Acórdão nº 06P3043 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução20 de Dezembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

1.1.

Na Vara de Competência Mista de Braga responderam perante o Tribunal Colectivo - Pº nº 72/03.6PEBRG - entre outros, os arguidos AA; BB; CC; DD e EE, devidamente identificados nos autos (cfr. acórdão de fls. 3859 e segs.), que foram condenados nos seguintes termos: - o arguido AA: - em 7 anos de prisão, pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, e artigo 30.º do Código Penal; - em 1 ano de prisão, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelo artigo 6.º n.º 1 da Lei 22/97, de 27.06; - em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 7 anos e 6 meses de prisão.

- a arguida BB, em 7 anos de prisão, pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, e artigo 30.º do Código Penal.

- o arguido CC: - em 8 anos de prisão, pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, e artigo 30.º do Código Penal; - em 8 meses de prisão, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelo artigo 6.º n.º 1 da Lei 22/97, de 27.06; - em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 8 anos e 4 meses de prisão.

- a arguida DD, em 8 anos e 8 meses de prisão, pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, e artigo 30.º do Código Penal.

- o arguido EE, em 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, e artigo 30.º do Código Penal.

1.2.

Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Guimarães que, pelo acórdão de fls. 4294 e segs., negou provimento a todos os recursos e confirmou a decisão da 1ª instância.

1.3.

Ainda irresignados, recorreram os mesmos Arguidos para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído do seguinte modo as respectivas motivações: 1.3.1.

Os arguidos AA e BB que apresentaram motivação conjunta (fls. 4420 e segs.) «1. Os Arguidos foram condenados como autores materiais dum crime de tráfico de estupefacientes na forma continuada, p. e p. pelo art.º 21°, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, e art.º 30° do Código Penal.

  1. É de doze anos de prisão o limite máximo da moldura penal abstracta aplicável a esse crime, pelo que o caso vertente não está abrangido pela excepção da al. f) do n.º 1 do art.º 400°, não obstante a pena aplicada aos Arguidos ser inferior a oito anos de prisão.

  2. Por ofensa dos princípios da lealdade processual e da igualdade de armas, incorporados no direito a um processo justo e equitativo garantido pelo art.º 20º, n.º 4, e com evidentes reflexos no n.º 1 do art.º 32º CRP, a interpretação do preceito legal contido na al. f) do n.º 1 do art.º 400° segundo a qual a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça se afere, não pela pena aplicável ao crime e pela respectiva moldura penal abstracta, mas sim pela pena aplicada em concreto ao Arguido, é inconstitucional.

  3. Nenhum dos autos de transcrição das gravações recolhidas no decurso das escutas telefónicas a que se procedeu no decurso do inquérito foi validado por Juiz de Instrução.

  4. Na verdade, nenhum desses autos está assinado pelo Magistrado Judicial que ordenou as escutas, nem o seu conteúdo se encontra por ele certificado.

  5. Tais autos não respeitam, assim, o comando imposto pela parte final do n.º 2 do art.º 101º, para onde remete o n.º 4 do art.º 188º, 7. pelo que, face ao disposto no art.º 189º, as escutas estão feridas de nulidade e não podem, em circunstâncias alguma, servir de elemento de prova (se alguma vez o foram e não como a lei determina, simples "meio de obtenção de prova") que suporte a decisão da matéria de facto e, por via desta, a condenação dos Recorrentes.

  6. O tribunal a quo interpretou as disposições conjugadas dos art.ºs 188º, n.º 4, segunda parte, e 101º, n.º 2, no sentido de que o Juiz de Instrução Criminal não tem de assinar o auto de transcrição das gravações telefónicas nem sequer tem de certificar a conformidade da transcrição.

  7. Essa interpretação ofende o disposto nos art.ºs 18º, n.º 2, 32º, n.ºs 1 e 8, e 34º, n.ºs 1 e 4, da CRP e é, por isso, inconstitucional, como tal devendo ser declarada, caso venha a considerar-se que é esse o sentido e conteúdo daquelas normas.

  8. O resultado das múltiplas escutas telefónicas efectuadas no âmbito deste processo foi objecto de apreciação pelo Juiz de Instrução Criminal que, através de diversos despachos (Cfr., i. a.

    , fls. 188, 453 e 721), ordenou a destruição de parte das gravações das conversas telefónicas interceptadas, ao abrigo do disposto no art.º 188°, n.º 3. 11. Esses despachos interpretaram esta disposição legal no sentido de que permite a transcrição parcial das gravações de conversas telefónicas cuja escuta foi autorizada e prescreve a destruição parcial dessas gravações.

  9. Os Recorrentes consideram que não é esse o regime estabelecido no preceito legal em referência, que [o] preceito apenas admite duas opções: - ou a destruição total das gravações, quando os elementos recolhidos não se revistam de interesse para o processo; - ou a preservação da totalidade das gravações, com transcrição da parte delas que o Juiz considere elementos com interesse para o processo .

  10. A interpretação contrária do art.º 188°, 3, adoptada pelo Juiz de Instrução Criminal e acolhida pelo Tribunal a quo ao considerar válidas as escutas efectuadas e ao valorizá-las como meio de prova superlativo e determinante para a condenação dos Recorrentes, que permite a transcrição de parte das gravações e a destruição definitiva e irremediável das partes restantes, implica uma ofensa inaceitável das garantias de defesa dos Arguidos e a violação ostensiva dos preceitos constitucionais já antes citados (arts 18°, n.º 2, 32°, n.ºs 1 e 8, e 34°, n.ºs 1 e 4, da CRP), sendo, por isso, inconstitucional e como tal devendo ser declarada, 14. com a consequente declaração de nulidade das escutas e impossibilidade do seu aproveitamento como meio de prova.

  11. O douto acórdão considerou provado, além do mais, que "Os arguidos AA, CC e FF não são titulares de licença de uso e porte de arma" e "conheciam as características das pistolas que detinham, sabiam ainda que não estavam autorizados a detê-las".

  12. Estes factos não constavam da acusação e foram introduzidos nos autos ao abrigo do douto despacho proferido na sessão da audiência de julgamento de 23.11.2005, sem o consentimento e mesmo contra a vontade expressa do Recorrente AA, 17. não obstante configurarem uma alteração substancial da acusação, na medida em que contendem com elementos da factualidade típica do crime de detenção ilegal de arma de defesa e da sua imputação dolosa ao agente - v., em sentido convergente, o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/2005, lavrado pelo Supremo Tribunal de Justiça e publicado no DR-I Série de 4.11.2005.

  13. Violou, assim, o Tribunal o disposto nos arts 358° e 359°.

  14. No mínimo violou o disposto na al. b) do n.º 3 do art.º 283°, que comina com nulidade - insuprível nesta fase processual (cfr., art.º 311°, n.ºs 2, a), e 3, b) - a omissão na acusação dos factos desta natureza.

  15. A interpretação do conjunto normativo integrado pela al. f) do n.º 1 do art.º 1°, e pelos arts. 358º e 359° que qualifique como não substancial a alteração dos factos relativos aos elementos da factualidade típica e à intenção dolosa do agente ofende as garantias mínimas de defesa do Arguido e a estrutura acusatória do processo, sendo, por isso e por violação do disposto nos n.ºs 1 e 5 do art.º 32° CRP, inconstitucional.

  16. Deve, portanto, considerar-se tais factos como não escritos e, em concomitância, absolver-se o Recorrente AA do crime de detenção ilegal de arma de defesa p. e p. pelo art.º 6° da Lei 22/95, de 27 de Julho.

  17. Tendo em consideração as quantidades e o tipo de droga referidos na matéria de facto, a idade dos Arguidos (ele, 54 anos, ela 59 anos), a sua modesta condição social e os demais elementos atendíveis em sede de ilicitude e culpa e a moldura penal aplicável, não lhes deveria nunca ter sido imposta pena de prisão superior a quatro anos.

  18. Ao decidir de modo diverso, o Tribunal desrespeitou, entre outras, as disposições normativas contidas nos arts 21 ° do DL 25/93, de 22 de Janeiro, e 50° e 71 ° do Código Penal».

    1.3.2.

    Os arguidos CC e DD que também apresentaram motivação conjunta (fls. 4465 e segs.): «1º O Tribunal da Relação de Guimarães confirmou na íntegra, o douto Acórdão recorrido.

    1. Por economia, e por ser imprescindível para se entender as razões de discordância do Acórdão da Relação, dá-se por reproduzidas as conclusões do primeiro recurso interposto, acima reproduzido, mantendo-se na integra as mesmas, com as devidas adaptações, versando as presentes conclusões, que se acrescentam, apenas e tão só, quanto às razões de discordância da decisão da Relação quanto ao mérito do pretérito recurso.

    2. Quanto aos factos de os recorrentes não terem sido objecto de investigação, de não terem estado nunca sob escuta, de não se saber se os números de terceiros que contactavam com os arguidos que estavam sob escuta eram ou pertenciam aos recorrentes, considerou a Relação que nada disso impedia de se dar como provado que eram estes as pessoas escutadas, 4º Por entender que o colectivo ao perguntar-lhes o nome e profissão,... tiveram acesso às vozes dos arguidos podendo reconhecê-las posteriormente nas gravações, sendo certo que actualmente as gravações são efectuadas por meios que apresentam grande fidelidade relativamente ao original.".

    3. Ao dar esta "explicação" de como formou o...

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