Acórdão nº 06P256 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelHENRIQUES GASPAR
Data da Resolução12 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório.

AA, identificado no processo, veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão da Relação do Porto (processo n.º 1599/05, 4.ª Secção), proferido em 8 de Junho de 2005, que, confirmando a decisão recorrida, decidiu, além do mais, que a suspensão do procedimento penal, por motivo de impugnação fiscal, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 50.º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, resulta directamente da lei, não dependendo, pois, de despacho judicial a declará-la.

O recorrente alegou, em síntese, que quanto àquela declarada natureza op legis da suspensão do procedimento penal fiscal, no domínio da mesma legislação, o acórdão da Relação de Coimbra de 24 de Janeiro de 2001, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVI, tomo I, pp. 56 a 58, sufragou entendimento oposto: a suspensão da prescrição por efeito de existência de processo de impugnação fiscal só ocorre se no processo penal fiscal houver despacho judicial que declare tal suspensão.

Nestes termos, o recorrente entendeu que deve ser fixada jurisprudência no sentido de que «para haver suspensão do processo crime, há necessidade de despacho que (...) a declare» (1).

Remetido o processo a este Supremo Tribunal, a Secção, em conferência, pronunciou-se no sentido da existência de oposição de julgados, determinando o prosseguimento do recurso (2).

Ordenado o cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 442.º do Código de Processo Penal, foram notificados o arguido e o Ministério Público junto deste Supremo Tribunal para apresentarem as respectivas alegações, as quais entretanto foram juntas aos autos.

O recorrente, terminou as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões: «a) Sobre a questão em causa, decidida pelos acórdãos recorrido e fundamento, verifica-se oposição de julgados; b) Assim sendo, o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência tem fundamento; c) Esta jurisprudência deve ser fixada no sentido de que "a suspensão do procedimento criminal por crime fiscal, prevista no n.º 4 do Art. 43.º e n.º 1 do Art. 50.º do RJIFNA por efeito de oposição ou impugnação pelo arguido do acto tributário que definiu o montante do imposto que com o crime fiscal o arguido deixou de pagar, só ocorre se, no processo crime fiscal tiver sido proferido despacho judicial que, reconhecendo a existência de fundamento legal para a suspensão do processo, a declare» (3).

Por sua vez, o Ministério Público considerou que o acórdão recorrido deve ser mantido, propondo que a jurisprudência seja fixada nos seguintes termos: «A suspensão da prescrição do procedimento criminal por crime fiscal, prevista no art. 50.º, n.º 1, do RJIFNA, opera ope legis, não tendo assim de ser declarada no processo criminal fiscal para ter eficácia» (4).

Colhidos os vistos, nos termos determinados pelo artigo 442.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, cumpre ora apreciar e decidir.

II.

Da reafirmação do reconhecimento da oposição de julgados e delimitação do objecto da fixação em causa.

Da exposição precedente, é manifesto que os dois acórdãos em conflito, o acórdão recorrido e o indicado acórdão da Relação de Coimbra, ambos transitados em julgado, pronunciaram-se em sentido contrário relativamente a uma mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação e no que respeita a factos idênticos: quanto à suspensão do prazo de prescrição do procedimento penal fiscal, em virtude de impugnação judicial fiscal, o acórdão recorrido concluiu no sentido de que essa suspensão decorre ope legis, ao passo que o acórdão fundamento entendeu que tal suspensão só opera se houver despacho judicial a determiná-la.

Nestes termos, confirma-se, ora em plenário, a existência da oposição de julgados a que se refere o artigo 437º., n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal.

Atento o pedido deduzido nos presentes autos e os respectivos fundamentos, o objecto do presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência cinge-se a saber se a impugnação judicial fiscal suspende por si só o prazo prescricional do procedimento penal fiscal ou antes impõe a prolação de despacho judicial que declare tal suspensão.

Ou seja, tudo reside em saber se naquele condicionalismo tal despacho tem natureza constitutiva ou simplesmente declarativa, sendo neste caso desnecessária a sua prolação para efeitos de suspensão do procedimento penal fiscal.

Atento o teor dos acórdãos recorrido e fundamento, embora neles haja referências ao processo fiscal gracioso e à oposição de executado, julgam-se as mesmas meramente circunstanciais, decorrentes da mera alusão de normas legais sem qualquer conexão com a matéria factual em causa em tais acórdãos, termos em que a oposição de julgados que importa apreciar no presente recurso circunscreve-se à impugnação judicial fiscal.

III.

Fundamentação.

  1. O presente recurso respeita ao direito penal fiscal.

    Relaciona-se, pois, com o chamado direito penal secundário, entendido este como o campo essencialmente conexo com a ordenação jurídico-constitucional relativa aos direitos sociais e à organização económica, em que o escopo predominante é a protecção da esfera de actuação social do homem (5).

    Com relevo ético-social crescente, os bens jurídicos tutelados pelo direito penal secundário encontram-se hoje num mesmo estado de paridade de relevância ética que o direito penal clássico, sendo expressão de tal paridade a identidade do nível de exigência no respectivo tratamento dogmático e a gravidade das reacções penais previstas no direito penal secundário e no direito penal clássico (6).

  2. Em causa neste recurso extraordinário para fixação de jurisprudência está a aplicação do chamado Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, adiante designado simplesmente por RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro (7).

    Mais concretamente, em discussão está o regime de suspensão do procedimento penal fiscal em virtude de impugnação judicial fiscal.

    No RJIFNA, aquela matéria era regulada nos respectivos artigos 15.º e 50.º.

    Segundo aquele primeiro preceito legal, "1. O procedimento criminal por crime fiscal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do mesmo sejam decorridos...

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