Acórdão nº 03B3809 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2003

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução27 de Novembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I "A" intentou, no dia 9 de Outubro de 1998, contra B e C, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe 10 000 000$, juros vencidos de 154 167$, e vincendos à taxa anual de 15%, com fundamento no incumprimento pelo réu de um contrato de compra e venda de gado. Na contestação, os réus afirmaram que foi o autor quem incumpriu o contrato e que, por isso, deverá perder a quantia de 5 000 000$ que lhes entregou, e o autor replicou, no sentido do afirmado por ele na petição inicial. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 22 de Junho de 2001, absolutória dos réus do pedido, com fundamento no incumprimento do contrato pelo autor, o qual apelou, e a Relação negou-lhe provimento ao recurso. O apelante interpôs recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o contrato de compra e venda dos animais estava sujeito à condição de os recorridos realizarem as análises exigidas pela zona agrária; - a mora do recorrente no cumprimento da sua parte no negócio dependia de os recorridos provarem ter cumprido a referida condição e que comunicaram isso ao recorrente; - os factos alegados nesse sentido e impugnados não foram levados à base instrutória, os factos provados não o revelam, e o tribunal recorrido não podia deduzir a realização das análises; - as suas intimações para diligenciar por obter documentação e transporte no curto prazo de uma semana e com dois feriados não obedece à boa fé na fixação do prazo a que se reporta o artigo 808º, n.º 1, do Código Civil; - a aceitação pelos recorridos dos boletins sanitários enviados pelo recorrente depois do prazo estipulado para os primeiros providenciarem pelas guias de transporte não obstou à deslocação do recorrido, comportamento evidenciante da sua concordância com a prorrogação do prazo fixado; - o não cumprimento do prazo não foi a razão determinante para a recusa da entrega dos animais, porque esta foi admitida desde que fosse pago mais dinheiro; - os recorridos nunca invocaram a resolução do contrato de compra e venda, mas apenas um direito de modificação face à alteração das circunstâncias, pelo que o recorrido não o incumpriu em definitivo; - não se trata de impossibilidade definitiva de cumprimento, a prestação do recorrente ainda é possível, pois este apenas estaria em mora, os recorridos não invocaram a resolução do contrato, pelo que ainda não funciona a faculdade do artigo 442º, n.º 2, do Código Civil; - como o recorrente pagou mais de metade do preço, com atraso apenas por cerca de dez dias, em altura de feriados, e era necessário recorrer a um transportador e a entidades oficiais para obter a documentação para transporte, é abuso de direito dos recorridos usar a faculdade do artigo 442º, n.º 2, do Código Civil; - celebrado que está o contrato de compra e venda, a propriedade dos animais transferiu-se para o recorrente e os recorridos não podiam recusar a sua entrega; - tendo resultado provado que o recorrente quis cumprir, que fixou prazo admonitório, que os recorridos declararam não querer cumprir, deve o contrato ser declarado resolvido por incumprimento dos recorridos e estes condenados a devolverem o dobro do sinal e juros de mora vencidos e vincendos; - o acórdão recorrido fez incorrecta aplicação dos artigos 342º, n.º 1, 334º, 437º, 442º, n.º 2, 487º, n.º 2, 799º, n.º 2, 805º, 808º e 879º, alínea b), todos do Código Civil e violou o princípio da equidade. Responderam os recorridos, em síntese de alegação: - a única condição que se não verificou na altura foi a relativa às obras na vacaria do recorrente, e a de realização das análises aos animais verificou-se no dia 27 de Abril de 1998, porque nessa data ele pagou aos recorridos por conta do preço e princípio de pagamento 5 000 000$ contra a entrega dos boletins comprovativos daquelas análises; - foi com base nas análises certificadas pelos boletins entregues nessa data, posteriormente devolvidos ao recorrido para tratar das guias de transporte do gado que o recorrente se apresentou, no dia 1 de Julho de 1998, para o carregar, pelo que não houve violação do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil; - os recorridos prontificaram-se a tratar e trataram da parte sanitária e burocrática das guias para o transporte do gado para outra zona agrária, mas o recorrente não apareceu nem no dia 27 nem no dia 29 de Junho; - é ao comprador que incumbe a iniciativa de concluir o contrato, entregando o preço, pois é nele que se realiza o fim do mesmo, que é a transmissão da propriedade; - a transferência da propriedade dos animais dependia do pagamento do preço respectivo pelo recorrente, mas isso não aconteceu, e a entrega dos boletins não significa tradição transferente da propriedade. IIÉ a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido, incluindo a constante de documentos, designadamente para que nele se remeteu: 1. O autor é empresário agrícola, dedicando-se à criação de gado e de produtos agrícolas e, no dia 4 de Março de 1998, dirigiu-se a casa dos réus, por haver sido informado de que eles tinham bovinos para vender. 2. O réu mostrou ao autor, nesse dia, cerca de 67 animais de raça bovina, cerca de 15 com menos de um ano, 23 ou 24 com mais de um e menos de dois anos, sendo os restantes vacas leiteiras, e ambos acordaram no preço de 9 000 000$, e o primeiro disse ao segundo que apenas queria vender todos os animais, com o qual este último concordou. 3. Para confirmar o negócio teria o autor que se informar na sua zona agrária se podia adquirir gado a outra região, e quais as formalidades para o seu transporte e mudança de instalações, e punha ainda como condição as análises do gado exigidas para a sua zona e que, feitas essas diligências, lhe telefonaria no dia seguinte por cerca da 1 hora da tarde a dar a resposta, e nesse dia telefonou. 4. No dia 19 de Março de 1998, o réu telefonou ao autor e este solicitou-lhe mais uma análise, dizendo que tinha havido uma complicação com um vizinho, análise que tinha de ser efectuada a todo o gado, incluindo ao que se destinava ao matadouro, a qual implicava para o réu que se alguma rês acusasse positiva seria abatida sem pagamento e o sequestro das restantes durante vários meses. 5. Não obstante o que consta da última parte de 4, o réu mandou fazer a pretendida análise, e teve necessidade de recorrer a um veterinário. 6. No dia 27 de Abril de 1998, o réu foi a casa do autor, e este entregou àquele, a título de sinal e princípio de pagamento, 5 000 000$, e o último entregou ao primeiro os boletins sanitários dos animais. 7. O réu dirigiu ao autor, no dia 21 de Maio de 1998, que o recebeu, um corfax, do seguinte teor: No dia 4 de Março de 1998, encetámos conversações com vista à venda do meu efectivo de gado tourino - vacas de leite, vitelos e vitelas - num total de 67 cabeças. Acordámos que o seria pelo preço de nove milhões de escudos, ficando ainda de pagar o sustento do gado que não produzia leite - vitelos e vitelas - e que eu sustentava o restante, com o leite que elas produziam, até ao resultado das análises que me tinha pedido, pois seria essa a data da saída do gado. No dia 19 de Março de 1998, telefonei-lhe a dizer-lhe que poderia vir buscar o gado pois estava tudo pronto. Nessa altura solicitou-me mais uma análise que não tinha sido pedida na altura do negócio, análise essa que só viria a ficar pronta em 17 de Abril de 1998, dia em que lhe voltei a telefonar, dizendo que estava tudo pronto para levar o gado. De então para cá tenho vindo a insistir, quer por telefone, quer pessoalmente, para que proceda ao levantamento do mesmo. Até à presente data não cumpriu, tendo vindo a protelar a saída do gado de dia para dia, pelo que, neste momento, estou com sérias despesas e privado de exercer a minha actividade, o que me acarreta elevadas despesas e prejuízos. Assim, venho pela presente solicitar-lhe que retire o gado até ao dia 26 de Maio de 1998 em definitivo, sendo que, findo esse prazo, tomarei as medidas que se acharem mais conformes ao caso. 8. No dia 28 de Maio de 1998, o réu escreveu uma carta ao autor, que este recebeu no início do mês de Junho seguinte, do seguinte teor: "Serve a presente para comunicar a V.Exª no que concerne ao nosso contrato promessa de compra e venda, nos termos do artigo 410º do Código Civil, celebrado em Moita, Pernes, verbalmente, no passado dia 4 de Março de 1998, referente ao meu efectivo de gado - 67 cabeças -, o seguinte: - considerando que em 27 de Abril de 1998 V. Exª entregou como sinal e princípio de pagamento - artigos 441º e 442º do Código Civil - o montante de 5 000 000$; - considerando que o restante pagamento do preço - 4 000 000$ - deveria ocorrer com o levantamento e transferência da propriedade dos animais, o que deveria ter acontecido em 19 de Abril de 1998; - considerando que V.Exª não procedeu ao levantamento do gado e respectivo pagamento do restante preço no dia atrás referido, o que tem ocasionado despesas com o sustento dos animais, à minha custa, bem como trabalho que me tem impedido de me dedicar à minha actividade de mecânico; - considerando, por fim, que V.Exª não respondeu ao meu fax de 21 de Maio de 1998, onde lhe comunicava para retirar o gado até ao dia 26 de Maio de 1998 em definitivo, obviamente pagando o restante preço em dívida para, assim, formalizar o contrato definitivo de compra e venda. Em face do exposto, notifico formalmente V.Exª para o seguinte: - se digne retirar o gado e pagar o restante preço em dívida que consubstanciava o contrato definitivo de compra e venda do mesmo, no prazo de oito dias a contar desta, sem falta (1); - na mesma data referida no ponto anterior deverá pagar o sustento do gado e da responsabilidade que tive de suportar, conforme ficou acordado no negócio que celebramos. Contudo, para evitar qualquer litígio, estou disposto a que pague só o sustento do gado mais novo e não do restante, o que computa o valor de...

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