Acórdão nº 98P883 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Julho de 1998
Magistrado Responsável | VIRGILIO OLIVEIRA |
Data da Resolução | 01 de Julho de 1998 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - No Tribunal de Círculo de Castelo Branco, perante o tribunal colectivo, foi submetido a julgamento o arguido A, casado, aposentado, nascido em 22 de Maio de 1932, residente em Retaxo, sob a imputação de haver praticado dois crimes de burla previsto e punidos pelos artigos 22, n. 1, 23, n. 2, 74, n. 1, alínea d), 313, n. 1 e 314, alínea c), todos do Código Penal de 1982, ou dois crimes de burla previstos e punidos pelos artigos 22, n. 1, 23, n. 2, 73, n. 1, alíneas a), b) e c), 202, alínea a), 217, n. 1 e 218, n. 1, do Código Penal de 1995 e um crime de emissão de cheque sem provisão previsto e punido pelo artigo 11, n. 1, alínea a) do Decreto-Lei n. 454/91, de 28 de Dezembro com referência aos artigos 202, alínea a) e 218, n. 1 do Código Penal, versão de 1995. 2. - Os lesados B e mulher C deduziram pedido de indemnização civil contra o arguido no montante de 1146232 escudos e juros vincendos. 3. - O arguido veio a ser condenado: 3.1. - Como autor de um crime de burla na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30, n. 2, 79, 22, n. 1, 23, n. 2, 73, n. 1, alíneas a) e b), 202, alínea a), 217, n. 1 e 218, n. 1, do Código Penal de 1995, na pena de um ano de prisão; 3.2. - Como autor de um crime de emissão de cheque sem provisão previsto e punido pelos artigos 11, n. 1, alínea a) do Decreto-Lei n. 454/91, de 28 de Dezembro e 202, alínea a) e 218, n. 1, do Código Penal de 1995, na pena de um ano e seis meses de prisão; 3.3. - Em cúmulo jurídico, tendo em atenção o disposto no artigo 77, ns. 1 e 2 do mesmo Código, na pena de dois anos de prisão; 3.4. - Na procedência parcial do pedido Cível, o arguido foi condenado a pagar aos lesados B e C a importância total de 1096232 escudos, acrescido de juros legais à taxa de 10 por cento, vencidos e vincendos, contados desde 26 de Julho de 1996 sobre a importância de 950000 escudos até integral pagamento. 4. - Inconformado com o decidido, interpôs o arguido, através do seu Excelentíssimo defensor oficioso, recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando a concluir na sua motivação: 4.1. - A interposição jurídico-penal efectuada pelos meritíssimos Juízes "a quo", relativamente ao qualificativo "valor do prejuízo consideravelmente elevado" constante do artigo 314, alínea c) do Código Penal, versão de 1982, foi incorrecta; 4.2. - O critério para determinar o que seja "valor consideravelmente elevado", não pode orientar-se unicamente na modesta condição sócio-económica dos ofendidos e do recorrente; 4.3. - Este critério tem que ser equilibrado com critérios objectivos, como sejam a taxa de inflação, o nível médio dos salários e o significado que é atribuído pelo homem médio ao qualificativo acima mencionado; 4.4. - Devido à incorrecta qualificativa "valor consideravelmente elevado", o recorrente viu a sua situação injustamente agravada; 4.5. - Tendo em conta os montantes em causa, devem os crimes pelos quais o recorrente foi condenado, serem enquadrados no crime de burla simples do artigo 313, n. 1 do Código Penal de 1982; 4.6. - Ao serem os crimes enquadrados no crime de burla simples do preceito supracitado, o recorrente obedece a todos os requisitos da suspensão da execução da pena, nos termos do artigo 48 e seguintes do Código Penal de 1982, devendo ter sido esta a medida a ser aplicada ao recorrente; 4.7. - Contudo, na eventualidade de assim se não entender, a pena de prisão de dois anos foi excessiva; 4.8. - Já que, face aos factos provados na audiência de discussão e julgamento, o douto acórdão recorrido deveria ter tido em conta o preceituado no artigo 73, n. 2 do Código Penal de 1995, relativamente ao crime de burla continuado; 4.9. - Relativamente ao crime de emissão de cheque sem provisão, os Meritíssimos Juízes não tiveram em devida consideração o artigo 206 do Código Penal de 1995, embora só tenha até agora o recorrente entregue aos ofendidos 50000 escudos, isso demonstra que o arguido tem intenção de pagar e só ainda não pagou o restante devido à sua difícil condição económica; 4.10. - Assim, urge revogar o douto acórdão recorrido por uma outra decisão que lhe aplique uma outra medida não privativa da liberdade que tem à sua disposição o tribunal, ou pelo menos reduza a pena a que foi condenado o recorrente; 4.11. - Uma vez que o enquadramento jurídico-penal foi incorrecto, e tendo que aplicar-se o preceituado no artigo 313, n. 1, do Código Penal de 1982, levanta-se a questão de incompetência do tribunal recorrido, pois o tribunal colectivo só tem competência para julgar processos cuja pena máxima abstractamente aplicável seja superior a cinco (5) anos; 4.12. - Pelo que estamos perante uma nulidade insanável, deverá ser declarado inválido o douto acórdão nos termos dos artigos 14, n. 2, alínea b) e 119, alínea e) do Código de Processo Penal, ordenando-se a repetição da audiência de discussão e julgamento; 4.13. - Foram violados os artigos 313, n. 1 e 314, alínea c) do Código Penal de 1982, bem como o seu artigo 48 e artigos 73, n. 2 e 206 do Código Penal (1995) e ainda os artigos 14, n. 2 alínea b) e 119, alínea e) do Código de Processo Penal. 5. - Na resposta, o Excelentíssimo Procurador da República junto do tribunal recorrido pronunciou-se pela manutenção do decidido, pois que, em conclusão: 5.1. - Não foram violados os normativos legais invocados, tendo sido cumpridas as normas legais respeitantes à competência do tribunal; 5.2. - O valor das quantias representavam um valor consideravelmente elevado ao abrigo da lei anterior, do Código Penal de 1982; 5.3. - A medida da pena foi adequada à gravidade da conduta, sendo prudente a redução feita, e cúmulo jurídico, ao somatório das penas parcelares. 6. - O recorrente requereu alegações por escrito, nos termos do artigo 434, n. 1 do Código de Processo Penal, sem oposição dos recorridos, pelo que foi fixado prazo para o efeito. Apenas o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça apresentou alegações para, analisando os motivos do recurso, concluir pelo seu não provimento. 7. - Em 1 de Janeiro de 1998 entrou em vigor o Decreto-Lei n. 316/97, de 19 de Novembro, através do qual se procedeu à revisão do Decreto-Lei n. 454/91, de 28 de Dezembro. Notificados o Ministério Público e o recorrente para, em face daquela alteração legal, dizerem o que se lhes oferecesse, apenas o primeiro, através do Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, se pronunciou, para dizer que não resultara dos autos que o cheque em causa fosse pré-datado, de garantia, daí não se tendo operado a sua descriminalização por via da nova redacção do Decreto-Lei n. 454/91. Cumpre decidir. 8. - A matéria de facto que vem dada como provada pela 1. instância é a seguinte: 8.1. - O arguido conheceu C no verão de 1991 em casa de amigos comuns em Alcains; 8.2. - Em data não apurada do 3. trimestre de 1994, na cidade de Castelo Branco, contactou B a quem propôs colocar na situação de reformado mediante a entrega da quantia de 300000 escudos, ao que aquele não acedeu dado o valor solicitado; 8.3. - Em fins de Novembro de 1994 abordou C, em Castelo Branco, a quem propôs colocar na situação de reformada com efeitos plenos a partir de cerca de cinco anos antes, ocasião em que tal situação lhe fora negada pela primeira vez pelos serviços competentes; 8.4. - Face a certo desinteresse daquela, de imediato o arguido se dirigiu à sua casa de residência, onde expôs a situação ao marido da mesma, o qual, entretanto, aí chegou e interveio na discussão subsequente; 8.5. - Ao longo desta, o arguido alegou que a colocação daquela na situação de reforma era legal, dado que, independentemente de ser doente, apenas era exigível o desconto para a segurança social por período de dez anos e precisou que era necessário entregar-lhe, de imediato, a documentação pessoal e 500000 escudos para entregar ao médico que trataria do caso, porquanto muitas vezes eram resolvidas as situações e não eram efectuados os pagamentos devidos. Mais referiu que o médico queria dinheiro, mas como ali o não teriam, emitindo um cheque em seu nome - A - resolveriam o problema, pois daria o respectivo montante àquele; 8.6. - A C e o B acederam à proposta formulada, de imediato entregaram ao arguido a documentação pessoal da primeira e o cheque n. .... da conta conjunta n. .... da Caixa Geral de Depósitos, agência de Castelo Branco, que a mesma preencheu na íntegra, apondo por punho próprio a sua assinatura, local de emissão, data e endosso - Castelo Branco; 1 de Dezembro de 1994; A e o montante de 500000 escudos, em números e por extenso; 8.7. - O...
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