Acórdão nº 07B072 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelGIL ROQUE
Data da Resolução10 de Maio de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Na presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinária, intentada em 14-02-2003, a Autora, AA, LDA., pede a condenação da Ré, BB, S.A., a pagar-lhe as quantias de 162.602,62 €, 27.632,04 € e 23.200,00 €, acrescidas de juros de mora, alegando, em síntese, que, no exercício da sua actividade, fabricou e forneceu à ré, por encomenda desta, diversas peças de ferro fundido ligado com crómio e molibidénio, discriminadas nas facturas juntas aos autos de arresto (entretanto apensos), não tendo a Ré efectuado o pagamento do respectivo preço, correspondente aos valores dos 1.° e 2.° pedidos, sendo que as peças relativas ao segundo pedido não foram levantadas, suportando a autora as despesas - a que se refere o 3.° pedido - com a armazenagem das mesmas e dos modelos da ré entregues para o seu fabrico.

A Ré contestou, defendendo-se por excepção peremptória - o não cumprimento do contrato e a compensação - e por impugnação.

A Autora replicou.

Foi realizada uma tentativa de conciliação, que se frustrou e, depois,veio a Ré apresentar o requerimento constante de fls. 355 a 357, suscitando a incompetência dos tribunais portugueses para julgar a causa, alegando para tanto, em síntese, que: - o processo está em conexão com a ordem jurídica de dois Estados - o Estado Português e o Estado Espanhol; - tem aplicação o Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000; - está em causa o fornecimento de bens pela autora à ré, a entregar na sede desta, em Madrid; - logo, por força dos arts. 2.°, n.º 1, e 5.°, n.º 1, al. b), os tribunais espanhóis são os internacionalmente competentes.

A Autora respondeu, a fls. 369 a 374, sustentando, em suma, que: - ao abrigo do art. 5.°, n.º 1, al. a), do Regulamento, a Autora podia demandar a Ré no tribunal português, por ser o do domicílio do credor, já que o litígio diz respeito à obrigação de pagamento do preço de mercadorias, que deveria ser pago na sede da Autora; - o negócio em causa, de compra e venda de mercadorias, foi celebrado em território português, pelo que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes por força do art. 65.°, n.º 1, al. c), do CPC; - a Ré possui bens em Portugal susceptíveis de serem penhorados, alguns dos quais já foram arrestados, o que constitui outro elemento de conexão com o ordenamento jurídico português para efeitos do art. 65.°, n.º 1, al. d), do CPC.

A excepção foi julgada procedente, com a consequente absolvição da instância da Ré da instância.

A Autora agravou desta decisão e juntou aos autos o parecer de fls. 765 a 806.

Provendo o agravo, a Relação do Porto revogou o despacho da 1.a Instância e declarou o Tribunal português internacionalmente competente para julgar a causa.

É agora a vez de a ré recorrer para este Tribunal, pedindo a revogação do acórdão da 2.a Instância, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - a ora recorrente era parte no processo em que foi proferido o recente Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 03-03-2005 publicado na Base de dados da DGSI- proc.05B316, no qual em situação totalmente idêntica à dos presentes autos, se decidiu em sentido totalmente oposto.

  1. a - A decisão recorrida adoptou o entendimento segundo o qual houve extensão da competência aos tribunais portugueses por força do disposto no artigo 24.° do Regulamento (CE) n.º 44/2001 pelo facto de a Ré e ora recorrente ter comparecido perante o tribunal português e não se ter limitado a arguir a incompetência.

  2. a - Mas foi precisamente isto também o que sucedeu no caso anterior, em que a Ré e ora recorrente contestou a acção defendendo-se do mérito da causa e só mais tarde veio a suscitar a questão de incompetência internacional, conforme lhe era permitido pelo artigo 102.°, n.º 1, do Código de Processo Civil.

  3. a - A disposição do artigo 24.° do Regulamento (CE) 44/2001, ao admitir a extensão tácita da competência internacional no caso em que o Requerido compareça apenas para arguir a excepção de incompetência é incompatível com o actual ordenamento jurídico, segundo o qual, toda a defesa deve ser deduzida na contestação (artigo 489.°, n.º 1, do CPC) e ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos articulados na petição - artigo 490.°, n.º 1, do CPC.

    5.ª - Assim, obrigando a Lei Nacional a deduzir toda a defesa na contestação, a comparência da ré que se defendeu do mérito da causa só teria efeito cominatório sobre a aceitação da competência internacional do Tribunal se no acto da citação tivesse sido advertida de que a falta de contestação importaria a confissão dos factos articulados pela autora a menos que a ré optasse pela arguição da incompetência internacional do tribunal português conforme previsto no artigo 24.° do Regulamento.

  4. a - A extensão da competência internacional nos termos do artigo 24.° do Regulamento quando o requerido compareça em juízo apenas para arguir a incompetência do tribunal é incompatível com o actual quadro legislativo nacional que obriga a deduzir toda a defesa na contestação e permite que sejam deduzidas posteriormente as excepções que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso da incompetência internacional; 7.ª • Deverá, pois, ser revogado o acórdão recorrido e confirmada a sentença do Tribunal de Vila Nova de Famalicão que declarou a incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem da presente acção.

    A agravada contra-alegou no sentido da negação de provimento ao agravo.

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    * Os factos relevantes para a solução do recurso são os que constam do relatório supra e que aqui se dão por reproduzidos.

    A única questão a resolver é a da atribuição da competência em razão da nacionalidade para o julgamento da presente acção: - se aos tribunais espanhóis, como decidiu a 1.a Instância; - ou aos tribunais portugueses, como decidiu a 2.a Instância.

    * Desde já adiantamos que a decisão correcta é a do acórdão sob recurso.

    Vejamos porquê: É ponto assente que a presente acção apresenta conexão com duas ordens jurídicas distintas - a portuguesa e a espanhola - colocando-se uma questão de competência internacional a dirimir nos termos previstos nos arts. 65.°A do CPC e no Regulamento (CE) n.º44/2000, de 22 de Dezembro, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.

    Com efeito, por força do disposto no art. 249 do Tratado da Comunidade Europeia, o Regulamento em causa é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável nos Estados-Membros, entre os quais se inclui Portugal, prevalecendo as suas normas sobre normas de natureza idêntica constantes do art. 65.° do CPC - cfr. art. 3.°, n.º 2, do Regulamento, e art. 8.°, n.º 3, da CRP (1) (2).

    O Regulamento veio substituir, entre os Estados-Membros (com excepção da Dinamarca) a Convenção de Bruxelas (art. 68, n.º 1, do Regulamento). Saliente-se que a Convenção de Lugano não prejudica a aplicação do Regulamento às relações entre os Estados-Membros da Comunidade Europeia, sendo aquela Convenção aplicável sempre que as regras dela constantes atribuírem competência aos tribunais de um Estado contratante que não seja membro da Comunidade Europeia, isto é, a Islândia, a Noruega, a Polónia e a Suíça.

    A presente acção preenche os diferentes âmbitos de aplicação do Regulamento (3).

    Com efeito, tem indiscutível natureza civil, atento o seu objecto, pois, em traços gerais, funda-se na responsabilidade contratual, enquadrando-se, por isso, no âmbito material de aplicação do Regulamento(cfr.art.1.°, n.ºs 1 e 2, do Regulamento).

    Foi demandada uma sociedade cuja sede se situa...

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