividade, o recurso interposto da decisão final.

    No entanto, o Supremo, em 21Set06, embora rejeitando, por irrecorribilidade, o recurso da decisão relativa ao recurso interlocutório...

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