Acórdão nº 04P242 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Fevereiro de 2005

Magistrado ResponsávelHENRIQUES GASPAR
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, SA, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos e com os seguintes fundamentos: A recorrente, tendo legitimidade para intervir, requereu a admissão como assistente no processo.

Não efectuou o pagamento da taxa de justiça devida pela constituição de assistente nos dez dias imediatos à apresentação do respectivo requerimento; No entanto não foi notificada para pagar a taxa de justiça, em dobro, como entende resultar do disposto nos artigos 519º, nº 1, do Código de Processo Penal (CPP) e 80º do Código das Custas Judiciais (CCJ).

Não foi assim decidido, e em consequência, não foi admitida a intervir como assistente; Sob recurso, o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão recorrido, negou provimento ao recurso, decidindo que o disposto no artigo 80º do CCJ não é aplicável à constituição de assistente, não devendo, por isso, em caso de não pagamento no prazo, o requerente ser notificado para pagar em dobro a taxa de justiça.

Diversamente, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Outubro de 2000, publicado na "Colectânea de Jurisprudência", XXV, IV, pág. 149 (acórdão fundamento), decidiu que «nos casos em que a taxa de justiça devida pela constituição de assistente não for paga, a secretaria deve notificar o requerente da constituição de assistente para proceder ao pagamento, em dobro, no prazo de 5 dias».

  1. Remetido o processo a este Supremo Tribunal, a secção, em conferência, pronunciou-se no sentido da existência de oposição de julgados, determinando o prosseguimento do recurso.

  2. Foram apresentadas alegações pelo Ministério Público e pela recorrente.

    O magistrado do Ministério Público, na conclusão da alegação, considera ser de acolher a posição do acórdão fundamento, devendo revogar-se, em conformidade, o acórdão recorrido e ser fixada jurisprudência no mesmo sentido, propondo a seguinte redacção: «No domínio do Código das Custas Judiciais, na redacção anterior ao Decreto-Lei n° 324/2003. de 27 de Dezembro, tendo sido requerida a constituição como assistente, e não sendo paga pelo requerente no prazo de 10 dias a taxa de justiça devida, conforme impõe o artigo 519°, n° l, do Código de Processo Penal, findo esse prazo, deverá a secretaria notificar o requerente para, no prazo de 5 dias, efectuar o respectivo pagamento em dobro, ao abrigo do n° 2 do mesmo artigo aplicado analogicamente».

    A recorrente, por seu lado, faz terminar a alegação com a formulação das seguintes conclusões: 1ª- Em caso de omissão do pagamento da taxa de justiça devida pela constituição de assistente, nos dez dias imediatos à apresentação do requerimento respectivo, questiona-se se tal omissão deve dar lugar, desde logo, ao indeferimento da pretensão ou se estamos perante uma lacuna da lei que deve ser integrada; 2ª- Requerida a constituição de assistente ao abrigo dos princípios da boa processual e confiança legítima, deve tal intenção ser acolhida; 3ª- Se numa acção cível, para defesa dos seus direitos, o assistente pode ser notificado para pagar o preparo em dobro, caso se entendesse que em processo penal não há lugar a essa notificação estaríamos perante clara violação da Constituição, nomeadamente do art. 13°, que consagra o principio da igualdade dos cidadãos perante a lei e do art. 18°, que estabelece o principio da vinculação das entidades públicas e privadas aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias.

    4ª- O art. 519° do CPP apenas refere o valor da taxa de justiça a pagar pela constituição de assistente, nada dizendo sobre as consequências do seu não pagamento no momento processual em causa - requerimento para abertura de instrução; 5ª- Na economia do artigo, o n.°2 expressamente demonstra que a lei pretende que, inequivocamente após notificação expressa para esse efeito, o queixoso não pretende constituir-se assistente, não bastando um qualquer comportamento de que tacitamente resultem aquelas consequências; 6ª- Não tendo a lei diferente conceptualização de procedimento, referindo-se sempre a "taxa de justiça", quer no art. 519° do CPP, quer no art. 80° do CCJ., deveria também a recorrente ter sido notificada para o pagamento de taxa de justiça para constituição de assistente; 7ª- A presente situação ficou legalmente sanada com a publicação do Decreto Lei n.° 324/03 , de 27 de Dezembro de 2003, que alterou o disposto nos art. 519°, n° l e 2 do C.P.P e art.80° do C.C.J, deixando de existir uma lacuna na lei e de ser necessário o recurso à analogia; 8°- Assim, no caso de omissão de prova do pagamento da taxa de justiça devida , ficou salvaguardado o dever de a secretaria notificar o interessado para proceder à apresentação da prova do pagamento no prazo de cinco dias, com acréscimo da taxa de justiça de igual montante; 9°- Por todo o exposto, deverá ser uniformizada a jurisprudência no sentido de, em caso de omissão do pagamento da taxa devida para constituição de assistente, a secretaria deverá notificar o interessado para proceder à prova do seu pagamento, nos termos do Código de Custas Judiciais: 10° - E, consequentemente, no processo n° 300/01.2 TAMAI, do Tribunal Judicial da Maia, a recorrente ser admitida como assistente.

    Termina pedindo a procedência do recurso, com a fixação de jurisprudência «nos termos requeridos».

  3. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    O acórdão recorrido e o acórdão fundamento, tal como foi verificado pela secção, decidiram de modo divergente a mesma questão de direito.

    Nos referidos acórdãos foram proferidas decisões em sentido oposto relativamente à mesma questão de direito, que era a de saber se no caso de não pagamento no prazo da taxa de justiça devida pela constituição de assistente, o requerente deve ser notificado pela secretaria para pagar em dobro a taxa devida.

    Estava em causa a interpretação e aplicação dos artigos 519º, nºs 1 e 2, do CPP e 80º do CCJ.

    No acórdão recorrido, decidiu-se que «o art. 80º do CCJ versa apenas sobre o pagamento da taxa de justiça inicial que seja condição de abertura de instrução ou de seguimento de recurso, sendo inaplicável à omissão de pagamento da taxa de justiça relativa à constituição de assistente», pois «a taxa de justiça que é condição para abertura de instrução ou de seguimento recurso é distinta da devida pela constituição de assistente, não havendo razões para que a esta última se aplique por analogia o regime do art. 80º do CCJ». Por outro lado, considerou também que as normas dos nºs 1 e 2 do artigo 519º do CPP não têm a ver com a questão suscitada, porquanto o nº 1 se limita a estabelecer que «a constituição de assistente dá lugar ao pagamento de taxa de justiça», sendo a consequência do não pagamento a não admissão do requerente a intervir nessa qualidade, e o nº 2 «nada tem a ver com a questão em apreço, pois diz respeito ao pagamento do complemento devido no caso de, posteriormente o processo vir a ser classificado como sendo com intervenção do tribunal colectivo ou do júri - cfr. art. 85, n° l, alíneas a) e b), do CCJ».

    No acórdão fundamento, por sua vez, decidiu-se que «existe uma lacuna no que concerne à falta de previsão para o procedimento em caso de omissão não do pagamento do complemento da taxa, mas da própria taxa, de justiça inicial, condição da acção penal e que integrar essa lacuna pelo recurso á analogia permitido pelo artº 4º [do CPP], e aplicar a norma do art. 519º, nº 2, do CPP igualmente aos casos de omissão do pagamento inicial da taxa de justiça», e «nos casos em que a taxa de justiça não for paga deverá a secretaria notificar o requerente à constituição de assistente para proceder ao seu pagamento nos cinco dias imediatos, em dobro».

    Deste modo, por percursos metodológicos diversos, na conjugação das normas que consideraram, as decisões referidas resolveram em sentido divergente a mesma concreta questão que lhes foi submetida.

    As referidas decisões foram proferidas no domínio da mesma legislação, não admitiam recurso ordinário e transitaram em julgado.

    Existe, assim, tal como foi decidido pela secção, oposição de julgados.

  4. Na caracterização como sujeito processual no artigo 69º do Código de Processo Penal, o assistente tem a posição de colaborador do Ministério Público a cuja actividade subordina a sua intervenção no processo, salvas as excepções previstas na lei.

    Os pressupostos de legitimidade para assumir a qualidade processual de assistente constam do artigo 68º do Código de Processo Penal, podendo, designadamente (nº 1, alíneas a) e b)), constituir-se como assistente os ofendidos, considerando-se como tais os titulares de interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos, e as pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento.

    A lei dispõe também sobre os tempos em que pode ser requerida pelo titular do direito a intervenção como assistente.

    Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar, como determina o artigo 68º, nº 2, no...

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