Acórdão nº 00S3436 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Setembro de 2001

Magistrado ResponsávelMÁRIO TORRES
Data da Resolução26 de Setembro de 2001
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório " AA" intentou, no Tribunal do Trabalho do Porto, acção declarativa comum, com processo ordinário, contra a Empresa-A, pedindo a sua condenação no pagamento de 24.866.489$00 (20.154.450$00 de indemnização por rescisão do contrato com justa causa, 450.975$00 de diferença entre os recibos assinados em 23 de Maio de 1997 e o cheque que a ré depois lhe entregou, 2.410.104$00 de complemento de subsídio de férias e de Natal até à cessação do contrato, e 1.850.960$00 de complemento de ordenados dos meses de Fevereiro de 1996 a Maio de 1997), aduzindo para tanto, em suma, que: (i) em 1 de Maio de 1973 foi admitido ao serviço da ré mediante a celebração de contrato de trabalho, como empregado dos serviços administrativos, (ii) em 1980 passou a exercer as funções de caixeiro de mar, vendo por isso ser aumentado o seu ordenado com um complemento mensal certo e regular; (iii) a ré atribui-lhe em 1980 uma viatura sua, que lhe foi entregue para usar em todo o seu serviço particular, mesmo durante as férias; (iv) desde que passou a caixeiro de mar, sempre auferiu da ré um complemento de ordenado, não sujeito a descontos, doze meses por ano, sem interrupção, o qual se manteve sempre em 100.000$00 líquidos mensais; (v) em 30 de Junho de 1996 foi retirado do seu serviço de caixeiro de mar e colocado em tarefas de escritório, sendo-lhe retirada a viatura, cuja utilização para seu serviço particular correspondia a um benefício de cerca de 55.500$00 anuais; (vi) de então para cá, retiraram-lhe a linha directa de telefone e passaram a persegui-lo; (vii) atrasavam o pagamento dos ordenados oficiais; (viii) a ré não pagou o referido complemento do ordenado desde Fevereiro de 1996 até à data da proposição da acção; (ix) nunca lhe foram pagos os complementos de ordenado relativos a subsídios de férias e de Natal; (x) auferia oficialmente um ordenado base de 233.900$00; (xi) em 12 de Maio de 1997 a dívida da ré ascendia a 4.467.967$00, pelo que o autor lhe enviou carta rescindindo o seu contrato de trabalho com efeitos a partir de 23 de Maio de 1997, com fundamento em salários em atraso, carácter persecutório e discriminativo nesse atraso e no trato; (xii) no dia em que deixou de trabalhar, em vez dos 1.167.415$00 titulados pelos recibos que assinou, a ré apenas lhe pagou 777.585$00; (xiii) não pagaram ao autor a indemnização prevista no artigo 6º, alínea a), da Lei nº 17/86, de 14 de Junho. A ré contestou, impugnando parcialmente a factualidade aduzida pelo autor e alegando, por sua vez, em síntese, que: (i) a partir de 1980 e por expressa vontade sua o autor passou a trabalhar em simultâneo tanto nos serviços administrativos da ré que se desenvolviam nos seus escritórios, como nos serviços externos junto do Porto de Leixões, mas sempre como 1º oficial; (ii) em Junho de 1996 cessou a simultaneidade de tarefas, pelo que deixou de ter necessidade de se deslocar em serviço de viatura, como passou a não precisar de comunicar em serviço com o exterior; (iii) em Janeiro de 1996 chegou ao conhecimento da gerência da ré que o autor e um seu irmão eram detentores da totalidade do capital social de uma sociedade conhecida no meio por "Empresa-B", que tinha por objecto o comércio de fornecimento de géneros alimentícios à navegação; (iv) perante este quadro, foi decidido que o serviço administrativo do autor deixaria de ser executado no interior e no exterior da empresa, decisão que passou a ter eficácia a partir de 30 de Junho de 1996; (v) o autor, por não ignorar a motivação da decisão, aceitou-a e logo entregou as chaves e documentos da viatura, aceitando também a não utilização da linha telefónica directa. Alegou ainda a ré que o autor, ao reportar o conhecimento dos factos integradores da decisão de rescisão a Fevereiro e a Junho de 1996, deixou caducar o direito de poder rescindir o contrato sob a alegação de justa causa, uma vez que a sua carta de rescisão é datada de 12 de Maio de 1997, invocando assim a excepção de caducidade de tal direito. O autor respondeu, pela improcedência das excepções deduzidas, e requerendo a condenação da ré em multa e indemnização como litigante de má fé. Proferido despacho saneador, no qual foi relegado para a sentença final o conhecimento da excepção de caducidade do direito de rescisão do contrato de trabalho pelo trabalhador, invocada pela ré, e seleccionada a matéria de facto, com especificação da dada por assente e elaboração da base instrutória, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foram dadas as respostas aos quesitos, após o que foi proferida a sentença de 15 de Outubro de 1999 (fls. 196 a 213), que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a pagar ao autor: (i) a quantia de 8.347.500$00 a título de indemnização pela rescisão do contrato de trabalho com justa causa; (ii) a quantia de 595.833$00, relativa aos complementos de ordenado devidos desde 1 de Janeiro de 1997 até à data da cessação do contrato, remuneração de férias e respectivo subsídio vencidos em 1 de Janeiro de 1997, e ainda a proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal do tempo de serviço prestado em 1997, correspondentes a tal complemento de ordenado; (iii) a quantia de 450.975$00 relativos a diferenças entre os recibos assinados em 23 de Maio de 1997 e o efectivamente recebido; e (iv) o complemento de ordenado devido desde data incerta de 1996 até 31 de Dezembro de 1996, subsídios de férias e de Natal correspondentes ao complemento de ordenado que lhe era pago, devidos desde Outubro de 1987 até 31 de Dezembro de 1996, a liquidar em execução de sentença - absolvendo quanto ao mais a ré do pedido. Contra esta sentença apelou a ré para o Tribunal da Relação do Porto (fls.217 a 235), que, por acórdão de 27 de Março de 2000 (fls. 245 a 249, rectificado pelo acórdão de 15 de Maio de 2000, a fls. 259), concedeu provimento ao recurso, julgando procedente a excepção da caducidade do direito de rescisão relativamente às alíneas a) e d) da carta de rescisão, e descaracterizado o restante fundamento por a sua invocação representar abuso de direito, assim absolvendo a ré do pedido. Inconformado agora o autor, veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando a respectiva alegação (fls. 262 a 265) com a formulação das seguintes conclusões: "1ª - Nos termos do Decreto-Lei nº 76/89, de 3 de Março, e do CCT referido nos autos, caixeiro de mar é uma profissão e não mera categoria profissional dentro de uma profissão, embora equiparada a, pelo menos, 1º oficial, ou superior. 2ª - A referência a tal equivalência não constitui identificação e tem por fim, e única justificação, estabelecer um mínimo remuneratório para a profissão de caixeiro de mar. 3ª - O catering (fornecimento de géneros alimentícios à navegação) ocasionalmente exercido pelo recorrente não foi actividade concorrente da de agenciamento de navios pela recorrida; 4ª - Competia à recorrida alegar e provar que tal ocasional actividade do recorrente em proveito próprio era em prejuízo do serviço de caixeiro de mar, ou causou prejuízos a ela recorrente, e não o fez. 5ª - Além de que de toda a matéria dada como provada não resulta esta conclusão ínsita no douto acórdão recorrendo, pelo que carece de fundamento. 6ª - Com a actividade ocasional de catering, ou qualquer outra, o recorrente não contribui para a debilidade económico-financeira da recorrida. 7ª - Competia à recorrida alegá-lo e prová-lo, e não o fez. 8ª - É legítima a actuação do apelado autor de rescindir o contrato ao abrigo da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, invocando falta de pagamento de retribuições, já que, em 12 de Maio de 1997, se prolongava por mais de 30 dias a falta de pagamento da retribuição de Março e de Abril e ainda metade do subsídio de Natal de 1996. 9ª - O direito de o recorrente rescindir o contrato por falta de pagamento de remunerações é independente de culpa da recorrida no pagamento das retribuições que àquele eram devidas. 10ª - Existe contradição flagrante, no acórdão recorrendo, entre as alíneas a) a l), sintetizando as conclusões de recurso da recorrida, e tal conclusão. 11ª - Pela matéria dada como provada, não pode afirmar-se que o recorrente tenha usado de má fé quando rescindiu o contrato; 12ª - Ficou provado que o recorrente usava veículo, comprado, mantido e abastecido pela recorrida, dele tendo até o recorrente prescindido algumas poucas vezes, e telefone da empresa para seu serviço particular. 13ª - Estas vantagens patrimoniais constituiriam retribuição, regular e permanente, ao longo de mais de quinze anos. 14ª - O facto de o «complemento» de 100.000$00 não ter sido pago desde data incerta de 1996 não lhe retira a natureza de verdadeiro complemento de ordenado; 15ª - Tal...

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