Acórdão nº 03P2134 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA COSTA
Data da Resolução16 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório.

1 - No tribunal da comarca de Águeda, no Processo Comum Colectivo nº. 233/2000, foram julgados, entre outros, os arguidos A e B e, a final, cada um deles foi condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes do artº. 21º nº. 1 do DL 15/93, de 22/1, na pena de 8 anos de prisão.

Esses arguidos viram ainda declarados perdidos a favor do Estado o veiculo TX e um telemóvel apreendidos ao A e o veículo LH, a quantia de 564.500$00, objectos em ouro, prédio urbano inscrito na matriz sob o nº. 2.188 e inscrito na Conservatória sob o nº. 03802/020398 e as quantias depositadas, nos montantes de 506.355300, 94.034$00 e 849$00, apreendidos ao B.

Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra o M.P. e esses dois arguidos, todos do Acórdão condenatório e o B ainda de decisão interlocutória que subiu com aquele e que desatendeu a arguição de nulidade das intercepções telefónicas aos telemóveis nºs. ..., ..., ... e ..., tendo sido negado provimento a todos os recursos e confirmada na íntegra a decisão de 1ª instância.

Do Acórdão da Relação interpuseram recurso para este Supremo o A e o B.

  1. - O recorrente A concluiu a sua motivação do seguinte modo: 1 - Suscita o recorrente, desde logo e mais uma vez, a questão da nulidade das (transcrições das intercepções telefónicas certificadas, autorizadas no âmbito do processo nº. 1227/00 do Tribunal Judicial de Famalicão e no processo nº. 306/00 que correu termos nos Serviços do M.P. de Águeda, que se encontram juntas aos presentes autos e que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal.

    2 - Em sede de Instrução, um dos co-arguidos do recorrente arguiu a referida nulidade, que foi, contudo, julgada improcedente pelo Tribunal de Instrução Criminal, o que importou a interposição do competente recurso, a subir a final, para o Tribunal da Relação de Coimbra.

    3 - Concordando com a verificada nulidade das transcrições das intercepções telefónicas certificadas e constantes do processo, o ora recorrente acompanhou o recurso apresentado.

    4 - Com os mesmos fundamentos, o co-arguido C, na sessão de 27 de Novembro de 2001 da Audiência de Discussão e Julgamento, também arguiu a nulidade das referidas intercepções telefónicas, não tendo sido quanto a esta arguição, em especial, proferida qualquer decisão de mérito.

    5 - O Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão de que ora se recorre, decidiu julgar improcedente a invocada nulidade, não só porque os recorrentes «... não põem em causa a legalidade das escutas no âmbito daqueles processos (no âmbito dos quais as escutas haviam sido autorizadas), nomeadamente do proc. nº. 306/00. O que põem em causa e o B expressamente é a legalidade do seu uso nestes autos, o que se nos afigura de infundado.», como também, porque na perspectiva do Tribunal, havia sido respeitado o principio da subsidariedade.

    6 - O recorrente não colocou em causa as intercepções telefónicas no âmbito daqueles outros autos, donde resultam as referidas intercepções, uma vez que para tanto não tinha legitimidade, nos termos do disposto no artº. 401º do Código do Processo Penal, 7 - Sendo certo que nesse processo que corria termos no Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão - processo nº. 1227/00 -, foi proferido despacho de arquivamento quanto ao ora recorrente. Note-se que no âmbito do mesmo, e em sede de instrução, foi pelos arguidos nele constituídos suscitada a nulidade das escutas autorizadas nesse processo.

    8 - No que se refere ao processo nº. 306/00, que corria termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Águeda, encontrava-se o mesmo, à data da Audiência de Discussão e Julgamento dos presentes autos, em segredo de justiça, razão peia qual os sujeitos processuais nestes autos não podiam ter qualquer tipo de intervenção, ou mesmo acesso àqueles autos, atento o disposto no artº. 86º do Código do Processo Penal.

    9 - Face aos elementos constantes dos autos não compreende o recorrente como pôde o Tribunal da Relação de Coimbra aferir da inexistência de violação do princípio da subsidariedade, designadamente no processo 306/00 quando, compulsados os autos, deles não resulta qualquer indicio da sua observância? 10 - Nem poderia resultar pois as intercepções dele constantes são certificadas e extraídas, nomeadamente, de um processo em segredo de justiça (proc. 306/00).

    11 - A permissão de ingerência na vida privada pela autorização de escutas telefónicas contende com direitos constitucionalmente consagrados, tendo o Legislador rodeado a realização daquele meio de prova de imprescindíveis formalismos legais, cujo escrupuloso cumprimento se exige, sob pena de nulidade. (Cfr. artº. 189º do C.P.Penal).

    12 - Admitindo, por mero raciocínio académico, que todas as exigências legais na realização daquele meio de prova foram efectivamente cumpridas nos autos em que foram autorizadas, certo é que aqueles não foram, em absoluto, verificadas nos presentes, pois nenhuma autoridade aferiu nestes da necessidade do recurso ao meio de prova «intercepções telefónicas», em respeito do princípio da subsidiariedade; não houve qualquer controlo judicial da legalidade do meio de prova (o Tribunal não ouviu as gravações das intercepções efectuadas ou sequer seleccionou aquelas que deveriam ser transcritas porque probatoriamente relevantes).

    13 - O respeito pela Lei Constitucional, bem assim pela Lei Processual Penal, não se compadece com interpretações extensivas dos seus preceitos, pelo que dúvidas não restam que os apertados requisitos legais que validam o recurso ao meio de prova - escutas telefónicas - não foram, de todo, respeitados nos presentes autos.

    14 - O que importa, nos termos do artº. 189º do Código do Processo Penal, a nulidade das transcrições certificadas constantes dos presentes autos, enquanto meio de prova susceptível de valoração pelo julgador, uma vez que a interpretação aventada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de cujo acórdão ora se recorre, faz letra morta de todo o prescrito nos artºs. 187º e 188º do Código do Processo Penal, mormente do consagrado nos artºs. 18º nº. 2, 32º e 34º da Constituição da República Portuguesa.

    15 - Mais entende o recorrente que resulta da análise dos presentes autos que as diligências levadas a cabo pela Polícia Judiciária, no referido dia 12 de Abril de 2000, padecem do mais grave vicio - inexistência.

    16 - Não tendo o Tribunal da Relação de Coimbra perfilhado da mesma opinião, pois conclui "... pela legalidade das diligências e acção policial levadas a cabo pela P.J. no indicado dia 12/4/00, ...» 17 - O presente processo teve como impulso uma denúncia anónima telefonicamente recebida pela Polícia Judiciária - Inspecção de Aveiro, no dia 12.04.2000, cujo registo foi, imediatamente, levado a cabo pelo Sr. Inspector da Polícia Judiciária D (e não pelo Mistério Público), igualmente responsável pelo processo de inquérito nº. 306/00. no qual era investigado o arguido B por crime de natureza análoga ao denunciado.

    18 - A referida denúncia anónima imputava a prática de um crime por determinado sujeito que já se encontrava em investigação por aquela mesma Inspecção da Polícia Judiciária e brigada, sendo o inspector titular do processo em curso o mesmo que procedeu ao registo daquela denúncia.

    19 - Aliás, o profundo conhecimento do processo 306/00 pela Brigada da PJ. que procedeu ao registo da denúncia e posterior detenção do recorrente, resulta evidente, desde logo, do facto daquela Brigada ter utilizado, naquele dia 12 de Abril de 2000, as intercepções telefónicas autorizadas no âmbito do processo em curso (306/00).

    20 - No cumprimento da Lei deveria a Polícia Judiciária ter incorporado a denúncia telefónica no processo crime já existente; não o tendo feito, tais diligências desenvolvidas pela Polícia Judiciária, no referido dia 12 de Abril de 2000, são inválidas, uma vez que inexistia qualquer urgência de realização de actos pela força policial à revelia da tutela do Ministério Público.

    21 - De facto, a existirem actos cautelares necessários e urgentes a praticar como consequência da denúncia anónima recebida, a Polícia Judiciária, no âmbito do processo já existente (proc. nº. 306/00), sempre poderia praticá-los.

    22 - Ora, a decisão de julgar válidas as diligências efectuadas pela Polícia Judiciária (e não pelo Ministério Público), constante do teor do acórdão ora em crise, sustenta-se na verificação de conexão de processos.

    23 - Contudo, e em clara violação do preceituado no artº. 29º do Código de Processo Penal, o processo nº. 306/00, de acordo com o depoimento do Sr. Inspector D, subsistia pelo menos à data do julgamento, o que importa que não vingue o argumento de que o Ministério Público entendeu que havia conexão de processos. Aliás, compulsados os autos, deles não consta qualquer despacho que tenha determinado a conexão destes dois processos.

    24 - Face ao supra exposto, as diligências efectuadas à revelia do Ministério Público encontram-se irremediavelmente feridas de ilegalidade, porquanto violam os artºs. 249º, 263º, 270º do Código do Processo Penal e maxime os artºs. 32º e artº. 219º da Lei Fundamental.

    25 - Entende ainda o ora recorrente que o Tribunal da Relação de Coimbra não fundamentou, nos termos a que se encontra legalmente vinculado, a decisão de julgar improcedente a impugnação da matéria de facto dada como provada no acórdão proferido em 1.ª instância e colocada em crise no recurso oportunamente apresentado pelo recorrente.

    26 - No caso sub judice os factos dados como provados no Acórdão de 1.ª Instância não têm correspondência com os depoimentos que reputados determinantes para a formação da convicção, facto que o recorrente, em sede de recurso, oportunamente impugnou.

    27 - O acórdão recorrido confirmou a decisão proferida anteriormente, sem que do teor do mesmo conste o processo lógico e racional que permitiu àquele Tribunal da Relação de Coimbra considerar improcedente a impugnação do recorrente quanto aos...

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